Vítima do Covid-19, estive fora do ar por quatro semanas. Passei pelas agruras e incertezas dessa doença. Agora, de alta média, mas ainda em fase de recuperação, me vejo no dever de falar, na condição de empresário e doente, dos dois lados da polemica questão: o da saúde e do impacto econômico.
Tenho 52 anos e faço parte de um grupo de risco. Há 11 anos, tenho uma doença pulmonar crônica e, no ano passado, retirei parte da pleura e um dos pulmões. O coronavírus me atacou impiedosamente com uma pneumonia seguida de alto risco de trombose, além de afetar minha estrutura emocional diante de tanto sofrimento e pouco alento.
A cabeça explode, uma prostração é devastadora e até a pele arde sem dar trégua. Meu corpo se rendia à febre, à tosse e às dor de quebrar uma alma. Perdi completamente a noção de tempo e confesso que, a certa altura, oprimido por um desânimo abissal e distante da minha família, me convenci de que iria para um respirador para, na sequência, virar uma estatística.
Nesse momento só fez diferença a forma dedicada e humana com o qual os profissionais da saúde incansavelmente cuidavam de mim. Gente como a gente. A todos, a minha total e eterna gratidão e reverência. Tudo o mais virou resto desprezível a ser evaporado pelo tempo e pela vida, a começar pela vaidade.
Acompanhei com estupefação algumas declarações públicas de pessoas em tese inteligentes, evocando razões de ordem ideológica, pessoal, econômica e estatística, para relativizar a importância do isolamento como forma de combate à pandemia da Covid-19. Aliás, enquanto eu me encontrava completamente debilitado no hospital, de nada valeram aquelas centenas de mensagens, entrevistas, “lives”, teses e eloquentes debates médicos, alguns recheados de vaidade. Preferi dar créditos apenas aos profissionais da saúde que estavam na linha de frente lutando pela vida. Sem prejuízo da ciência médica. Aliás, muito pelo contrário: não fosse ela, não estaria aqui escrevendo este texto.
O ápice do absurdo foi ver teses médicas sobre a Covid-19 oriundas de banqueiros, empresários e celebridades que aparentemente não entendem absolutamente nada de medicina. E falavam da estatística sobre a morte – dos outros, é claro – com o aparente domínio de uma matemática sinistra.
A tranquilidade deles dura até que corram risco de virar estatística. Aí tudo muda. Outras “lives” ensinavam “como sair da crise”, como se dicas financeiras e empresariais pudessem atingir 75% da população que nem plano de saúde têm. Na política de utilização de hidroxicloroquina, inventaram uma nova espécie de ciência: a medicina política, onde vale tudo, até mesmo, se for o caso, a participação de médicos. É tragicômico. Enquanto isso, na vida real, o número de vítimas do novo coronavírus cresce, em média, 20% ao dia. Que país é este?
O Estado deve canalizar recursos compensatórios para evitar o pior, com clareza e responsabilidade, inclusive com a ajuda dos setores mais abastados e intelectualizados da sociedade. Não podemos deixar de enfrentar a dura realidade das diferenças sociais brasileiras. Pelo contrário, é uma oportunidade para pensar como cuidar de todos os brasileiros indistintamente, ricos e pobres. Com políticas públicas eficazes e solidariedade social, o pior pode ficar para trás. Todos os brasileiros, sem exceção, tem direito a um futuro, e não apenas alguns. É um falso dilema escolher entre economia pública e economia. O sucesso da segunda depende da primeira e mais do que nunca é hora de ouvir a ciência para salvar pessoas.
A dor e o sofrimento são absolutos. Nós – governo, empresários e sociedade – não temos o direito de escrever uma crônica de mortes anunciadas (sempre a de terceiros; nunca a nossa, é claro). Na vida, entre outros aspectos, importam a saúde e o emprego. O equilíbrio entre os dois não pode ser determinado por disputas pessoais, políticas, ideológicas ou eleitorais que, ao custo da desgraça alheia, se sobreponham a vida. O momento é de união, e não de confronto, em torno dos necessitados econômicos e de saúde – e não de uns ou de outros. A vida é maior que a política, a economia e a vaidade pessoal. A vida é maior que tudo. A questão não é mais só de saúde e de economia: é também moral.