A arte, na forma de filmes, reflete
de modo contundente o sentimento das pessoas acerca das normas
jurídicas, possibilitando o questionamento em termos da própria
justiça, e discute questões polêmicas, como o aborto, por exemplo.
E foi a partir da análise de cinco filmes sobre o tema que o
assistente jurídico Luciano Correa Ortega realizou uma pesquisa na
Faculdade de Direito (FD) da USP para ampliar o debate sobre o
aborto. “A discussão sobre a legalização do aborto empobrece e se
absolutiza quando domina o argumento de que abortando a pessoa
estaria matando uma vida, afinal, ninguém é a favor do
assassinato”, afirma o pesquisador.
No estudo, orientado pela
professora Mara Regina de Oliveira, o advogado estabeleceu o
conceito de vida ontológica para falar do feto. Isto significa que,
nessa linha de raciocínio, haveria primazia do sujeito moral, da
condição de pessoa, com destaque a atributos como a
autoconsciência, senso de passado e futuro e reflexão, noções que
existem apenas depois do nascimento. Dessa maneira, assuntos como a
clandestinidade, as condições da cirurgia de interrupção da
gravidez e o sentimento materno apareceram na pesquisa.
A pesquisa O conceito de
pessoa moral como critério para análise do aborto
provocado:considerações interdisciplinares traz a análise
das ficções: Regras da Vida (EUA, 1999), de
Lasse Hallström, O Segredo de Vera Drake (Reino
Unido, 2004), de Mike Leigh e 4 Meses, 3 Semanas e 2
Dias (Romênia, 2007), de Cristian Mungiu; e os
documentários O Aborto dos Outros (Brasil,
2007), de Carla Gallo eO Grito Silencioso (EUA,
1984).
Para Ortega, “existe uma
contribuição mútua entre o direito e o cinema”. Segundo ele, a
pesquisa acadêmica em Direito pode analisar essa discussão para
enriquecer e ampliar o objeto de análise jurídica, evidenciando
questões sociais que se conectam à interrupção da gravidez, e que
não poderiam ser notadas apenas nas obras escritas. “Vale ressaltar
que o estudo não tirou uma conclusão sobre a necessidade da
legalização ou não do aborto, mas procurou ampliar a
discussão.”
Cinema
Em quase todas as obras cinematográficas analisadas, foi mostrada a
questão da clandestinidade do aborto. As formas como eles são
realizados, quando não são permitidos por lei. São retratados como
formas degradantes e perigosas.
Em Regras da Vida,
uma mulher aparece no local onde fazem aborto ilegalmente com o
útero perfurado por uma agulha de crochê. Este seria um método
caseiro de realizar o aborto, mas que teria diversos riscos e falta
de higiene. O filme mostra regras impostas por pessoas que não
fazem parte dessa situação, que não vivenciam o drama humano que
leva muitos à interrupção clandestina da gestação.
Em O Segredo de Vera
Drake, a personagem principal ajuda mulheres que desejam
induzir o aborto. São mostrados diversos motivos pelas quais elas
desejam realizar essa prática e também é possível notar, na obra,
como é comum a prática da indução do aborto clandestinamente.
O filme 4 Meses, 3 Semanas
e 2 Dias mostra como após a implantação de uma lei
proibitiva ao aborto na Romênia, a prática começou a ser realizada
clandestinamente com maiores riscos de doença e por pessoas que, à
parte da lei, não tem caráter ou moral.
O Aborto dos
Outros mostra diversas questões acerca do aborto, que é
um problema social, econômico, psicológico e de saúde pública.
Tanto quando é permitido quanto quando é clandestino, o aborto é
uma prática que acarreta muitas possibilidades e consequências.
Já no documentário O Grito
Silencioso, é mostrado por um médico que deixou de realizar
abortos após estudos como o feto é uma pessoa e teria direito a
vida mesmo antes de nascer. “Há cenas em que o feto foge dos
instrumentos durante o aborto”, conta Ortega.