O atraso contrariou resolução do setor de seguros, que definiu em 30 dias o prazo máximo para tal liquidação
A demora injustificada na liquidação de sinistro fere o pacto de boa-fé e lealdade que deve existir entre as companhias de seguros e os segurados, o que permite reparação na esfera extrapatrimonial. Por isso, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reformou sentença que negou dano moral pleiteado em decorrência do atraso de um ano no pagamento de um seguro de vida.
O atraso também contrariou resolução do setor de seguros, que definiu em 30 dias o prazo máximo para tal liquidação. Com a decisão judicial, a viúva do empresário segurado receberá R$ 10 mil.
No primeiro grau, a juíza Maria Beatriz Londero Madeira, da 2ª Vara da Comarca de Venâncio Aires, julgou improcedente o pedido da viúva, por não vislumbrar a prática de nenhum ato ilícito por parte da seguradora. Afirmou que, em se tratando de responsabilidade civil contratual, tal ocorreria se houvesse descumprimento do contrato, como prevê o artigo 389 do Código Civil.
Conforme a julgadora, a demora para o pagamento tinha motivo certo: a seguradora precisava analisar a questão sob o ponto de vista administrativo, pois havia dúvidas sobre doença preexistente do segurado. Sem dirimir essa questão na esfera administrativa, não seria possível fazer o pagamento integral à viúva beneficiária. Assim, a seguradora agiu no exercício regular de seu direito.
‘‘Ainda que tenha ocorrido a demora de um ano (pedido de pagamento em 21.09.2005 e autorização de pagamento em 22.08.2006), a verdade é que a questão que a seguradora procurava dirimir, ainda que não se mostrasse adequada aos olhos do beneficiário, fazia-se necessária de acordo com as normas internas a que está submetida. Não se pode dizer que cometeu ato ilícito. Reconhecer a prática de ilícito nessas circunstâncias implicaria negar à seguradora o direito de discutir a ocorrência, ou não, do risco assumido’’, justificou. Em face dessa decisão, a seguradora apelou ao TJ-RS.
Resolução do CNSP
O relator da apelação, desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto, reformou a sentença por entender que o ‘‘retardo injustificado’’ no pagamento indenizatório dá lastro ao pedido de reparação moral. Assim, em que pese a demandada ter efetuado o pagamento do capital segurado, assumiu os riscos decorrentes do atraso na liquidação do sinistro. Afinal, o artigo 50, parágrafo 1º, da Resolução 117/2004, do Conselho Nacional dos Seguros Privados (CNSP) diz que a liquidação deve ser feita em 30 dias.
Para o desembargador, a contratação do seguro se dá com base no princípio da boa-fé, sendo indispensável a confiança mútua. Ou seja, ambas as partes devem ter segurança de que haverá o cumprimento do pactuado. Assim, pontuou, a parte que contrata um seguro nutre a justa expectativa de estar assegurada a sua tranquilidade na hipótese de ocorrer o evento danoso, esperando o rápido e justo ressarcimento da perda havida.
O magistrado destacou que a seguradora tem obrigação de prestar toda a assistência para a cobertura do risco contratado, pois já recebeu a contrapartida do cliente e tem capacidade suficiente para arcar com as despesas garantidas de acordo com os riscos previstos e capital formado. Com isso, não pode, no momento de proceder à liquidação, criar dificuldades para se locupletar com a demora no cumprimento do contrato.
‘‘Dessa forma, é fato notório o abalo psicológico que sofre o usuário do seguro ante o descumprimento da obrigação pela seguradora em tempo hábil, situação que afeta o equilíbrio psicológico do indivíduo e caracteriza o dever de indenizar, pois ultrapassado o mero dissabor no trato das relações sociais, importando em desrespeito ao princípio da dignidade humana e, como tal, atingindo os direitos à personalidade do qual integra este’’, afirmou o relator, que arbitrou em R$ 10 mil o valor da indenização. O acórdão foi lavrado na sessão de 29 de março.