País ganha pelo menos três meses de rapidez entre a pesquisa e a aprovação de novos medicamentos para o mercado. Setor aplaude decisão da Anvisa, mas já se prepara para novas batalhas para agilizar ainda mais os resultados
Os estudos clínicos devem ficar pelo menos três meses mais rápidos no Brasil e isso irá beneficiar diretamente a capacidade do País de desenvolver e comercializar novos medicamentos. A mudança é fruto de decisão recente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de agilizar análises em pesquisas que já tenham sido aprovadas previamente em órgãos reconhecidos como o americano Food and Drug Administration (FDA) e a European Medicines Agency. Antes da decisão o processo da entidade demorava cerca de seis meses.
A medida foi aplaudida pelo setor e pesquisadores. “O principal ganho nesse momento não é em termos de tempo, o importante é que a Anvisa deu o primeiro passo e mostrou para o mercado que está decidida a mudar a lentidão que existia”, comenta o diretor da Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisas Clínicas (Abracro), Charles Schmidt.
Para ele, ainda existem processos a serem melhorados no sistema que inclui o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), que ainda contam com morosidade, falta de recursos e duplicidade de atribuições. “A associação e outros representantes do setor irão reforçar o trabalho para mostrar que existe necessidade de descentralizar e melhorar os processos eletrônicos adotados recentemente que ainda apresentam falhas”, diz, referindo-se à Plataforma Brasil, um sistema digital para cadastro e envio de estudos que começou a funcionar no começo de 2012.
Esse será o próximo passo do setor na tentativa de melhorar a posição do Brasil no mercado internacional de estudos clínicos. “Não queremos fragilizar o conteúdo ético das decisões desses órgãos, queremos apenas melhorar estrutura e processos”, adianta o presidente executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Antônio Britto.
A entidade também aplaudiu a decisão da Anvisa de agilizar as aprovações de estudos e chegou a mandar oficialmente os parabéns para a agência. O entusiasmo da Interfarma, mesmo com o pouco desperdício de tempo eliminado, é explicado pelas oportunidades futuras que as pesquisas ganharam e pelo sinal claro que o Brasil decidiu avançar na rapidez.
A entidade participa a pelo menos três anos de reuniões para tomar medidas que agilizem os estudos clínicos. A nova decisão da Anvisa de aceitar os processos de aprovação internacionais e evitar que as pesquisas tenham um recomeço do zero no Brasil foi considerada um sinal de entendimento e força do setor. “O País estava perdendo oportunidades futuras de mercado consumindo pelo menos o dobro do tempo de outros países para as aprovações”, comenta Britto.
A expectativa do setor é que a medida adotada inicie um efeito cascata e beneficie todos os envolvidos nas pesquisas. “Não temos importância somente pelo mercado consumidor, mas também temos excelentes pesquisadores e perfil genético e demográfico que são muito ricos para a realização de estudos clínicos”, enfatiza Brito. Segundo ele, estudiosos, voluntários das pesquisas e consumidores devem ser os principais beneficiados.
Atualmente no Brasil, 80% dos estudos de pesquisa clínica para desenvolvimento de novos medicamentos são conduzidos por empresas multinacionais. O perfil de pesquisa clínica de medicamentos no País, divulgado pela Anvisa em setembro de 2011, aponta que a agência autoriza a realização, em média, de 200 estudos clínicos por ano. No período entre 2003 e 2010, 80% dos pedidos foram autorizados.
As atividades de pesquisa clínica, no Brasil, estão concentradas em estudos da fase III. São aqueles realizados em grandes e variados grupos de pacientes com o objetivo de determinar o resultado em termos de risco e benefício das formulações do princípio ativo a curto e longo prazo. Cerca de 60% estão nesta categoria.
As pesquisas atuam de forma decisiva no desenvolvimento de nações, trazendo benefícios diretos e indiretos. O País também se beneficia de investimentos feitos em pesquisadores e no mercado consumidor, trazendo divisas não só para a produção, mas também para a comercialização, aberturas de vagas e divulgação.
O fenômeno da globalização das economias tem pressionado os órgãos regulamentares de vários países a seguir padrões internacionais de rapidez e qualidade nos estudos e liberação de resultados. Mas os sistemas de saúde complexos e desenvolvidos de forma independente por vários países ainda não adotaram por completo essa tendência internacional.
O setor envolvido com pesquisas no Brasil espera que a partir da decisão da Anvisa outras mudanças comecem a surgir no horizonte. “Hoje os conselhos de ética chegam a interferir na logística dos estudos e isso é uma decisão do pesquisador, baseada em todo seu conhecimento”, aponta o pesquisador e autor de livros sobre estudos clínicos, Daniel Rossi. Para ele, a decisão da Anvisa foi um passo adiante para resolver o cenário de morosidade que impedia o avanço das pesquisas no Brasil. “O desafio agora é trazer o mesmo avanço para as decisões sobre ética”, diz.