A designer gráfica Gabriela Oliveira,
30 anos, sempre contou com plano de saúde, mas há alguns anos
deixou de ser dependente do convênio da mãe e, desde então, não
conseguiu contratar um seguro médico. “Acabei desistindo, pelo
preço. Lá em casa, a única pessoa que tem plano é minha mãe – e ela
já quer cancelar”. A situação da família de Gabriela tem se
repetido em toda a Bahia.
Só nos últimos 12 meses, os planos
perderam 14,3 mil clientes, segundo a Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) – diminuição de 0,9% no número de beneficários
dos serviços. No país, a queda foi de 635,7 mil usuários de
seguros-saúde dos 48 milhões que havia em julho de 2016.
A perda, provocada pela crise
econômica e pela alta taxa de desemprego, afeta tanto as operadoras
dos planos de saúde quanto os prestadores de serviço do setor. O
resultado é uma intensificação do tradicional cabo de guerra entre
quem repassa o pagamento pelos atendimentos e exames e quem executa
os serviços.
De um lado, os planos acusam hospitais
e médicos de praticar tratamentos desnecessários e de preferir
materiais caros. Do outro, os prestadores dos serviços reclamam de
fiscalização excessiva das operadoras e de baixa remuneração a
instituições e profissionais.
Quem mais perde na disputa são os
beneficiários, com reajustes nos planos individuais e familiares de
até 13,55%, teto de aumento autorizado pela ANS em maio. O
percentual supera muito a expectativa do mercado para a inflação no
ano.
As operadoras dos planos justificam os
aumentos pelas despesas provocadas por fraudes e desperdícios, que
chegaram a R$ 22,5 bilhões em 2015, 19% dos gastos das empresas. Os
dados são do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) com
base em um estudo da Escola Nacional de Seguros (Funenseg) de
2006.
A Funenseg estima que até 18% das
contas hospitalares têm itens indevidos e até 40% dos exames
laboratoriais são desnecessários. O relatório não explica como
chegou aos percentuais.
O presidente do Sindicato dos Médicos
(Sindimed), Francisco Magalhães, afirma que as operadoras “reclamam
de barriga cheia”. “Esse segmento lucrou muito no ano passado”,
afirma Magalhães. Em 2016, a receita das empresas que comercializam
seguros-saúde cresceu 12% e o lucro líquido, 66%, segundo a
ANS.
A Federação Nacional de Saúde
Suplementar (FenaSaúde) defende que o dado resultou de dois casos
pontuais: a extinção de uma operadora que trabalhava no vermelho e
um crescimento exponencial de uma das empresas listadas no
relatório da agência. A receita e o lucro líquido das operadoras
cresceram todos os anos desde 2013.
Fraudes
De acordo com o superintendente do
IESS, Luiz Augusto Carneiro, tratamentos excessivos por hospitais e
médicos estão entre as principais causas do suposto rombo nas
despesas.
Venda irregular de medicamentos e
dispositivos médicos e sonegação de impostos são outras causas que
lideram o ranking de fraudes, segundo Carneiro. Também entram na
conta irregularidades cometidas por corretores, pacientes e
fornecedores de equipamentos.
“Alguns corretores de saúde usam de
má-fé quando alteram documentos de FGTS, contrato social, idade”,
diz a presidente da Associação de Corretores de Planos de Saúde
(Acoplan), Rosa Antunes.
No caso dos pacientes, as práticas
fraudulentas incluem a omissão de doenças pré-existentes e o
empréstimo da carteira do seguro. Já alguns fornecedores de
materiais médicos fraudam o sistema com venda de produtos vencidos
em novas embalagens ou ao subornar prestadores.
Médicos e
hospitais
No topo da lista do IESS de
irregularidades entre prestadores, médicos e hospitais questionam o
levantamento do instituto. “Os planos mantêm auditoria perpétua nos
hospitais. É difícil dizer que existe fraude se eles fiscalizam de
forma tão ferrenha”, diz o presidente do Sindicato dos Hospitais da
Bahia (Sindhosba), Raimundo Correia.
Para o presidente do Sindimed, os
profissionais não são os maiores fraudadores. “Se tiver um médico
fugindo da ética, eles (os planos) devem ir ao Conselho de
Medicina”, defende Magalhães. Os dois representantes afirmam que a
interferência dos planos nos atendimentos médicos é excessiva.
Pagamento
Diretor-executivo da FenaSaúde, José
Cechin afirma que as auditorias não conseguem acabar com as fraudes
e desperdícios porque são realizadas com base nas contas enviadas
pelas empresas e profissionais.
Na modalidade de pagamento mais comum
entre operadoras e prestadores, a “fee-for-service”, o hospital
lista os custos dos procedimentos e envia para as operadoras. “O
modelo estimula o aumento de gastos em saúde pelo paciente e por
quem oferece os serviços”, afirma o superintendente do IESS.
As entidades das operadoras sugerem a
adoção do sistema Diagnosis Related Group (DRG) para os pagamentos.
Ele classifica procedimentos médicos para determinados grupos. A
depender do histórico médico ou de características das pessoas, o
procedimento tem um preço mais alto ou mais baixo.
A adoção do sistema tem resistência
dos hospitais e médicos. Os prestadores têm receio de que a
remuneração pelos procedimentos médicos – que, segundo eles, já é
baixa –, caia ainda mais. Em resposta, o diretor da FenaSaúde
insiste que para a remuneração dos prestadores melhorar, é
necessário cortar as fraudes e desperdícios. Para ele, isso também
permitiria as operadoras baixar os preços.
Com um programa de combate a fraudes,
a operadora Hapvida alega ter conseguido diminuir os gastos
desnecessários e, com isso, repassar um preço mais baixo aos
segurados. Entre as ações, estão a identificação biométrica e a
instalação de um núcleo focado na redução de desperdícios.
A Unimed também trabalha para reduzir
despesas. “Em diversas regiões a gente cria grupos de regulação
médica. Quando há divergência sobre a conta do procedimento, o
paciente e o médico são contatados para falarmos da nossa
divergência”, diz o diretor de Regulação, Monitoramento e Serviços
da Unimed, Paulo Roberto de Oliveira.