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“ANS só tenta apagar incêndio” diz professor Mário Scheffer

Fonte: Saúde web Data: 28 maio 2013 Nenhum comentário

Em entrevista à revista FH, o professor e pesquisador da USP Mário Scheffer avalia a atuação da ANS,o crescimento do saúde suplementar e os investimentos em campanhas políticas realizados por empresas de planos privados

Para o professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, Mário César Scheffer, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é permissiva em sua atuação na regulação, mas, por outro lado, sem sua existência “seria terra de ninguém”. Em entrevista à revista FH, o professor analisa o segmento privado de saúde brasileiro e comenta os rumores sobre um possível pacote de incentivos do governo.

FH: Qual é a real proposta deste pacote de financiamento da saúde, que foi noticiado nos últimos meses pela imprensa?

Scheffer: Tem surgido na mídia e o que me parece e tem chegado a mim é sobre o COFINS e outros tributos que desonerariam os negócios dos planos em geral, inclusive, para os prestadores. Porque hoje se tem um grande problema na saúde suplementar: o esgotamento, pois eles venderam mais planos do que a capacidade instalada de entrega. Existe nas intenções, entrevistas e nas declarações dos donos das empresas dos planos de saúde a recente reconfiguração desse mercado. Tem a novidade da entrada do capital estrangeiro no setor com a compra da Amil pela UnitedHealth, a existência de grandes administradoras e corretoras como a Qualicorp, essas são novidades que tem se materializado na intenção de ampliar esse mercado. Então, se tem oferecido ao governo essa possibilidade de ampliar planos de saúde e falam até em duplicar para metade da população coberta. Mas são os planos que já dominam uma parte grande do mercado, que são, absolutamente, medíocres na cobertura, de qualidade muito ruim, são planos de baixo custo, planos baratos. Isso é a origem da crise da saúde suplementar, inclusive que a ANS permitiu- acho importante falar da omissão do órgão regulador-, porque ela vem agora tentar apagar incêndio e estipular medidas, criando prazos para atendimento, consulta e exame, simulando uma regulação. Na verdade, a agência permitiu a entrada de planos que não tem capacidade. Hoje há planos de R$100, R$150, então alguma coisa está errada. Há um crescimento artificial e perigoso desse mercado e o governo pode se encantar com o potencial de oferecer planos baratos- até por conta do subfinanciamento e das dificuldades do SUS que também criou em grande parte da população o desejo de ter plano de saúde, pois ela não encontra no SUS aquilo que tem direito. Isso pode ‘casar’, o governo pode ter visto a possibilidade de agradar essa parcela da população que, na verdade, está sendo enganada. Estamos assistindo, mas de fato, não temos elementos assim tão concretos, e à medida que isso vem à tona, critico.

FH: Na sua avaliação, qual é a contribuição da ANS?

Scheffer: Desde a regulação em 1998, que dois anos depois criou a ANS, as coisas melhoraram. Estamos falando de um mercado que antes não tinha regulação alguma, portanto, as ações que a existência da ANS permitiu não foram poucas. Minimamente, hoje, se tem critérios para entrada e saída das empresas do setor, definição mínima de cobertura e parâmetros importantes de regulação, antes, esse mercado era totalmente desregulado, era ‘terra de ninguém’, um caos. Muita coisa foi feita, mas o que me parece é que ela (a agência) é ineficaz em vários aspectos, pois fiscaliza pouco e o resultado de sua fiscalização e poder de política não se materializa por diversos motivos e em vários aspectos da regulação e por conta contaminação da ANS pelos interesses de mercado. Ela não é rigorosa e não tem a extensão, acho que é muito permissiva para a prática, porque esse é um mercado muito dinâmico- ele enxerga muito claramente as brechas da regulação e vai avançando. E neste ponto me parece que a ANS, a regulação e o papel dela são incompletos.

FH: Você pode exemplificar?

Scheffer: Ela permite, por exemplo, a entrada de produtos que está na “cara” que não vão oferecer o mínimo que se espera. Ela não regulou os contratos coletivos adequadamente, hoje se tem uma epidemia de planos que chamamos de falsos coletivos, a partir de duas ou três vidas, basta ter um CNPJ. Esses contratos fogem da regulação, esses coletivos com menos de 30 pessoas, por exemplo,viraram uma epidemia. A ANS tenta correr atrás, mas em meu ponto de vista já tomou lastro, algo que cresceu assustadoramente, pois são contratos que vale o acordo entre as partes e tem se revelado uma arapuca para esses vários planos coletivos. Esse é só um exemplo, mas tem vários outros em que a ANS foi permitindo e fazendo vistas grossas. A questão do ressarcimento ao SUS é um escândalo, porque a lei previa isso e a ANS não consegue processar e cobrar, então o SUS não vê a cor do dinheiro que lhe é devido por conta das inúmeras exclusões de cobertura.

FH: Um estudo comandado por você e pela professora Lygia Bahia, mostra que, em 2010, 48 operadoras deram R$ 11,8 milhões para campanhas políticas. Fale mais sobre essa pesquisa?

Scheffer: Temos estudados a relação entre o público e o privado na saúde. Uma das formas desta relação é o financiamento de campanhas por empresas de plano de saúde. Fizemos em três campanhas: 2002, 2006 e 2010 e no final de 2014 vamos tentar fazer de novo. É um estudo, obviamente, parte de contribuições formais e legais, ele pega a ponta do iceberg, porque infelizmente ainda o financiamento privado de campanha no Brasil tem a característica de ser o financiamento escondido, existe caixa dois, recursos não contabilizados. Então, conseguimos fazer a partir de doações formais e oficiais registradas no Tribunal Superior Eleitoral. Identificamos desde a eleição de 2002, um crescimento importante no financiamento de planos para campanhas.

FH: E qual a conclusão?

Scheffer: Chegamos à conclusão que existe um lobby importante nesse segmento a ponto dele contar com uma bancada de parlamentares. É um setor que está interessado em exercer influência sobre os seus negócios e os rumos do sistema de saúde e é um setor que tem esse poder. E quais são os interesses? São inúmeros. Isso é absolutamente legítimo porque é um financiamento legal, mas todos os setores privados que financiam campanhas têm algum interesse em retribuições. Isso tem a ver com a aprovação de lei que beneficiam e a não aprovação de leis que podem atrapalhar os negócios. Toda essa dependência e intenção desse setor de se beneficiar de recursos públicos, isso nos parece que é o que move essa proximidade desse segmento com campanhas e candidaturas. Isso está muito nítido.

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