Em decisão inédita, a 3ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que as operadoras de
plano de saúde não estão autorizadas a interferir na atuação médica
para se negar ao fornecimento de medicamento off
label – aquele cuja indicação não está descrita na bula
registrada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa).
O custeio de remédios off
label por parte dos planos de saúde foi discutido num
recurso que opunha a Amil e uma beneficiária diagnosticada com
câncer no cérebro. A operadora se recusou a pagar pelo medicamento
Temodal, indicado pelo médico, sob o argumento de que a bula não
previa o tratamento da doença.
A Amil defendia que, ao custear um
remédio para uso diferente do previsto na bula, poderia depois ter
que arcar com possíveis prejuízos causados por um eventual fracasso
do tratamento. Por isso, sustentava que não poderia fornecer o
medicamento à beneficiária – amparando-se em resolução normativa da
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
A relatora do caso, ministra Nancy
Andrighi, lembrou que medicamentos off label,
diferentemente dos experimentais, possuem registro sanitário e são
comercializados em território brasileiro. Segundo ela, o caráter
experimental a que faz referência a Lei 9.656 – a Lei dos Planos de
Saúde – em seu artigo 10 diz respeito ao tratamento clínico ou
cirúrgico incompatível com as normas de controle sanitário. “A
presente hipótese ilustra perfeitamente os riscos que a operadora
do plano de saúde pode gerar para vida e saúde dos pacientes”,
disse a relatora, que foi seguida por todos os ministros da
turma.
De acordo com a Andrighi, quem decide
se “a situação concreta de enfermidade do paciente” está adequada
ao tratamento conforme as indicações da bula é o médico. “Autorizar
que a operadora negue o tratamento sob a justificativa de que a
indicação não está contida na bula representa inegável ingerência
na ciência médica, em odioso e inaceitável prejuízo ao paciente
enfermo”, afirmou.
Além de ser obrigada a fornecer o
remédio, a operadora terá que pagar R$ 2.500 em danos morais.
A questão dos
medicamentos off label também está sendo
analisada pela 4ª Turma do STJ. Em junho, o julgamento do REsp
1729566/SP – que está empatado – foi interrompido por pedido de
vista do ministro Marco Buzzi. No caso, uma beneficiária do plano
de saúde Care Plus Medicina Assistencial teve negada a cobertura do
remédio Interferon Peguilado Alfa (Pegasys) – indicado na bula para
o tratamento de hepatite crônica B ou C e coinfecção HCV-HIV – para
a terapia de trombocitemia essencial. É muito provável que a 4ª
Turma decida de forma parecida à da 3ª Turma, obrigando as
operadoras a fornecer o medicamento off label.
Desistência
O recurso foi julgado na terça-feira
(28/8), após questão de ordem apresentada por Nancy Andrighi. Na
última sexta-feira, a Amil havia apresentado pedido de desistência
do julgamento sob a justificativa de que estaria fazendo um acordo
com a beneficiária. A ministra, porém, entendeu o pedido de
desistência como uma manobra da operadora para não ter um resultado
desfavorável, “manipulando a jurisprudência” do STJ.
Apontando para a grande relevância do
tema, a relatora se amparou numa leitura ampliada do artigo 998 do
novo Código de Processo Civil, segundo o qual “a desistência do
recurso não impede a análise de questão cuja repercussão geral já
tenha sido reconhecida e daquela objeto de julgamento de recursos
extraordinários ou especiais repetitivos”. Ela foi seguida pela
maioria dos colegas. Apenas o ministro Ricardo Cueva votou contra,
por entender que o texto literal do CPC deveria ser respeitado.