Mortalidade de recém-nascidos antes
dos seis dias de vida, infecções sexualmente transmissíveis, mortes
maternas, hanseníase e tuberculose. Estes são alguns dos problemas
de saúde evitáveis mais frequentes entre a população negra, tanto
em comparação ao contingente branco quanto em relação às médias
nacionais, alertaram as Nações Unidas na segunda-feira (29), com
base em dados oficiais.
“A população negra não é uma população
doente”, explica Lúcia Xavier, coordenadora da organização de
mulheres negras Criola. “O que acontece é que ela vive com menos
qualidade. O grupo é mais vulnerável às doenças porque está sob
maior influência dos determinantes sociais de saúde, ou seja, as
condições em que uma pessoa vive e trabalha, a insalubridade, as
baixas condições sanitárias às quais está submetida, por exemplo. E
a soma desses diversos indicadores de vulnerabilidade aumenta
também o risco de perder a vida”, afirma.
Mortalidade de recém-nascidos antes
dos seis dias de vida, infecções sexualmente transmissíveis, mortes
maternas, incluindo óbitos por abortos sépticos — quando o feto não
é eliminado completamente causando infecção —, hanseníase e
tuberculose. Estes são alguns dos problemas de saúde evitáveis mais
frequentes entre a população negra, tanto em comparação ao
contingente branco quanto em relação às médias nacionais, alertaram
as Nações
Unidas na segunda-feira (29), com base em dados oficiais.
Além de estarem mais expostos ao risco
de morte violenta intencional — como tem indicado a campanha Vidas
Negras, da ONU —, os negros e negras também integram o grupo de
brasileiros que têm, em geral, piores indicadores de saúde,
expressos na maior incidência de doenças. É o que revelam as
estatísticas oficiais citadas pelas Nações Unidas.
Segundo o Ministério da Saúde, 55% dos
casos registrados de Aids em 2016 ocorreram em pessoas negras e
43,9% em brancas. Os óbitos pela doença também afetam mais negros
(58,7%) que brancos (40,9%). No mesmo ano, 38,5% das notificações
de sífilis adquirida ocorreram entre pessoas brancas e 42,4% em
negras. Das mulheres gestantes diagnosticadas com sífilis, 59,8%
eram negras e 30,6% brancas.
Em relação à raça/cor das mães das
crianças com sífilis congênita, as negras foram mais que o dobro
(65,1%) das brancas (25,0%). A hanseníase, doença infecciosa
causada por bactéria cuja transmissão está relacionada a condições
precárias de moradia e higiene, em 2014, teve 31.064 casos
notificados, mais de dois terços (21.554) na população negra. Nos
registros de tuberculose, no mesmo ano, 57,5% das pessoas que
apresentaram a doença eram negras.
“A população negra não é uma população
doente”, explica Lúcia Xavier, coordenadora da organização de
mulheres negras Criola. “O que acontece é que ela vive com menos
qualidade. O grupo é mais vulnerável às doenças porque está sob
maior influência dos determinantes sociais de saúde, ou seja, as
condições em que uma pessoa vive e trabalha, a insalubridade, as
baixas condições sanitárias às quais está submetida, por exemplo. E
a soma desses diversos indicadores de vulnerabilidade aumenta
também o risco de perder a vida”, afirma.
Segundo o Ministério da Saúde,
atualmente, 80% da população que só tem o SUS como plano de saúde é
negra. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (2015), das pessoas que
já se sentiram discriminadas nos serviços, por médicos ou outros
profissionais de saúde, 13,6% destacam o viés racial da
discriminação. A coordenadora de Criola chama atenção para o fato
de que o desempenho desigual em saúde tem causas que vão para além
das possíveis restrições ou dificuldades no acesso aos serviços
públicos. “Estudos mostram que o racismo não é uma questão
vinculada especificamente ao SUS. Na rede privada, o racismo também
está presente. A diferença nas taxas de mortalidade hospitalar é
uma evidência”, observa.
Para Lúcia, o enfrentamento ao racismo
institucional deve se dar junto com outras medidas de redução das
desigualdades raciais. “O combate ao racismo institucional é
fundamental para a equidade. Mas a falta de saúde resulta de uma
série de outros fatores ligados às práticas racistas. Como um povo
que está sujeito a discriminação pode ter melhor qualidade de
vida?”, questiona.
Baixa qualidade dos dados
A Organização Pan-Americana da Saúde
(OPAS), após sua recente Conferência Sanitária das Américas, em
setembro do ano passado, recomendou aos Estados-membros — inclusive
o Brasil — que promovam políticas públicas capazes de abordar “a
etnicidade como determinante social da saúde”. Para isto, entre
outras medidas, também sugeridas pela OPAS, é fundamental: “dispor
de dados suficientes e de qualidade, e gerar evidência sobre
desigualdades e iniquidades étnicas em saúde para a tomada de
decisões políticas”.
É justamente o que destacou Fernanda
Lopes, representante auxiliar do Fundo de População das Nações
Unidas (UNFPA) no Brasil. Para ela, o problema é justamente a não
adoção dos dados desagregados como instrumento de gestão. “Ao
desagregar os dados por raça/cor as iniquidades ficam evidentes, se
estes dados não são utilizados para orientar as políticas, os
planos e os programas, as mudanças nas condições de vida e no
cuidado não acontecem”.
“Não há insuficiência de dados, a
qualidade é que precisa ser apurada. Já não se pode aceitar dados
cuja informação sobre raça/cor é ‘ignorada’. Os indicadores
precisam ser sensíveis. Se não são desagregados, não poderão captar
as necessidades reais dos grupos. Não haverá investimentos
corretos, as desigualdades serão mantidas e/ou agravadas”,
analisa.
Vitória Lourenço, de 25 anos, fez um
levantamento sobre o perfil por trás dos números da morte materna
no Rio de Janeiro, entre 2009 e 2013, com informações do banco do
Sistema Único de Saúde (DataSUS) e dados fornecidos por meio da LAI
(Lei de Acesso a Informação). Ela descobriu que as mães que morrem
por causas relacionadas à gravidez, parto e pós-parto, no estado,
são jovens, negras e de baixa escolaridade. No Brasil, de todas as
mortes maternas de jovens, as negras são 55,3% enquanto as brancas
47,5%.
Vitória, que também é mãe, chamou
atenção para a questão da qualidade dos dados, que tem dois
problemas principais: o modo como as informações são trabalhadas e
o preenchimento do quesito “cor” por profissionais de saúde.
“Existe ainda um tabu em perguntar como a pessoa se identifica. E
aí fica muitas vezes a critério do profissional que pode inserir
‘branco’ para classificar alguém que se identifica de outra forma.
Eu mesma já fui lida como ‘parda’ várias vezes, preferindo ser
identificada como ‘preta’. No Rio, não temos uma formação
obrigatória para os profissionais sobre a importância do quesito
cor”, lembra.
Em relação à forma como os dados são
trabalhados, Vitória destaca uma segunda problemática, que é a
baixa presença negra na produção de pesquisas sobre raça, racismo e
saúde. “Geralmente, somos só estatísticas. Não estamos nos espaços
que analisamos dados produzidos e isso tem um impacto direto no
conhecimento que se tem sobre o tema. Somos 53% da população e
porque não conhecemos nossa realidade? Como pode ser tabu falar da
saúde de tanta gente?”
No caso da juventude negra, a questão
da qualidade dos dados se agrava. Embora hoje existam informações
desagregadas sobre homicídios e outras causas externas de morte
entre pessoas de 15 a 29 anos, a análise dos dados explora, menos
do que se deveria, as combinações entre raça, sexo e faixa etária.
Identidade de gênero, que é um fator de risco para mortes violentas
no Brasil, se quer existe nas estatísticas de saúde.
Para Fernanda Lopes, também existe uma
dificuldade em falar e trabalhar a saúde da população jovem de
forma específica, porque tradicionalmente não se trabalha saúde e,
sim, doenças e agravos. “Aquele estado de bem-estar físico, mental,
espiritual descrito pela OMS como saúde não pode ser traduzido
apenas como ausência de sinais e sintomas de doenças”.
“Sabemos que saúde e a doença não são
obras do acaso ou do destino. A condição de saúde é determinada por
fatores econômicos, políticos, sociais, culturais e ambientais.
Logo, para se alcançar o estado de bem-estar é preciso
investimentos diversos dentro e fora do serviço de saúde. Se o
racismo não for reconhecido e enfrentado, a juventude negra não
terá saúde e estará sempre vivenciando maiores riscos de
adoecimento e morte”, ressalta.
O excesso de importância dado ao
adoecimento tem levado a um ciclo que engloba produção de dados, de
um lado, e um olhar das políticas, de outro, ambos bastante
concentrados nas causas externas. Isto tem gerado uma zona cinzenta
em relação, por exemplo, ao conhecimento das condições mais gerais
de saúde da juventude negra.
“Não sabemos o que acomete essa
população além das causas externas de morte. Sabemos os dados
referentes à gravidez, mas não temos algo referente ao câncer;
sabemos alguma coisa sobre HIV/Aids, mas não sabemos como está a
prevalência da anemia falciforme. Não sabemos sobre a qualidade do
cuidado em saúde das e dos jovens”, diz Lúcia Xavier.
Entre as recomendações da Conferência
Sanitária das Américas, está justamente a de que dados e
informações desagregadas componham o enfoque étnico na aplicação de
estratégias e planos de ação de saúde, de acordo com as realidades
nacionais. No Brasil, muito sobre as condições de vida e saúde da
juventude negra ainda está por ser conhecido. Este é um dos passos
fundamentais para que se alcance as metas da Agenda 2030 de
Desenvolvimento Sustentável, sem que nenhum jovem seja deixado para
trás.