Os planos
de saúde ultrapassaram os serviços bancários no
ranking de temas mais julgados pela Seção de Direito Privado
do Tribunal de Justiça de São Pauloem 2017.
Os dados fazem parte do Anuário da Justiça São
Paulo 2018, publicado pela revista Consultor
Jurídico, que será lançado nesta quarta-feira, 15.
De acordo com o levantamento, a
Seção de Direito Privado julgou 25.146 processos relacionados a
planos de saúde em 2017, uma alta de 15% em relação a 2016. Na
maioria dos processos, os usuários dos planos de saúde vão à
Justiça para reclamar da recusa por parte das operadoras do
pagamento de próteses, cirurgias e altos custos para internação de
emergência. Também fazem parte dos temas reclamados os índices
de reajuste das
mensalidades, aumento de preço por faixa etária e encarecimento do
plano de saúde por sinistralidade.
Na Seção de Direito Público,
foram julgados 14.066 casos referentes a saúde em 2017,
praticamente o mesmo número de 2016 (14.111). Quase 10 mil deles
foram pedidos de medicamento. Outros julgamentos são de
pedidos de tratamento ou de ressarcimento por procedimentos que não
são oferecidos pelo SUS.
Veja tambémPara a
especialista em relações de consumo Fabiola Meira, esses números
evidenciam distorções tanto da parte das operadoras quanto do
entendimento dos consumidores. “Há operadoras que realmente não
cumprem o contrato. Por outro lado, há consumidores que acreditam
possuir coberturas que não fazem parte da contratação e acabam
judicializando a questão”, afirma a sócia-coordenadora do
departamento de Relações de Consumo do Braga Nascimento e Zilio
Advogados.
De acordo com o levantamento, o
estado de São Paulo gasta mais de 1 bilhão de reais por ano com
condenações judiciais em matéria de saúde pública. União, estados e
municípios, somados, gastam 7 bilhões de reais ao ano para cumprir
decisões judiciais, segundo o Ministério da Saúde.
A maioria das ações da área de
saúde que chega à Seção de Direito Público é julgada favoravelmente
ao usuário, segundo Luciano Santoro, doutor em direito penal e
mestre em direito das relações sociais pela PUC. Isso ocorre porque
nem sempre os magistrados possuem conhecimento técnico para avaliar
a existência de tratamentos mais baratos ou que estão na lista do
SUS e têm o mesmo efeito. Além disso, ele lembra, o direito à saúde
está previsto na Constituição Federal, e por isso os
desembargadores entendem que ele não pode ser negado.
Uma saída para reduzir a
judicialização, afirma Santoro, seria a multiplicação de programas
como o AcessaSUS, que tem o objetivo de garantir a cobertura de
medicamentos e tratamentos antes que os pedidos cheguem ao
Judiciário. Os acordos firmados em 2017 pelo Acessa SUS diminuíram
em 70% as ações que a Defensoria Pública de São Paulo costumava
propor no Judiciário. De fevereiro a junho de 2017, apenas 17% dos
pedidos que chegaram ao órgão foram judicializados.
Consumidores x planos de saúde
Para Ana Carolina Navarrete, advogada
e pesquisadora em saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (Idec), é preciso diferenciar a chamada judicialização
da saúde no SUS daquela dos planos de saúde. “O termo foi criado
para falar de como cidadãos vem cada vez mais tentando resolver
através do Poder Judiciário problemas que, no caso da saúde
pública, antes eram resolvidos exclusivamente na esfera
administrativa – ou não resolvidos de maneira nenhuma, apenas
procrastinados.”
No caso dos processos contra planos de
saúde, Navarrete afirma que a “judicialização tem sido um
forte indicativo de vazios regulatórios da ANS”. “Um estudo feito
pela Faculdade de Medicina da USP concluiu que, com exceção dos
temas “negativa de cobertura” e “reajuste por mudança de faixa
etária”, os demais eram todos relacionados a aspectos próprios da
regulamentação de planos coletivos, mais flexíveis do que a dos
individuais. A pesquisa concluiu que o fato de a ANS não interferir
em temas relacionados a reajustes e resilição de contratos
coletivos não só tem estimulado a coletivização do setor como
também está trazendo grande impacto nos conflitos judiciais.”
Por outro lado, a Associação
Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) diz que países como
Inglaterra, Alemanha, França e Canadá criaram metodologias para se
estabelecer aquilo que é justo fornecer, partindo do princípio de
que não é viável dar acesso irrestrito a tudo e a todos. “Este
cenário de judicialização da saúde não é interessante para ninguém:
sociedade, consumidores e contribuintes, já que os preços das
coberturas necessitam ser majorados, para que todos esses novos
“riscos” criados sejam cobertos; enquanto muitas pessoas não têm
acesso nem a uma assistência básica, outros cidadãos realizam
tratamentos caríssimos, até mesmo no exterior”, diz a Abramge.
A Federação Nacional de Saúde
Suplementar (FenaSaúde) critica a atuação de escritórios de
advocacia que influenciam seus clientes a buscar direitos
indevidos. “O fato de os planos de saúde liderarem as reclamações
na Seção de Direito Privado, do Tribunal de Justiça de São Paulo,
relativas a 2017, certamente tem a ver com essa influência e,
indubitavelmente, com a era da crescente judicialização que ocorre
na sociedade brasileira”, afirma a entidade em nota.
O resultado dessa judicialização,
segundo a FenaSaúde, é “a prevalência de benefícios individuais
sobre o direito coletivo do grupo de beneficiários, que acabam por
arcar, indevidamente, com esse custo adicional, que, por sua vez,
recai sobre o percentual de reajuste dos planos de saúde definido
anualmente”.