O risco de um aborto clandestino e sem acompanhamento médico é uma das principais causas que levou o CFM (Conselho Federal de Medicina) a decidir apoiar a interrupção de gravidez até a 12ª semana de gestação. Segundo o presidente do conselho, Roberto Luiz d'Ávila, o aborto é a quinta causa de mortalidade materna.
Nesta quinta-feira (21), o CFM se posicionou a favor do aborto em quatro casos e vai enviar uma proposta de alteração na legislação brasileira explicando seus motivos para o Congresso Nacional. A discussão faz parte das mudanças no Código Penal. Hoje o aborto é considerado crime.
Para o CFM, o aborto deveria deixar de ser crime quando houver risco à vida ou à saúde da gestante; se a gravidez resultar de violação da dignidade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida; se for comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida independente, em ambos os casos atestado por dois médicos; e se por vontade da gestante até a 12ª semana da gestação.
— Nós não somos a favor do aborto, vamos continuar defendendo sempre a vida, que é bem maior e supremo. Mas o aborto é a quinta causa de mortalidade materna. As mulher que não têm condição e fazem o aborto clandestino, as pobres, muitas vezes negras, excluídas socialmente, são aquelas que acabam perdendo o útero, perdendo as capacidades reprodutivas e muitas vezes, a vida. São aquelas que fazem o procedimento em lugares sem limpeza e esterilização necessária, acabam com o útero perfurado, entre outra coisas.
d'Ávila lembrou ainda casos em que a mulher toma remédios clandestinos para perder o bebê e acaba tendo sangramentos que a levam à morte ou à cirurgias emergenciais em hospitais para retirar restos embrionários.
A falta de segurança no procedimento, por ele ser ilegal, é o grande problema, na opinião do presidente do CFM. Segundo ele, as mulheres que têm condições financeiras de pagar um médico, mesmo que isso seja ilegal, não sofrem consequências físicas.
— Não podemos fingir que não está acontecendo nada. As mulheres decidem interromper a gravidez hoje, decidiram ontem e vão decidir sempre. Enquanto os que podem pagar estiverem protegidos e fazendo esse aborto com segurança - e são as filhas de juízes, médicos e advogados muitas vezes -, ninguém vai se preocupar com aquelas que são de cor negra, pobres e não podem fazer essa interrupção da gravidez com segurança.
Autonomia
O princípio que o CFM defende é de autonomia da mulher para decidir se quer ou não levar a gravidez até o fim. Este princípio tem sido defendido em diversos casos, como nos de pacientes com doenças crônicas que estão em fase terminal e que não querem ser entubados, levados para uma UTI e ligados a aparelhos.
Para o CFM, o paciente tem o direito de decidir se quer morrer em casa, por exemplo, e essa autonomia do paciente deve ser estendida a mulheres grávidas.
— O aborto é proibido por lei e vamos continuar punindo os os médicos que fazem. O que nós fizemos foi dizer que respeitamos e opinamos respeitando a autonomia da mulher, defendendo este ponto de vista e estimulando este debate na sociedade.
Os médicos decidiram por maioria. Votaram os 27 CRMs (Conselhos Regionais de Medicina) dos Estados e 80% deles concordou com o os quatro casos de aborto.
Segundo d'Ávila, o terceiro mês seria o limite porque é o prazo de formação do feto. A partir do quarto mês ou depois da 12ª semana, o risco para bebê e mãe são maiores.
— Além disso, muitos geneticistas e especialistas entendem que é depois do terceiro mês que o sistema nervoso central do embrião vai se formar. Eles entendem que este prazo é o limite em termos de funcionamento completo do feto. A partir de então, o feto poderia ter todas as sensações e sentimentos, teria a possibilidade de neurologicamente ser atingido e perceber essa violência.
Mudança na lei
A proposta do CFM faz parte de uma discussão do Congresso Nacional sobre mudanças no código penal. Uma comissão foi formada e os médicos estão se posicionando sobre quando não deveria ser crime o aborto.
Hoje, a legislação brasileira só permite a interrupção da gravidez para fetos anencéfalos (má formação que impede a vida do bebê antes ou depois de nascer), mulheres que correm risco de vida caso a gravidez continue e em casos de violência sexual.
A mulher que faz um aborto pode responder criminalmente e o médico pode ter o registro que o permite exercer a medicina cassado.