140 projetos tramitam no Congresso para mudar as regras do setor. A ideia mais polêmica tira dos usuários a proteção do Código de Defesa do Consumidor
Projeto nacional de lei pretende acabar com a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) às questões entre planos de saúde e segurados. “Vulgar” foi uma das palavras escolhidas, por críticos, para definir a iniciativa. Além do adjetivo, o co-fundador do Instituto Apolo em Defesa da Vida e da Saúde (IADV), Diogo Santos, disse que “fica flagrante a intenção legislativa de beneficiar as operadoras”. A coordenadora executiva da Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde, Renê Patriota, chamou de “retrocesso” a mera consideração de uma medida tão “trágica e desrespeitosa”. Na verdade, 140 projetos de lei para mudar as regras dos planos de saúde tramitam na Câmara dos Deputados. A votação seria na última quarta-feira, mas foi adiada. Para os analistas, o saldo para o usuário será cruel.
Os problemas do sistema suplementar de saúde brasileiro têm a cara das reclamações do Procon. Não cobertura de serviços, negativa de reembolso e reajuste anual abusivo são as principais queixas recebidas pelo órgão em Pernambuco contra as empresas de planos. Para Tatiane de Menezes, professora de economia e pesquisadora na área de saúde, “o modus operandi dos planos de saúde no Brasil é muito ruim”. Ela pondera que o desenvolvimento tecnológico caminha a taxas imprevisíveis e que a aquisição de novas tecnologias pode pesar na conta das seguradoras. Como resultado, “os planos começam a querer burlar as regras do setor, usando as brechas da lei”.
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Este é o caso da disparada das mensalidades no ano em que os segurados completam 59. Nesta idade, as tarifas chegam a mais do que dobrar, um movimento que especialistas entendem como tentativa de “expulsar” os idosos do serviço. Uma vez que o Estatuto do Idoso proíbe o reajuste a contratos de pessoas com 60 anos ou mais, as operadoras acumulam o “salto” no aniversário anterior. A “solução” pensada por um dos projetos de lei em discussão no Congresso Nacional é autorizar que este aumento final seja pago em até cinco parcelas, separadas por períodos de cinco anos, e que devem valer no máximo 20% do reajuste total.
A porta-voz da Associação de Defesa do Consumidor Proteste advogada Lívia Coelho pontua que, apesar dos argumentos do deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN) de que a mudança melhora as condições de pagamento para os idosos, os acréscimos continuam sendo abusivos. Aliás, diz ela, “vai ficar mais difícil controlar [aumentos extras]. Hoje, mesmo com a resolução da Agência Nacional de Saúde (ANS), o que ocorre no mercado é reajuste médio de 70% aos 59 anos de idade. É importante que haja um equilíbrio maior entre os reajustes nas idades anteriores.”
No caso do CDC, especialistas de todas áreas se frustram na procura por explicações para que o código deixe de proteger os usuários dos planos. Tatiane de Menezes diz não enxergar “justificativa social ou econômica para que o código deixe de valer.” E completa: “É um absurdo.” Diogo Santos, que admite haver, entre os 140 projetos, debates razoáveis - como a obrigatoriedade de uma consulta inicial com um médico de saúde da família antes de o paciente procurar um especialista - vê a proposta sobre o CDC como “ inconstitucional”.
Outros projetos, positivos, forçam a oferta de planos individuais ou familiares, categoria que há algum tempo saiu do catálogo das empresas; além da ampliação da cobertura para que seja compulsório o serviço de consultas médicas preventivas e curativas em número ilimitado, bem como o pagamento de vacinas. Mais: idosos usuários de planos coletivos que rescindirem o contrato, por outros motivos que não inadimplência, terão direito a um plano de assistência equivalente na modalidade individual ou familiar, sem novos prazos de carência. Segundo assessoria, a ANS não se pronunciará, ainda, sobre as mudanças em discussão.
Ministério da Saúde quer contratos “populares”
Em janeiro deste ano, o Ministério da Saúde encaminhou à ANS um ofício com sugestões para facilitar o acesso da população aos planos privados. No documento, a Pasta relatava a crise do sistema de saúde suplementar brasileiro devido, em parte, à queda do emprego em 2016, já que “80% dos ví´nculos ativos se concentram nos planos de saú´de coletivos”. Uma alternativa apresentada seria a criação de planos acessíveis, chamados de “populares”, com uma maior segmentação dos contratos, em níveis de complexidade. Essas novas modalidades aumentariam o acesso da população à saúde. Em setembro, a ANS respondeu que “as propostas encaminhadas pelo Ministério concorrem com ações regulató´rias´ em andamento na agência”.
Para o presidente do Procon-PE Roberto Campos, “o plano popular vem para desafogar o SUS”. Mas ele alerta que “é preciso ter clareza nos contratos, sobre o que efetivamente vai ser prestado ao consumidor”. Altas porcentagens de co-participação podem inviabilizar a realização de procedimentos, a despeito do pagamento das mensalidades em dia. Já Renê Patriota acredita que planos acessíveis visam esvaziar o SUS para tirar a responsabilidade do governo. “Não vão cobrir nada e vai haver muito constrangimento”, avalia.