Os entraves para a realização de simples mas necessários exames de colonoscopia com anestesia e de endoscopia digestiva levaram a servidora do Ministério da Fazenda em Alagoas Keila de Souza Oliveira a denunciar o abuso da operadora de saúde para autorização dos procedimentos. Na quarta-feira (7) ela decidiu buscar seus direitos junto ao Ministério Público Estadual depois de ter sido informada que para fazer os exames teria antes de passar por auditoria médica, contrariando estritamente resolução do Conselho Federal de Medicina e o Código de Conduta Médica.
Usuária da Assefaz, a Fundação Assistencial dos Servidores do Ministério da Fazenda, Keila Oliveira procurou a operadora na terça, 6, um dia após seu médico – também credenciado ao plano – ter prescrito a realização urgente dos exames. Ocorre que foi informada por um funcionário (Marcos Fernando) de que teria de passar pelo crivo da médica auditora, sendo que somente estaria disponível no dia seguinte.
“Fiquei revoltada por duas razões, uma pelo fato de que se o plano exige auditoria para autorizar exames, deveria manter o médico auditor diariamente. Mas a revolta maior se deve ao fato da ilegalidade na exigência da auditoria, o que precisa ser denunciado por todas as pessoas cujos médicos prescrevem procedimentos que algumas vezes são até vetados com o fito de reduzir os custos das operadoras”, diz.E Keila tem razão.
A Resolução 1614/01 do Conselho Federal de Medicina, em seu artigo 8º assinala ser “vedado ao médico, na função de auditor, autorizar, vetar, bem como modificar, procedimentos propedêuticos e/ou terapêuticos solicitados, salvo em situação de indiscutível conveniência para o paciente, devendo, neste caso, fundamentar e comunicar por escrito o fato ao médico assistente”.
O Código de Ética Médica é ainda mais claro sobre a questão, ao afirmar, em seu artigo 94, ser proibido ao médico “intervir, quando em função de auditor, assistente técnico ou perito, nos atos profissionais de outro médico, ou fazer qualquer apreciação em presença do examinado, reservando suas observações para o relatório”.
Em outro artigo, o 97, o código também destaca ser vedado ao médico “autorizar, vetar, bem como modificar, quando na função de auditor ou perito, procedimentos propedêuticos ou terapêuticos instituídos, salvo, no último caso, em situações de urgência, emergência, iminente perigo de morte, comunicando, por escrito, o fato ao médico assistente”.
DEMANDAS JUDICIAIS
Alvo de queixas de usuários das operadoras de saúde por todo o país, a auditoria ou perícia, na forma em que tem sido utilizada, tem ensejado há anos demandas judiciais e denúncias junto aos órgãos de fiscalização como os conselhos estaduais e Federal de Medicina. Ex-membro do CFM, o professor de Medicina e de Direito da Universidade Federal da Paraíba Genival Veloso França sintetizou a realidade, ao afirmar que, “infelizmente, a auditoria médica, tal qual vem sendo instituída, tem quase sempre o sentido de reduzir custos médicos e institucionalizar uma medicina de modestos padrões, para justificar uma crise em que o sistema implantado não tem contribuído para tão desastrada falência”.
Reforçando os dispositivos do Código de Ética Médica e da Resolução do CFM, assinala, ainda, que “a análise do auditor sobre exames solicitados, críticas às técnicas cirúrgicas realizadas, ao internamento e, principalmente, aos procedimentos propedêuticos e terapêuticos, são interferências descabidas e afrontosas à dignidade profissional e à autonomia técnico-científica de cada médico”.
É também do CFM outra decisão, no julgamento do mesmo tipo de queixa de usuários de planos de saúde, que reforça esta posição, ao aprovar parecer do então conselheiro Paulo Berehens, segundo o qual “não é atribuição dos médicos auditores autorizar exames complementares e procedimentos solicitados pelos médicos assistentes por ferir-lhes a autonomia e cercear-lhes o exercício profissional”.
O próprio Superior Tribunal de Justiça, lembra Keila Oliveira, tem reforçado a vigência dos dispositivos que condenam a auditoria da forma como vem sendo empregada. Ela cita parecer do então ministro Carlos Alberto Menezes Direito, no julgamento de um processo sobre auditoria médica, no qual ele destaca que é preciso deixar bem claro que “o médico e não o plano de saúde é o responsável pela orientação terapêutica”.
Menezes, inclusive, teve parecer aprovado por unanimidade pela Terceira Turma do STJ, em 2007, no julgamento de uma questão envolvendo a Fundação Assefaz, no qual diz: “Evidentemente, não se é ingênuo para não entender que a representada Fundação Assefaz impõe a seus pacientes-usuários a reprovável prática (auditoria/perícia médica) em desfavor da saúde/vida de seus milhares de pacientes-usuários com o objetivo de barateamento dos custos médico-hospitalares”.
Keila destaca ainda que, a despeito das sucessivas decisões dos colegiados e das Cortes superiores que condenam os abusos cometidos pelas operadoras de saúde no que se refere à auditoria-perícia médica, estes continuam sendo um transtorno para os usuários, razão pela qual é preciso que as pessoas os denunciem junto ao Conselho Regional de Medicina (CRM) e Ministério Público.
Destaca, ainda, que as operadoras estão passíveis de responder por tais abusos, conforme o próprio CFM, que, na análise de consulta feita pelo CRM de Alagoas, aprovou parecer do então conselheiro federal Oliveiros Guanais de Aguiar segundo o qual “uma empresa que se dedica à prestação de assistência à saúde, ao negar autorização para um cuidado médico ou tratamento, responderá pelas consequências danosas tanto na esfera ética como no campo jurídico”.