Projeto implantado nos setores de enfermagem estimula adoção de tecnologia e gera ganhos de produtividade
Uma das principais inovações em sistemas de Saúde demonstrados durante o Universo Totvs, principal evento da empresa realizado em São Paulo na semana passada, vem de um dos maiores centros de excelência da área no Brasil, o Hospital Israelita Albert Einstein. Trata-se do uso da tecnologia de reconhecimento de voz para o preenchimento de prontuários eletrônicos pela equipe de enfermagem sem necessidade de digitação.
“Entendemos que há alguns desafios para um prontuário eletrônico de qualidade dentro de um hospital ou uma operadora”, disse Luciano Oliveira, gestor de inovação em Saúde da Totvs, durante o evento. “No uso da ferramenta pelo médico, enfermeira e corpo clínico, a entrada de dados nos sistemas acaba sendo manuscrita e depois transcrita, o que diminui a qualidade da informação para tomada de decisões assertivas. Estas são motivações para discutir novas interfaces de sistemas para agilizar oinput de informações e o processo clínico.”
“A chefe de enfermagem me disse: ‘Quer me ajudar de verdade, arranje alguma coisa que transcreva voz pra dentro do prontuário’”, contou Ricardo Santoro, CIO do Einstein, que considerou a tecnologia imatura quando foi sugerida. Mas o contato com a startup americana Nuance em um evento nos EUA, que já trabalhava com identificação de palavras na língua portuguesa, tornou o projeto mais palpável.
A tecnologia inicial era pensada para a transcrição de laudos na radiologia, que possui um vocabulário bastante específico. Há cerca de dois anos, explica Santoro, o Einstein e a Nuance trabalham em uma versão piloto adaptada para a enfermagem. Ali, o foco inicial era, além de reduzir o tempo necessário para preenchimento dos prontuários, diminuir o número de erros de português, considerado alto.
No piloto – feito para saber se haveria retorno do investimento feito – foi verificado que 5% do tempo gasto para inserir dados poderiam ser economizado. Traduzindo: R$ 1,2 milhões de economia anual. A implantação definitiva começou em fevereiro e deve se estender até abril.
Claro que o desenvolvimento registrou desafios. “Originalmente o servidor ficaria na nuvem e cada estação de trabalho teria um cliente de conversão de voz em texto, buscando palavras que não conhecesse no servidor”, conta Santoro. Foi preciso abandonar a ideia e partir para o servidor local, pois a velocidade de resposta da aplicação era muito lenta.
Outra questão: o projeto piloto registrou um índice de conversão superior a 90%, ou seja, em cada 10 palavras uma não era reconhecida. Parece pouco, mas é um problema que reduz a produtividade. Para o CIO, o vocabulário da radiologia era o problema, uma vez que o léxico da enfermagem é muito próprio, e foi preciso desenvolver um vocabulário específico e novo.
“Houve um trabalho de adaptação de vocabulário, com extração de dados de prontuários antigos e inserção na base. Na nuvem não funcionou, porque o novo vocabulário ficou lento”, explicou. Além disso, o sexo dos enfermeiros também foi um problema na assertividade por conta dos timbres diferentes, demandando o desenvolvimento de outra solução.
Questões técnicas também apareceram: microfones comuns não funcionaram a contento no Einstein, embora tivessem sido suficientes em estúdio. Problema: as ilhas de enfermagem, que ficam no centro das alas do hospital, são muito barulhentas, o que causava a captação de ruídos e gerando problemas na conversão. Solução: adoção de um microfone profissional, menos sensível ao barulho ambiente e maior índice de assertividade.
Próximos passos
Segundo Santoro, o Einstein, a Totvs e a Nuance trabalham no rollout da solução para todas as dez ilhas de enfermagem da unidade principal do Einstein, no Morumbi. A ferramenta possui recursos de self learning, ou seja, cresce conforme uso. O índice de assertividade, que já subiu para 93%, deve alcançar 97%, espera o CIO.
De qualquer forma os bons resultados já são sentidos: os membros da enfermagem que usam a solução estão produzindo relatórios de evolução dos pacientes “mais estruturados, completos e organizados. Esse não era o objetivo inicial, mas foi um efeito positivo”, disse Santoro.
Outra área candidata pra receber a solução é o centro cirúrgico, para uso dos próprios cirurgiões, que poderiam alimentar o sistema praticamente ao mesmo tempo em que trabalham. Mas esta funcionalidade ainda deve esperar pela implementação do Cerner Millenium.
A transferência de base de dados para a nuvem é outra grande meta, mas o sonho vai um pouco além. “Nosso objetivo é conversar com o sistema, que ele reconheça os dados falados naturalmente e aumente a agilidade de interação entre sistema e o corpo clínico”, explicou Luciano Oliveira. Ele se refere a um computador que identifique o tipo de informação fornecida pelo usuário e já o encaixe no campo certo do formulário.
É impossível não se lembrar do HALL 9000, o robô consciente – e rebelde – de 2001: Uma Odisséia no Espaço, do diretor Stanley Kubrick, ou tantos outros sistemas imaginados na ficção e que permitiam interação quase simbiótica entre homem e máquina. Mas aqui, ao colocar a Saúde como impulsionador da tecnologia, não há como imaginar outro final que não seja feliz para os protagonistas. A saber, é claro, os pacientes.