Por José Luiz Toro da
Silva
A Resolução Normativa – RN n.º 363,
de 11 de dezembro de 2014, editada pela Agência Nacional de Saúde
Suplementar – ANS, estabeleceu as regras para a celebração de
contratos escritos entre as operadoras de planos privados de
assistência à saúde e os prestadores de serviços de atenção à
saúde, determinando que esses devem estabelecer com clareza as
condições para a sua execução, expressas em cláusulas que definam
os direitos, obrigações e responsabilidades das partes,
estabelecendo as cláusulas mínimas obrigatórias que aludidos
contratos devem conter.
Foi estabelecido que a partir de 22
de dezembro de 2014, os novos contratos já deveriam observar a
citada norma, bem como que as cláusulas dos contratos escritos
celebrados anteriormente à vigência da citada resolução deveriam
ser ajustadas (adaptadas) em até doze meses, contados do início da
vigência da mencionada resolução.
Chamamos especial atenção para as
cláusulas de reajuste dos valores, deixando expresso que a Lei n.º
13.003, de 2014, que deu origem a citada resolução, assim como as
RNs n.º 364 e 365, estabeleceram a obrigatoriedade do reajuste
anual dos valores contratados, ou seja, a indexação anual
obrigatória, deixando para as partes, dentro do princípio da
autonomia da vontade, a fixação da forma de reajuste, que deve ser
aplicada anualmente na data de aniversário do contrato.
Citada norma permitiu a previsão da
livre negociação como forma de reajuste, estabelecendo que o
período de reajuste será de 90 (noventa) dias corrigidos,
improrrogáveis, contados a partir de 01 de janeiro de cada ano,
devendo o reajuste acertado ser aplicado na data de aniversário do
contrato.
Todavia, havendo a previsão da
livre negociação como forma de reajuste e as partes não chegando a
um acordo ou não realizando a negociação determinada, prevalecerá o
índice de reajuste definido pela ANS, que é o IPCA, que não
incidirá sobre órteses, próteses, materiais e medicamentos, e que
será aplicado em conjunto com o fator de qualidade, cujos critérios
foram recentemente alterados pela ANS.
Portanto, se o contrato já
estabelece, de forma clara, o índice (ou percentual de índice) de
reajuste, ou até mesmo a livre negociação, porém, com o
estabelecimento de índice de reajuste (ou percentual de índice)
alternativo caso as partes não cheguem a um acordo, não há que se
falar na aplicação do índice de reajuste e do fator de qualidade
fixado pela ANS. Nesses casos, se impõe, reitera-se, o princípio da
autonomia de vontade, devendo ser respeitado o que foi
pactuado.
A aplicação do índice da ANS (e do
seu critério de fator de qualidade) somente é aplicável em situação
de excepcionalidade, ou seja, somente quando o contrato
estabelecer, exclusivamente, a livre negociação, sem a fixação de
qualquer índice alternativo.
Cumpre trazer à colação, porém, que
a ANS, ainda recentemente, por meio da Resolução Normativa – RN n.º
436, de 3 de dezembro de 2018, estabeleceu que as partes “na
composição da remuneração e os critérios de reajuste deverão
considerar os atributos de qualidade e desempenho da assistência à
saúde, previamente discutidos e aceitos pelas partes”, devendo
aludidos atributos já ser considerados nos contratos firmados ou
renovado a partir da edição da mencionada norma.
Também alterou os percentuais de
Fator de Qualidade (115%, 110% ou 100% do IPCA), porém esses
somente serão obrigatórios naquelas situações de aplicação do
índice da ANS porque as partes estabeleceram a livre negociação
“pura” e não chegaram a um acordo ou não realizaram tais tratativas
no período de 01 de janeiro a 31 de março de cada ano. O fator de
qualidade da RN n.º 364 não se confunde com a fixação de atributos
de qualidade e desempenho previsto na RN n.º 436, que alterou o §
1º. do art. 12 da RN n.º 363.
Como bem leciona o Prof. Dr. Pedro
Gonçalves, da Universidade de Coimbra, a regulação pode ser
realizada através de lei, por norma do agente regulador ou, até
mesmo, pelo contrato, sendo que in casu tanto a Lei n.º 13.003, de
2014, como as resoluções que foram editadas pela ANS, delegaram às
partes, através do contrato, estabelecer as condições mínimas
obrigatórias para a mencionada contratualização, não fixando o
conteúdo das cláusulas, mas sim as cláusulas que devem ser
pactuadas com clareza entre as partes.
Entendemos, portanto, que a
obrigatoriedade da consideração de atributos de qualidade e
desempenho da assistência é condição que se aplica,
necessariamente, no processo negocial, não se fazendo mister, de
pronto, a inserção do conteúdo dos mencionados critérios no
contrato vigente, não obstante a sua conveniência, principalmente
se as partes ainda não chegaram a um acordo com referência a
modelos alternativos de remuneração e reajuste, ou seja, se ainda
estão se valendo da fórmula denominada
fee-for-service.
A mudança do modelo é um desejo da
sociedade, porém a norma não pode, sob pena de contrariar o
princípio da autonomia da vontade, obrigar a adoção de alguma das
formas conhecidas no mercado internacional. A ANS pode e deve
induzir comportamentos e até obrigar a discussão dos citados
atributos de qualidade e desempenho, porém não pode fixar o
conteúdo das citadas cláusulas, tendo as partes liberdade de
contratar e fixar as condições do contrato.
Recomenda-se, porém, que seja
inserido no contrato cláusula deixando expresso que as partes irão
observar em suas negociações de remuneração e reajuste os citados
atributos de qualidade e desempenho, até mesmo em face do disposto
no parágrafo único do art. 7.º. da RN n.º 436, porém sem a
necessidade do estabelecimento das citadas condições, pois muitas
vezes as partes ainda não possuem a expertise, o know how
ou a necessária confiança para o estabelecimento dos chamados
modelos alternativos de remuneração, que devem ser buscados, mas
que não podem ser impostos pelo órgão regulador.
O prazo de adaptação dos contratos
firmados anteriormente a edição da RN n.º 363, já expirou em 22 de
dezembro de 2015, bem como os contratos firmados a partir de 22 de
dezembro de 2014 já deveriam observar os requisitos das RNs. 363 e
364, constatando-se, ainda hoje, que muitas operadoras ainda não
concluíram o seu processo de adaptação e/ou adequação, pois muitos
de seus contratos ainda não preenchem todos os requisitos das
citadas normas, constatando o órgão regulador que, muitas vezes,
mesmo naqueles que foram adaptados ou redigidos após a vigência das
citadas normas, diversas cláusulas e condições não são claras e/ou
estão em desconformidade com os princípios estabelecidos nos
normativos e/ou na Lei n.º 9.656, de 1998, principalmente com
referência a: a) remuneração de materiais e medicamentos de uso
hospitalar; b) remuneração por pacotes; c) dificuldades de
negociação contratual; d) glosas sobre o faturamento apresentado;
e) não pagamento da remuneração devida pelo procedimento; f)
aplicação irregular ou não aplicação do reajuste previsto no
contrato ou determinado pela ANS; g) falta de clareza com
referência a rescisão contratual; i) discussão sobre as OPMEs., h)
outras questões que não ficaram claras nos contratos firmados.
Essa falta de precisão ou clareza
afeta o relacionamento entre as partes, podendo resultar em sérios
prejuízos aos beneficiários e a aplicação de sanções pela ANS às
operadoras de planos privados de assistência à saúde.
Por tais razões, urge que as
operadoras revejam e discutam os seus contratos de credenciamento,
principalmente em face das mudanças que estão ocorrendo no mercado
e de novas exigências das legislações dos planos de saúde, do
compartilhamento de dados, dos modelos de remuneração e custeio,
sem contar com novos modelos de contratação que surgiram (ou estão
surgindo) no mercado e a necessidade da adoção de mecanismos de
gerenciamento de riscos, governança corporativa e
compliance, que estarão sujeitos a requisitos de
certificação e acreditação definidos ou a ser definidos pela
ANS.
Rever e repensar os contratos de
credenciamento é uma condição fundamental, não somente para evitar
as penalidades das ANS, que são elevadas, mas também para inserir
os contratos dentro dos novos mecanismos de governança, gestão de
riscos, controle e aperfeiçoamento das operadoras de planos
privados de assistência à saúde.
José Luiz Toro da
Silva, advogado. Mestre e Doutor em Direito.
Consultor jurídico da UNIDAS (União Nacional das Instituições de
Autogestão em Saúde)