Por José Luiz Toro da Silva, advogado, mestre e doutor em Direito, consultor Jurídico da UNIDAS – União Nacional das Instituições de Autogestão.
O artigo fala sobre a necessidade do devido equilíbrio nas regras para Planos de Saúde na pandemia.
O Plenário do Senado Federal aprovou no dia 20 p.p. o substitutivo do Projeto de Lei n. 2.113, de 2020, de iniciativa da Senadora Mara Gabrilli, sendo que além de deixar assegurado que o “o seguro de assistência médica ou hospitalar, bem como o seguro de vida ou invalidez permanente, inclusive o já celebrado, não poderá conter restrição de cobertura a qualquer doença ou lesão decorrente da emergência de saúde pública” decorrente do COVID-19, proibindo qualquer aumento do preço do prêmio pago pelo segurado (não obstante os estudos atuariais que foram utilizados para o estabelecimento do preço) e fixando o prazo de 10 dias corridos para o pagamento da indenização. Resolveu também, proibir que as operadoras de planos privados de assistência à saúde suspendam ou cancelem contratos por falta de pagamento durante a emergência de saúde pública relacionada à pandemia.
Ora, são evidentes os impactos sem precedentes decorrentes da pandemia, que está devastando a economia de todo o mundo, porém, aludida decisão acaba estabelecendo uma verdadeira moratória, cujos efeitos também são desastrosos, pois não leva em consideração situações particulares e pode beneficiar oportunistas de plantão, resultando em uma verdadeira quebra da confiança.
É inegável que devemos fazer algo para proteger aqueles que, realmente, estão sofrendo os efeitos da mencionada crise, porém, com a devida ponderação, preservando, na medida da necessidade, o princípio da força obrigatória dos contratos, a segurança jurídica e a boa-fé.
Inicialmente, verifica-se que aludida proposta legislativa não faz qualquer distinção entre planos individuais/familiares e planos coletivos empresariais ou coletivos por adesão, também não reconhece que os contratos de planos privados de assistência à saúde se caracterizam pelo mutualismo, ou seja, pela socialização dos riscos, que é a união de esforços entre as partes para a constituição de um fundo comum que será utilizado, justamente, nos momentos de necessidade.
Igualmente, não distingue as operadoras com finalidade lucrativa, daquelas que não possuem tal desiderato, como por exemplo as autogestões e entidades filantrópicas, nem mesmo se aludida suspensão ou cancelamento é derivada de dívida constituída antes ou durante o período da pandemia.
Tais omissões, não obstante os elevados propósitos visados, podem acarretar mais problemas do que benefícios, em um setor que é de suma importância neste momento, onde responde pela atenção à saúde de mais de 47 milhões de brasileiros, deixando expresso que a conta será paga pelos próprios beneficiários, em face do aumento da sinistralidade nos próximos meses, sem a devida contrapartida, com sérios riscos de paralisação de algumas operadoras.
Reitera-se que o Estado deve proteger aqueles que estão perdendo seus empregos ou tendo seus negócios fechados em decorrência da crise. Porém, estimular uma moratória pura e simples, sem levar em consideração as especificidades acima, prestigiando, até mesmo comportamentos oportunistas, poderá custar caro para a sociedade como um todo.
O ideal seria aprovar aludido benefício nos citados contratos de trato sucessivo prestigiando os princípios da força obrigatória, da boa-fé objetiva, da cooperação e da preservação dos contratos, tratando desigualmente os desiguais, reforçando o dever de confiança e coibindo comportamentos contraditórios.
Portanto, entendemos que se faz mister os seguintes reparos no mencionado PL:
a) Somente será afastada a suspensão e/ou cancelamento previstos contratualmente se o devedor, pessoa física ou jurídica, provar as circunstâncias impeditivas ou extraordinariamente onerosas; aludida comprovação poderá ser realizada por todos os meios de prova previstos e admitidos pelo direito, dentro de critérios de boa-fé;
b) Aludido benefício não será aplicado às situações de mora ou inadimplemento iniciadas antes do período de enfrentamento da pandemia;
c) As partes deverão iniciar um processo de renegociação, que poderá de ser de iniciativa do devedor ou do credor;
d) Deverão ser utilizadas todas as formas de mediação e conciliação legalmente previstas, em todos os órgãos públicos e privados com a participação de profissionais habilitados;
e) Terminado o período de emergência de saúde pública, todas as obrigações contratuais serão restabelecidas integralmente;
f) O exercício abusivo do direito previsto na letra “a” acima sujeitará o devedor, pessoa física ou jurídica, à responsabilidade civil por perdas e danos, sem prejuízo da aplicação de outras penalidades previstas contratualmente;
g) A mencionada restrição não se aplica às entidades de autogestão e filantropia, pois não possuem finalidade lucrativa, devendo, porém, iniciar processo de renegociação com os devedores, somente procedendo a suspensão e/ou cancelamento após a realização de tentativa de mediação e/ou conciliação.
Portanto, nos utilizando, em parte, de algumas sugestões que foram apresentadas pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, por ocasião da discussão do PL 1179, de 2020, se faz mister que a Câmara dos Deputados aperfeiçoe a proposta aprovada no Senado, a fim de restabelecer o devido equilíbrio contratual que deve existir no mencionado setor dos planos privados de assistência à saúde, reconhecendo algumas especificidades existentes e desprestigiando eventuais oportunismos, pois os aproveitadores não estão em “isolamento”.