Estou de volta ao Brasil após 3 dias
intensos em Las Vegas. Ao chegar, fiquei sabendo do horrível
massacre que vitimou dezenas e feriu centenas de inocentes que
estavam apenas participando de um festival de música. Triste. Parei
para refletir e tentar entender por que este tipo de coisa acontece
e voltei a atestar como somos vulneráveis e como nossa vida é
frágil. Por outro lado, apesar das forças contrárias, o reforço da
minha convicção, de que não podemos nos deixar abater e
continuarmos em frente trabalhando para construir um mundo mais
justo e seguro, enfatiza-se com mais força do que nunca. Pode
parecer que não temos muito a fazer quando nos deparamos com
situações trágicas como a do tiroteio, no entanto, o fato de
atuarmos na área de seguros nos dá o privilégio de poder contribuir
em diversas frentes, desde os esforços na prevenção de riscos até
no reparo financeiro, em caso de tragédias, e o amparo àqueles que
necessitam de apoio nestes momentos críticos. Com esta inspiração
em mente, concluí que realmente valia a pena continuar em Las Vegas
para participar da mais importante conferência mundial sobre o uso
da tecnologia na indústria de seguros.
Por mais verossímil que seja acreditar
que a tecnologia resolverá todos nossos problemas –
e realmente, há uma
gama de soluções incríveis com o apoio da tecnologia – pude
confirmar nesta enorme conferência para 3.800 pessoas o que
acredito piamente: o ser humano deve estar no centro do que
fazemos. O foco no cliente e o atendimento humanizado continuam
sendo fatores críticos de sucesso de qualquer organização. A
tecnologia não deve ser vista como um fim em si mesma, mas como um
suporte ao aprimoramento dos produtos e serviços. O cliente quer
ter suas necessidades atendidas, independente da tecnologia
empregada. Na busca das maravilhas que podemos conquistar por meio
do uso de tecnologia, as principais tendências observadas no evento
estão ligadas à coleta e ao uso de grandes bases de dados. Temos
uma proliferação absurda de sensores capazes de capturar uma
quantidade brutal de dados a respeito de tudo: como e quando
dirigimos nossos carros, avaliações completas de nossas casas,
sensores de presença, monitoramento de condições de saúde em tempo
real, etc. Falou-se sobre inteligência artificial (AI – Artificial
Intelligence e ML – Machine Learning), mas ainda não há nada muito
concreto a esse respeito do que já tenha sido colocado em prática
na indústria de seguros. No entanto, fica claro que, tanto as
grandes seguradoras quanto as start-ups, estão em busca de formas
de uso comercial deste tipo de tecnologia (AI e ML), pois nota-se
que existem diversos testes e pilotos em andamento nas mais
diversas frentes, principalmente às ligadas à subscrição de riscos
e prevenção de sinistros.
Ainda na linha de tendências, é
possível testemunhar que a tecnologia vem sendo usada para eliminar
o envolvimento humano em diversas etapas dos processos, assim como
o foco na obtenção de informação em tempo real a todo o momento.
Neste sentido, a conectividade passa a ter papel fundamental.
Já com relação a telemática, logo
pensa-se em seguro de automóvel e produtos como pay as you drive,
isto é, pagar pelo que dirige. Em minha percepção, foi notável que
o foco migrou para pay how you drive and where you drive – pague
como você dirige (se freia com constância, se desrespeita regras de
trânsito, etc.), além do local onde dirige. No entanto, a grande
surpresa veio com a mudança do conceito do uso destes dispositivos,
com grande foco na redução da sinistralidade, isto é, a tecnologia
embarcada deixa ser apenas um acumulador de dados para uso em
precificação, mas passa também a dar feedback em tempo real para o
cliente, permitindo que a pessoa mude de comportamento, reduzindo
ou evitando riscos. Quando pensamos em tecnologia, na maior parte
das vezes, temos um viés positivo, mas sabemos que nem sempre é
assim. Por exemplo: a quantidade de acidentes aumentou em razão das
pessoas terem passado a digitar mensagens em seus smartphones
enquanto dirigem. Dispositivos que permitam alertar o motorista
instantaneamente fazendo com que mudem seu comportamento têm um
valor inestimável. Os resultados que vem sendo obtidos apontam para
uma redução de, pelo menos, 20% nos índices de sinistralidade.
Paralelamente, pude notar que a
natureza do risco em si está mudando, passando das pessoas para as
máquinas. E que dentro desse contexto existem focos de preocupação
crescentes associadas aos riscos advindos de incertezas
geopolíticas, mudanças climáticas, terrorismo e crimes
cibernéticos.
Em relação às novidades, observei
diversas iniciativas no desenvolvimento de produtos que oferecem
uma cobertura dinâmica, muitos deles com a características de
poderem ser “ligados” e “desligados” de acordo com a necessidade do
cliente. São opções interessantes, com apelo mercadológico
atraente, entretanto fico pensando se tais produtos não são fonte
inesgotável de anti-seleção de risco, ou seja, só “ligará” a
cobertura quando souber que correrá mais risco, quebrando a espinha
dorsal de um dos pilares conceituais do seguro: a cobertura para
eventos incertos.
Quanto à postura das grandes
seguradoras em relação ao advento das insurtechs, verifiquei uma
significativa mudança de rota. Ao invés de tentar competir ou
eliminar as start-ups, as seguradoras estão buscando estabelecer
parcerias com elas. Fica claro que se não for impossível criar
operações inovadoras dentro de empresas tradicionais solidamente
estabelecidas, é extremamente moroso e não necessariamente mais
eficaz do que se associar a uma empresa mais enxuta, ágil e com
foco centrado numa questão específica. Por outro lado, insurtechs
de sucesso têm sido aquelas que não optam por criar soluções
incríveis para problemas inexistentes, e sim as que buscam achar
primeiramente os problemas reais e cotidianos das seguradoras. Após
essa etapa, há a possibilidade de então oferecer uma solução
inovadora, principalmente na questão de eficiência e na redução de
custo de sua operação.
Pensando no futuro dos seguros de
automóvel imediatamente nos remetemos ao impacto da telemática, e
como dito acima, o foco deixou de ser o quanto você usa seu carro
para o como e onde. Depreendi que ainda estamos longe do carro
totalmente autônomo – pelo menos uma década em países desenvolvidos
e bem mais do que isso em países em desenvolvimento como o Brasil.
Não é mais uma questão de “se”, mas sim de “quando”. Vale lembrar
que, antes da chegada dos carros totalmente autônomos, teremos a
fase transitória de veículos semiautônomos, aqueles que possuem
pilotos automáticos para estradas, mas que passam para comandos
manuais em ambientes urbanos. Aqui, mais uma vez, vemos a mudança
na natureza do risco. Teremos que pensar na divisão e admissão de
responsabilidade em cada momento específico. Numa estrada, quando
um computador está no comando do veículo e na eventualidade de um
acidente, a quem deve ser imputada a culpa? Ao fabricante do
veículo, do software ou o provedor de internet? E nos momentos nos
quais a pessoa assume a condução? Além disso, como precificar e
fazer a gestão do sinistro em veículos com car sharing e ride
sharing (dentro do conceito de compartilhamento)? São mudanças nada
triviais com relação ao que temos hoje. De qualquer forma, é
consenso que o uso da tecnologia trará uma sensível redução nos
acidentes, permitindo uma diminuição no valor cobrado pelo seguro
(prêmio) e um aumento na quantidade de pessoas que poderão comprar
a proteção.
Quanto aos produtos e serviços de
seguros em geral, as pessoas buscam algo que contemple elementos,
normalmente, fora da indústria de seguros atual, isto é, o padrão
de comparação deixou de ser o seguro em si nos diversos
competidores no mercado e passou a ser a experiência obtida em
empresas como o Google ou a Apple. Os consumidores de seguros estão
em busca de produtos simples, personalizados, de empresas que agem
proativamente no sentido de maximizar a satisfação do cliente em
todo o processo, desde a compra, sinistro, passando pela prestação
de serviço em si, chegando até a renovação da apólice. Há a
necessidade de uma interação rápida, sem percalços e sem que o
cliente tenha que se adaptar aos processos internos das empresas,
pelo contrário, os processos terão que ser adaptados para atender
as necessidades dos consumidores e, neste sentido, o uso da
tecnologia passará a separar os vencedores dos perdedores. A
conclusão é que as empresas precisam recalibrar seu olhar, mudando
do foco interno para o externo, isto é, pela ótica do cliente e não
aquela de suas áreas de processos. Fica evidente que a chave do
sucesso é passar a resolver os problemas dos clientes e não os
problemas dos produtos e serviços. Para tanto, as empresas
precisarão de uma revisão muito séria de suas estratégias,
estruturas e qualificação de pessoal, dado que o mote deixará de
ser na função e passará a ser na emoção da experiência como um
todo.
No que tange o papel do corretor neste
mundo digital, reforço a tese que a categoria não deixará de
existir, mas precisará revisar seu papel. Os corretores
sobreviventes serão aqueles que deixarão a tecnologia como
protagonista no âmbito de gerenciamento de atividades processuais
burocráticas e repetitivas e passarão a assumir o papel crucial de
consultores de risco para seus clientes. Vale mencionar que os
corretores do futuro deverão ajudar as seguradoras em questões
ligadas a aceitação de risco e precificação em circunstâncias nas
quais as máquinas não têm a capacidade de interligar fatos, que a
princípio não parecem estar correlacionados.
Também faço questão de compartilhar
que tive a grata oportunidade de assistir um interessantíssimo
painel de debates a respeito da revisão do papel do órgão regulador
em função de tantas mudanças trazidas pela aplicação da tecnologia.
O tema é extenso e merece um texto específico, mas apenas para não
deixar passar em branco, listo algumas das preocupações dos
reguladores: como regular o uso e armazenamento de grandes bases de
dados e sua privacidade, como evitar a discriminação injusta –
apesar da subscrição de risco ser por natureza discriminatória – ,
como a tecnologia impactará questões de solvência e a proteção dos
direitos do consumidor, como regular machine learning, isto é,
computadores tomando decisões sobre aceitação de risco e
precificação, como regular a oferta de dispositivos e sensores
pelas seguradoras no sentido de coletar dados e minimizar riscos,
até com o envio de sinais para tomada de ação instantânea para
reduzir ou evitar riscos.
A conclusão que chego é que vivemos um
momento fascinante tanto para as seguradoras, como para as
insurtechs, reguladores, investidores e, principalmente, para os
clientes. Oportunidades estão por todos os lados, especialmente na
questão de soluções para redução de riscos, na coleta, no
processamento e interpretação de grandes bases de dados, além do
uso da tecnologia para otimização de processos com o intuito de
melhorar a experiência do cliente com a indústria de seguros.