A Operação Lama Cirúrgica, deflagrada há duas
semanas, identificou um detalhe ainda mais preocupante
para quem se submeteu a cirurgias no Espírito Santo: a venda de
materiais já utilizados, que deveriam ter sido descartados, para
uso cirúrgico, tem por trás uma quadrilha com tentáculos nos
Estados Unidos. A apuração é do repórter Roger Santana, da TV
Gazeta, e foi revelada ontem à noite pelo Fantástico, da TV
Globo.
O material usado era revendido para
hospitais privados, planos de saúde e médicos da Grande Vitória, a
princípio, por duas empresas: a Alfa Medical e a Golden Hospitalar.
Uma terceira empresa, a Esterileto, teria se associado ao esquema
esterilizando materiais antes da revenda.
O Núcleo de Repressão às Organizações
Criminosas e à Corrupção (Nuroc), da Secretaria de Estado da
Segurança Pública e Defesa Social (Sesp), descobriu que um dos
hospitais, o Metropolitano, na Serra, teria utilizado materiais que
foram reprocessados mais de 2.500 vezes, inclusive agulhas e fios
de sutura.
As investigações começaram em outubro,
após uma denúncia anônima, e a polícia chegou ao hospital a tempo
de impedir que os materiais cirúrgicos descartáveis fossem usados
ilegalmente na dona de casa Maria de Lourdes Cardoso, paciente que
iria se submeter a um procedimento no ombro.
“Chegou a enfermeira e disse que não
ia ser possível fazer mais a cirurgia, porque o material que era
para vir para mim não tinha chegado”, disse ela, que na época não
sabia a verdadeira razão do cancelamento.
“A gente luta para fazer (a cirurgia)
e ainda passa umas coisas dessas. Sem saber, né? Então eu vou
confiar em quem mais?”, desabafou a paciente.
Os empresários Gustavo Deriz Chagas e
Marcos Roberto Krohling Stein e o enfermeiro Thiago WaiynBus, da
empresa Golden Hospitalar, que vendiam os produtos como se fossem
novos, foram presos. Buscas também foram feitas na Golden e na
empresa Esterileto.
“Esses irresponsáveis utilizam
material cuja importação é proibida e utilizam materiais em
cirurgia cujo reprocessamento é proibido”, disse o secretário de
Segurança do Estado, André Garcia.
Polícia Federal
O secretário de Segurança, inclusive,
acredita que o esquema vai além das divisas do Espírito Santo. Ele
quer que a Polícia Federal entre no caso. “Claramente essa não é
uma questão que está limitada às divisas do Espírito Santo”,
alegou.
Na busca feita pelo Nuroc na sede da
Golden Hospitalar, a polícia encontrou carimbos de três médicos e
um receituário assinado e carimbado por um quarto médico, só que em
branco. A prática está sendo considerada suspeita e os quatro estão
sendo investigados.
Segundo a Vigilância Sanitária da
Serra, os riscos vão desde uma infecção por vírus, por hepatite,
até micobactéria, danos que muitas vezes só vão aparecer daqui a
anos. “Os problemas podem surgir daqui até 10 anos”, acrescentou
Geane Sobral, da Vigilância Sanitária municipal.
TELEFONEMA REVELOU
PREOCUPAÇÃO
Um telefonema gravado com autorização
da Justiça revelou que Marcos Stein, um dos donos da Golden
Hospitalar, relatou a outro integrante da quadrilha sua preocupação
com as suspeitas levantadas pela Operação Lama Cirúrgica.
“Eu passei um problema agora com a
Vigilância Sanitária e outros órgãos, eles estão no meu pé”,
relatou o empresário. O interlocutor, não identificado, disse,
então, que não teria como fornecer notas fiscais dos produtos.
“Eles não aceitam devolução e eu já
paguei sobre o transporte desse material. A gente vende desse
jeito. Deixando claro que não é um material legal. O mercado sabe”,
disse.
O OUTRO LADO: O QUE
DIZEM OS ACUSADOS
Os advogados de Gustavo Deriz Chagas e
Marcos Roberto Krohling Stein, donos da Golden Hospitalar,
afirmaram para a reportagem do Fantástico que a empresa nunca
forneceu “materiais, produtos ou serviços impróprios ou
inapropriados para uso devido, a quaisquer de seus clientes”.
Em nota, o Hospital Metropolitano
disse que suspendeu o recebimento de produtos que eram adquiridos
por planos de saúde das empresas mencionadas no inquérito. E está
apurando a responsabilidade dos profissionais citados nas
investigações.
O médico Nilo Lemos Neto, cujo
receituário foi encontrado na sede da Golden Hospitalar, disse que
o mesmo tinha a finalidade de cumprir o fluxo burocrático para
confirmação de materiais que ele efetivamente havia utilizado em
cirurgia específica. Antes de enviar nota, porém, ele disse por
telefone que após uma cirurgia havia entregado o receituário para
um auxiliar.
Os advogados do enfermeiro Thiago
Uaín, preso desde o dia 17, quando foi deflagrada a Lama Cirúrgica,
disse que ele é inocente.
A dona da empresa Esterileto, Mônica
Marinho, disse que a culpa é de um ex-sócio. “O que houve foi uma
falha pela gestão antiga da entrada desse material na empresa. A
gente está sendo até muito chato com os clientes quando alguém
tenta enviar para gente alguma coisa que não pode ser
processada”.
A reportagem também entrou em contato
por telefone e nos locais de trabalho dos médicos que admitiram que
são os donos dos carimbos encontrados na Golden.
Eduardo Ramalho e Rodrigo Souza não
retornaram. Já o advogado do médico Marcos Robson Alves Júnior
disse que ele apresentou para a polícia “documentos que comprovam
sua idoneidade no que tange a relação médico e paciente. E que está
à disposição para esclarecer quaisquer fatos para a conclusão da
investigação”.
O Fantástico não conseguiu o contato
com o ex-sócio da Esterileto, Carlos Eduardo Rodrigues Soares. Já a
Alfa afirmou que “os envolvidos na investigação trabalharam na Alfa
e foram demitidos”.
Carlos Alberto Silva/arquivo Fachada
do Hospital Metropolitano, alvo de operação