A empresa americana Sanaria ressuscitou a ideia de um casal
brasileiro publicada há 44 anos e imunizou 12 pessoas contra
malária com uma vacina experimental. Num dos subgrupos do teste, a
eficiência alcançou 100%.
O trabalho foi publicado ontem na versão eletrônica da revista
"Science". Os líderes do estudo são Stephen Hoffman, da Sanaria, e
Robert Seder, do Instituto Nacional de Alergia e Doenças
Infecciosas (Niaid) dos EUA.
Trata-se do maior sucesso alcançado, até aqui, na longa e
decepcionante luta para prevenir a doença, que em 2010 causou
estimadas 660 mil mortes no mundo.
Outra vacina, da empresa GSK, está em fase mais adiantada de teste,
mas só conseguiu entre 47% e 55% de proteção. Para crianças, as
principais vítimas, teve resultado ainda pior (33% a 37%).
No Brasil, a doença está presente sobretudo na Amazônia, mas o
número anual de mortes fica na casa das centenas. Isso porque
predomina aqui o parasita Plasmodium vivax, menos perigoso que o P.
falciparum, que causa a maior parte das mortes na África.
O produto da Sanaria, apelidado de PfSPZ, emprega o
microrganismo inteiro --no seu estágio de vida batizado de
esporozoíto-- para desafiar o sistema imune humano. A fim de
impedir que essa versão do plasmódio desencadeie a doença, os
esporozoítos são "nocauteados" (atenuados) com raios X.
A vacina da GSK (conhecida como RST,S) usa só um pedaço do
esporozoíto. Não pode, por isso, causar a doença, e terá vantagens
práticas sobre a PfSPZ --se der certo.
Os brasileiros Ruth e Victor Nussenzweig desenvolveram a técnica
de atenuação do esporozoíto com raios X a partir de 1965, quando se
mudaram para a Universidade de Nova York. Irradiaram milhares de
mosquitos e os puseram para picar recrutas americanos
voluntários.
Conseguiram imunizar os rapazes contra a malária, mas era só uma
"prova de princípio". Não há como vacinar milhões de pessoas
assim.
Hoffman partiu daí e criou um procedimento para obter os
esporozoítos e injetá-los, dispensando as picadas. É um processo
laborioso, que exige abrir as glândulas salivares dos insetos para
coletar os microrganismos.
Dois anos atrás, Hoffman e Seder testaram a vacina artesanal em
humanos e descobriram que injeções subcutâneas não davam resultado
satisfatório. Tentaram então, em julho e outubro de 2012, a
imunização com injeção na corrente sanguínea (intravenosa), método
impraticável em vacinações de massa.
São esses os resultados relatados agora na "Science". Um grupo
de 40 voluntários recebeu injeções em doses e intervalos variados.
Dos seis que receberam cinco injeções e dose máxima, todos acabaram
imunizados, assim como seis dos nove inoculados quatro vezes com
doses altas.
Foi só mais uma prova de princípio. Não faltam obstáculos para a
PfSPZ se tornar uma alternativa real para combater a malária.
Primeiro, a Sanaria precisará encontrar uma maneira mais prática
de obter os esporozoítos. Depois, provar que o produto funciona com
um número maior de pessoas e por mais de um ano.
Em seguida, terá de demonstrar que a PfSPZ é eficaz contra várias
cepas do plasmódio. E, por fim, que pode dispensar o nitrogênio
líquido para resfriar a vacina e as injeções intravenosas.
A luta por uma vacina contra a malária tem vários anos pela
frente.