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Lei dos Planos de Saúde completa 21 anos e exige reflexões sobre sua sustentabilidade

Fonte: Conjur Data: 07 agosto 2019 Nenhum comentário

Importante marco para a regulação da saúde suplementar, a Lei 9.656/1998, conhecida como “Lei dos Planos de Saúde”, completou 21 anos em junho e exige diferentes reflexões por parte de toda cadeia: reguladores, gestores, tomadores de decisão, beneficiários, Poder Judiciário e demais agentes envolvidos no setor. Entender, reconhecer e refletir suas especificidades é fundamental para pensar ferramentas necessárias para garantir a sua perenidade. Antes, portanto, faz-se necessário um breve panorama.

Nos anos 1920 houve a implementação das primeiras caixas de aposentadoria e pensões aos funcionários ferroviários e a criação dos Ministérios da Saúde e Educação. Nos anos 1960 as empresas passaram a empregar recursos próprios e de seus colaboradores para o financiamento da assistência em saúde, dando nascimento às primeiras medicinas de grupo e cooperativas médicas, que comercializavam planos por rede própria ou credenciada.

O setor é caracterizado pela atuação de empresas de medicina de grupo e odontologias, cooperativas médicas e odontológicas, entidades de autogestão, filantropias, administradoras de benefícios e seguradoras especializadas em saúde, estas criadas em 2001 para oferecer reembolso, rede referenciada e vedadas de possuir rede própria.

Denominadas operadoras de planos de saúde, essas empresas surgiram das dificuldades encontradas pela saúde pública em cobrir as demandas e de novas empresas nacionais e multinacionais que se instalavam no Brasil e buscavam modos de se assegurar atendimento médico de qualidade aos profissionais.

É nesse contexto que médicos começaram a se organizar em grupos e formaram o conceito das cooperativas com contratos individuais, familiares e coletivos; a modalidade de autogestão, em que — como o próprio nome diz — as próprias empresas criavam planos exclusivos mediante o credenciamento de médicos, hospitais, demais profissionais e serviços de saúde para a prestação da assistência aos seus colaboradores. Criou-se também o modelo de seguro saúde, semelhante ao que ocorre no mercado de seguros em geral, em que se pagava uma quantia, denominada prêmio, e a empresa arcava com os custos financeiros dos tratamentos.

Se para o setor de seguros havia o Decreto-Lei 73, de 1966, que estabeleceu suas regras de funcionamento, os demais modelos eram ainda carentes de regulamentação específica. Embora os contratos ditassem suas próprias regras para o conjunto de procedimentos, cobertura e outras características, a falta de legislação específica deixava contratantes e contratados em evidente risco e insegurança jurídicos.

Claro que a Constituição Federal de 1988 garantiu, além do direito à saúde de todos os brasileiros por meio das atribuições do Estado, a oferta de serviços de saúde privada também sob a regulação da União. No entanto, a definição de regras só viria 10 anos mais tarde, com a promulgação da Lei 9.656, em 1998.

Nesse período, a insegurança jurídica resultava do fato de que quem contratava um plano de saúde não tinha uma legislação específica para se proteger — sendo notável a quantidade de ações nos Procons, sobretudo após a edição do Código de Defesa do Consumidor, em 1990. A promulgação da Lei dos Planos de Saúde, portanto, buscou trazer garantias para contratados e contratantes, mas trouxe novas incertezas e assimetrias em toda a cadeia.

E já se inicia controversa com a distinção entre os planos antigos e os novos, firmados a partir de 1º de janeiro de 1999, em diferentes perspectivas, como a do rol de procedimentos, que viria a ser estipulado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), criada no ano 2000. Diferentes regras estabelecidas pelo órgão regulador, como as de reajuste, não são aplicáveis aos planos antigos.

Outras questões são de grande importância para entendermos o segmento e refletirmos com celeridade sobre seu futuro e sustentabilidade. Um deles é, certamente, o mutualismo, preceito que o sustenta sob uma base coletiva. Nesse conceito — que tem como princípio a solidariedade de diferentes pessoas com o mesmo interesse (assistência médica) que contribuem para um fundo comum administrado pelas operadoras de planos. Logo, a contraprestação pecuniária — a mensalidade paga por empresas ou indivíduos — fica em um fundo comum e é utilizada para garantir a assistência.

A diluição dos riscos e valores entre as faixas etárias permite o pagamento de uma mensalidade mais acessível a todos, já que possibilita que indivíduos com menor taxa de utilização contribuam com beneficiários que necessitam realizar mais procedimentos — o denominado Pacto Intergeracional. Ele determina que pessoas mais jovens, em tese mais saudáveis, paguem um pouco a mais do que seria indicado para o seu perfil de utilização da assistência, para que os mais idosos possam pagar um pouco menos. Isso acontece porque, com a idade avançada, aumenta-se a incidência de diferentes doenças e necessidade de maior uso dos serviços, gerando um gasto maior. A legislação, portanto, divide grupos de beneficiários por faixa etária e, com base no Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), não permite reajustes que sirvam de instrumento discriminatório do idoso em razão da idade, impondo critérios de aplicação dos reajustes de forma proporcional entre as faixas etárias.

Administrando esses recursos, a operadora garante a realização dos procedimentos e remunera toda a cadeia de saúde, como prestadores de serviços e fornecedores de materiais médicos. Contudo, o sistema de mutualismo é ameaçado pelo elevado grau de judicialização da saúde. Vale lembrar que recente pesquisa realizada pelo Insper a pedido do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostrou que a judicialização da saúde cresceu 130% nos 10 anos compreendidos entre 2008 e 2017 enquanto o volume total de ações no país avançou 50% no mesmo período.

O mesmo levantamento indicou que, mesmo após mais de duas décadas da regulamentação do setor, a Justiça ainda tende a beneficiar somente o indivíduo, mesmo desconsiderando os contratos firmados — o que impacta diretamente na sustentabilidade econômico-financeira do segmento. Ou seja, o interesse do indivíduo, muitas vezes, é colocado acima do bem-estar coletivo.

Ao longo destas mais de duas décadas, ficou claro que um dos problemas é exatamente a assimetria de informações e dados — que está em diferentes aspectos do setor. Ela vai desde a falta de transparência nas relações ou na fiscalização dos agentes da cadeia por parte do órgão regulador — já que a lei dispõe que a Agência deve fiscalizar e impor as devidas sanções tão apenas às operadoras — até a falta de precificação adequadas para diferentes produtos, entre vários outros aspectos. O resultado já é mais do que conhecido: aproximadamente 19% dos gastos assistenciais da saúde suplementar no país são consumidos por desperdícios e fraudes (foram quase R$ 28 bilhões só em 2017, segundo projeção do IESS – Instituto de Estudos de Saúde Suplementar).

Claro que a criação da Lei 9.656/98 foi primordial para a estruturação e desenvolvimento da saúde suplementar brasileira. Seu impacto deve, sim, ser celebrado e reconhecido. Não se deve, contudo, perder de vista que esses 21 anos deram mais clareza sobre os desafios do segmento e a necessidade urgente de revisão e atualização do marco regulatório.

O nosso objetivo e agenda não poderiam ser outros: estimular o debate, fomentar a criação de mecanismos, políticas e instrumentos para a melhoria do segmento, ampliar a transparência para avançar em qualidade e competitividade, buscar mudanças de mentalidade e perfil dos diversos envolvidos na cadeia.

 

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