A
Polícia Civil investiga um esquema de fraude no seguro DPVAT em Rio
Preto com possível participação de funcionários do Hospital de Base
(HB). O inquérito foi instaurado pelo 1º Distrito Policial por
determinação do Ministério Público, a partir de auditoria da
seguradora Líder, responsável pelo gerenciamento do DPVAT no
Estado, que constatou fraude em recibo com despesas médicas da
filha do borracheiro J.F.S.J.. A menina de 9 anos fraturou o fêmur
em acidente de moto em 2012. Além desse caso, outras vítimas de
acidentes ouvidas pelo Diário nas duas últimas semanas indicam que
esse suposto esquema pode ser muito maior. Todos os casos envolvem
um personagem em comum: o técnico em gesso do HB Luís Antônio
Lima.
DPVAT
‘pagava’ despesa custeada pelo SUS
A
menina J.V.D.F., 9 anos, passou por nove cirurgias no Hospital de
Base para corrigir a perna atingida por um automóvel quando ela
andava na garupa da moto do pai, o borracheiro J.F.S.J., 35 anos.
Sem nenhuma despesa para a família, já que todo o tratamento foi
custeado pelo SUS. Mesmo assim, o pai recebeu R$ 2,6 mil como
ressarcimento de despesas médicas – curativos supostamente
aplicados na jovem. A seguradora Líder, que gerencia o DPVAT no
País, desconfiou e instaurou sindicância. Os auditores ouviram o
borracheiro e, diante da confirmação de que ele não pagou um
centavo por despesas médicas, encaminharam o falso recibo ao
promotor Marco Antônio Lelis Moreira, que determinou a instauração
de inquérito para apurar os crimes de estelionato e de falsidade
ideológica.
O
Diário ouviu a versão do borracheiro, sob a condição de não
identificá-lo. Ele disse que foi procurado pelo técnico de gesso do
HB Luís Antonio Lima quando a filha ainda estava internada. “Nesses
dias em que aconteceu o acidente, dentro do hospital, um tal de
Luís (…) abordou a gente, disse que entraria com o DPVAT e
receberíamos o que tínhamos direito”, disse. Meses depois, recebeu
R$ 2,6 mil. Até agora, o borracheiro foi o único ouvido pela
delegada-assistente Márcia Ferreira da Silva, do 1º Distrito
Policial. “Estou tranquilo. Não fiz nada errado”. A filha dele
segue em tratamento. A delegada disse que vai intimar a técnica em
enfermagem que assina o falso recibo e o médico do HB que atendeu a
paciente. “Encaminhei ofício ao Coren (Conselho Regional de
Enfermagem) para identificar onde essa profissional trabalha”,
disse Márcia, que não revelou os nomes dos suspeitos.
Fisioterapia
O
metalúrgico A.F.S., 27 anos, se diz vítima de situação semelhante.
Em agosto de 2012, ele ia trabalhar de moto em Bálsamo quando bateu
na traseira de um carro na rodovia Euclides da Cunha. Quebrou as
duas pernas e teve fratura exposta em uma delas. Atendido no
Pronto-Socorro de Mirassol, onde mora, foi transferido para HB.
Operado, estava no quarto quando Lima apareceu. Segundo o
metalúrgico, o funcionário do hospital ofereceu o DPVAT e pediu seu
endereço. Dias após ter alta, conforme A.F.S., Lima apareceu.
Inicialmente, o metalúrgico recusou. “Sabia que era rolo”. Lima
insistia. “Ele ficava falando ‘vamos garantir o leite das
crianças’”. O metalúrgico cedeu. Assinou o pedido de indenização e
fez sessões com um fisioterapeuta. “Disse a ele que não tinha
dinheiro. Ele disse: ‘Não, o fisioterapeuta é do escritório, do
DPVAT, na hora em que receber, você me paga’.”
A.F.S. afirma ter feito “umas sete” sessões. Na
última, o fisioterapeuta teria pedido para ele assinar os recibos (
o metalúrgico afirma não se lembrar quantos). Meses depois, A.F.S.
disse ter recebido cerca de R$ 400. Lima teria telefonado e pedido
todo o dinheiro com o argumento de que repassaria para o
fisioterapeuta. No entanto, segundo A.F.S., cada sessão custou R$
13, o que daria R$ 91. Ele aceitou pagar a Lima apenas 30%. “Eu
disse que não era justo ele usar meu nome para receber dinheiro em
cima de mim.”
HB
reprova funcionário e abrirá sindicância
A
direção do Hospital de Base criticou a conduta do técnico em gesso
Luís Antonio Lima e prometeu instaurar sindicância para apurar o
caso. “Nossa orientação (para os funcionários) é não ter relação
com o DPVAT. Se alguém faz isso (aborda os pacientes dentro do
hospital oferecendo o seguro) não tem o consentimento da direção,
porque é contra nossos procedimentos”, disse o superintendente do
HB, Jorge Fares. A direção do hospital também encaminhou nota em
que “repudia este tipo de atitude e a classifica como
inadmissível”. “A instituição irá apurar com rigor estas denúncias
e ressalta que já está tomando providências internas em relação ao
caso. A direção da instituição também se coloca à total disposição
das autoridades para colaborar nas investigações.”
Procurado, Lima admitiu trabalhar como corretor
de seguro DPVAT, mas negou irregularidades. Nos casos do
borracheiro J.F.S.J. e do metalúrgico A.F.S., disse apenas ter
repassado os recibos médicos à seguradora. “A pessoa emite a nota e
eu repasso sem saber (se é verdadeira ou falsa)”, disse. Ele ainda
negou exibir percentuais sobre o ressarcimento de despesas médicas,
o Dams. “É tudo da pessoa (que sofreu o acidente).”
Lima
também negou suposta falsificação da assinatura de vítimas no
trânsito nos pedidos de indenização ao DPVAT, como seria o caso do
montador C.E.O.S.. “A pessoa assina para mim, em um formulário que
já anda na minha pasta.” Lima rebateu a versão de que ele aborda
acidentados no trânsito dentro do HB. “Trabalho na base da
indicação. É difícil (as pessoas me procurarem). O hospital é
grande.” E ressaltou trabalhar com outras nove pessoas na
corretagem do seguro DPVAT em Rio Preto.
Sem
intermediários
A
assessoria da seguradora Líder, que controla o DPVAT no País,
confirmou que faz auditorias em pedidos de indenização com
suspeitas de fraude. Mas não se pronuncia sobre investigações em
andamento, nem informa o número de sindicâncias instauradas em Rio
Preto. A seguradora ressalta que não é necessário intermediários
para dar entrada no pedido de indenização. A quantidade de
indenizações do DPVAT pagas em 2013 cresceu 25% em relação ao ano
anterior, de acordo com a Líder. A empresa não informou, em seu
balanço anual, os valores pagos.
Do
total arrecadado pelo DPVAT – o seguro é pago por donos de veículos
no início do ano, junto com o IPVA – 45% são repassados ao SUS para
custeio do atendimento às vítimas de acidentes de trânsito e 5% são
repassados ao Ministério das Cidades para aplicação exclusiva em
programas destinados à educação e prevenção de acidentes de
trânsito. Os demais 50% são gastos no pagamento das
indenizações.

Site
confirma pagamentos por ‘despesas’
O
site do seguro DPVAT comprova que a revendedora A.A.S., 45 anos,
recebeu R$ 2,5 mil referentes a despesas médicas, o chamado Dams,
decorrente de acidente de trânsito que ela sofreu em agosto de
2012. A.A.S. ia de carro de Paulo de Faria, onde reside, até
Riolândia, com a filha e o neto de 9 anos pela rodovia Waldemar
Lopes Ferraz (SP-322) quando o carro invadiu a pista contrária e
bateu de frente com outro automóvel que vinha em sentido
contrário.
A
filha morreu no local. A revendedora e o neto foram encaminhados
para o Hospital de Base. Lá, ela teria sido procurada por Luís
Antonio Lima, que teria ingressado com o pedido de ressarcimento.
Ela acredita que o próprio Lima teria pego o seu prontuário médico
no HB, necessário para dar entrada no pedido. “Acho que ele pegou,
porque eu não peguei nada.” A revendedora também garantiu que todo
o tratamento foi pelo SUS, sem nenhum custo para ela. A.A.S. não
disse se repassou parte do valor recebido para Lima ou se ficou com
todo o dinheiro.
Com o
montador C.E.O.S., 21 anos, o enredo é diferente. Em janeiro,
quebrou uma das pernas em acidente de moto em Nova Granada. No HB,
foi procurado por Lima. Assinou o pedido de indenização do DPVAT e
recebeu o dinheiro. Três meses depois, durante uma forte chuva,
voltou a cair de moto. Novamente recebeu a visita de Lima, mas
dessa vez garante não ter assinado os papéis para pedir mais uma
indenização. “Não assinei nada. Ele não falou nada que era para
assinar.” Mesmo assim, o montador recebeu R$ 1,68 mil de
indenização, conforme atesta a página do DPVAT na internet. As
vítimas só aceitaram falar com a reportagem sob a condição do
anonimato.
