Imagine ter a mãe internada em um Centro de Terapia Intensiva (CTI), com um aneurisma cerebral, e receber uma ligação dizendo que, durante a cirurgia, ela contraiu uma superbactéria. A única chance de salvá-la é dar um medicamento que custa R$ 1.500. Qualquer família entraria em pânico com a notícia e não pensaria duas vezes antes de depositar o dinheiro, ainda mais se quem telefonou informasse detalhes sobre o paciente, incluindo dados pessoais e sigilosos. Mas o inacreditável é que tudo dito ao telefone não passa de um golpe, que teve alta incidência em 2017 em hospitais públicos e privados de Belo Horizonte.
Só na Santa Casa foram nove tentativas de fraude, todas em novembro. O Hospital de Pronto-Socorro (HPS) João XXIII teve conhecimento de um caso em outubro. Ambos têm atendimento 100% gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O hospital Vila da Serra, em Nova Lima, que atende planos de saúde e particular, teve 13 registros em 2017. A maternidade Octaviano Neves, uma das maiores da rede privada da capital, não informou os dados.
A Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) não tem um balanço desse tipo de ocorrência, mas só a Divisão Especializada de Investigação de Fraudes da Polícia Civil tinha sete casos em setembro último – sem contar os investigados nas delegacias locais. “São quadrilhas formadas por pessoas de dentro e de fora de Minas, às vezes até de penitenciárias, que se aproveitam do estado fragilizado das famílias para agir”, relatou o chefe da Divisão, Rodrigo Bustamante.
Falha. Os hospitais usam cartazes para alertar sobre o golpe. O João XXIII, por exemplo, iniciou a campanha em 2015, quando registrou o primeiro caso. Mas as ocorrências continuam. “Falta um protocolo de segurança coerente e firme para evitar o vazamento de informações sigilosas do paciente”, disse Bustamante.
Os três hospitais ouvidos pela reportagem nunca realizaram sequer sindicância interna para apurar os fatos. As vítimas são orientadas a procurar a polícia e registrar um boletim de ocorrência, mas muitas não fazem por medo. “Pela ligação, parecia que alguém do hospital tinha passado informação para o bandido. Se a gente denuncia, podiam fazer algum mal para a minha mãe lá dentro”, disse uma auxiliar administrativa de 35 anos, que teve a mãe, Rosângela Sanches, 56*, internada em outubro de 2017 no João XXIII.
Outras. Hospitais reclamam também do assédio praticado por funerárias e intermediários interessados no seguro Dpvat, que abordam familiares do lado de fora, muitas vezes com informações privilegiadas dos pacientes.
Hospital pode ser responsabilizado por vazamento
Quando um paciente é internado, o hospital tem obrigação de manter os dados dele sob sigilo. Se houver vazamento de informação, a instituição de saúde pode ser responsabilizada civil e criminalmente por qualquer prejuízo financeiro e moral que a família venha a sofrer. O presidente da Comissão de Participação e Cidadania da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Rômulo Brasil, explica que, em caso de golpe, o hospital pode ser obrigado judicialmente a ressarcir o valor depositado na conta do estelionatário. “A indenização, nessas situações, está prevista no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor”, disse. Ele explica que a vítima precisa ter provas de que o golpista tinha informações privilegiadas de dentro do hospital. “A prova é muito ingrata, porque a pessoa dificilmente grava a conversa naquele momento de fragilidade”, diz.
É o caso da família de Rosângela Sanches*, 56, que teve um aneurisma cerebral e ficou internada no João XXIII, em outubro passado. O marido dela recebeu a ligação horas depois de ela ter feito uma cirurgia delicada e crucial para sua sobrevivência. “Eles tinham todas informações, sabiam que minha mãe estava no CTI, qual o bloco, o andar, que doença ela teve. Não tinha como duvidar”, contou a filha dela, de 35 anos. Os filhos chegaram a se reunir para juntar os R$ 1.500 pedidos pelo telefone e só não depositaram porque um deles consultou o hospital.
*Nome fictício