A Polícia Civil do Paraná poderá exumar sete corpos de pacientes
que morreram na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital
Evangélico de Curitiba (PR) durante os plantões da médica Virgínia
Soares de Souza - coordenadora da unidade e detida na última
terça-feira (19), suspeita de ordenar o desligamento de aparelhos
que mantinham vivos pacientes internados. O caso ganhou contornos
dramáticos ontem com a revelação de uma ex-paciente da UTI, que em
dezembro escreveu um bilhete para a filha quando estava internada
pedindo para ser retirada da unidade porque sabia que seria
morta.
A médica intensivista, que era investigada há um ano pela
Polícia Civil, foi indiciada por homicídio qualificado, porque as
pessoas não tinham chance de se defender. Ela atua no hospital
desde 1988 e chefia a UTI há sete anos.
A direção do hospital não confirmou a hipótese de exumação de
corpos, levantada por uma fonte ligada ao caso - cuja investigação
é feita em sigilo -, e apenas confirmou a troca de 34 enfermeiros e
13 médicos do setor de UTI. Segundo o diretor-clínico Gilberto
Pascolat, o objetivo da troca - que atendia pedido da Secretaria
Municipal de Saúde - é o de evitar pânico entre os familiares de
pacientes. "É uma forma de tranquilizar mais as famílias",
disse.
A denúncia que culminou com a prisão de Virgínia teve início no
ano passado, conforme a queixa de uma pessoa que conhecia o trâmite
na UTI. "A pessoa entrou em contato com a Ouvidoria, que nos
repassou a denúncia e iniciamos a investigação", disse a delegada
Paula Brisola.
Nos últimos dias, vieram à tona depoimentos com acusações
gravíssimas contra a médica. Na quinta-feira (21), a família de uma
ex-paciente que passou pela UTI do hospital em dezembro contou que
ela escreveu um bilhete para a filha pedindo que a retirassem dali.
"Eu preciso sair daqui, pois tentaram hoje me matar desligando os
aparelhos", diz trecho do bilhete. A paciente estava entubada
quando teria escutado alguém mandar desligar o aparelho. "Eram 8h
da manhã, a médica (Virgínia Soares de Souza) disse que queria ver
se eu aguentava até as 16h. Mas, assim que ela deu as costas, a
enfermeira colocou o respirador e disse que não deixaria que
fizessem isso comigo."
Antes, uma ex-funcionária da UTI disse que a médica tratava os
pacientes do SUS com desdém, dando a entender que ela desligava os
aparelhos no qual eles estavam ligados. "Quase todo dia havia uma
parada cardíaca e ela gritava ‘Spp’ (sigla utilizada em UTIs que
significa "se parar, parou!"), então, as enfermeiras saíam fora e
deixavam o paciente. Isso quando era SUS; se era particular ou
convênio aí tentavam salvar", disse.
A RPC TV, afiliada da Rede Globo, divulgou trecho do depoimento
da médica à polícia no qual ela diz que havia sido "mal
interpretada" por falas como "Quero desentulhar a UTI, que está me
dando coceira". Outro ex-enfermeiro disse que ela interrompia ou a
ventilação mecânica ou as medicações que mantinham pacientes vivos.
Um terceiro, em depoimento à RPC TV, disse que ela fumava na UTI e
ameaçava funcionários.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) se manifestou por meio de
nota e não descartou a cassação do exercício profissional da
médica. "Se for confirmado o delito, o CRM-PR proporá a abertura de
processo contra a médica denunciada, que ficará passível de receber
penas que vão até a cassação do exercício profissional", diz a
nota.
O advogado de defesa de Virgínia, Elias Mattar Assad, disse que
entregará nesta sexta-feira um documento ao Conselho Federal de
Medicina pedindo para que sejam revistos os procedimentos em UTIs
de todo o País.
"Não é possível que os intensivistas fiquem cuidando e com a
responsabilidade de pacientes que não são deles. Em uma UTI seria
necessário mais acompanhamento do médico responsável e nenhuma
atitude poderia ser tomada sem que ele desse a autorização. A UTI é
a fronteira entre a vida e a morte", disse.