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Entrevista – Sidney Klajner, presidente do Hospital Albert Einstein

Fonte: Jornal Acoplan Data: 13 abril 2020 Nenhum comentário

O Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, foi o primeiro a diagnosticar a chegada do novo coronavírus no País, em 25 de fevereiro. Desde então, passou a ser uma referência na Covid-19 — não apenas pelos protocolos experimentais que implementa de forma pioneira, mas também pelo trabalho que executa em unidades públicas municipais de São Paulo. A instituição faz a gestão do primeiro hospital de campanha a entrar em funcionamento na cidade, no Estádio do Pacaembu, e tem 2 mil médicos atuando como voluntários na crise.

Esse é um motivo de orgulho para o seu presidente, Sidney Klajner (foto), que diz ter ficado surpreso com a dimensão da pandemia. “Se alguém disser que imaginava o que estava para acontecer, está mentindo”, diz em entrevista à IstoÉ. Ele elogia a atuação do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e diz que sua eventual saída seria uma perda. Alerta que ainda não conhece os efeitos da doença nas regiões mais carentes, pois nelas ainda não começou a expansão no número de contaminados. Isso vai depender de a quarentena estar sendo feita da maneira adequada. “Os próximos dias vão dar a projeção do que está acontecendo”.

O presidente ameaça demitir o titular da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. O ministro está fazendo um bom trabalho para combater a crise?

O Ministério da Saúde tem tido uma posição bastante serena e cumpre as recomendações de órgãos como a Organização Mundial da Saúde. Eles indicam a importância do isolamento sobrepujando a preocupação com o prejuízo econômico dos países. Como profissionais de saúde, consideramos que a prioridade é a vida, a preservação da capacidade de atender as pessoas. Esse é o tom do Ministério da Saúde, do ministro, com quem o Einstein, enquanto organização filantrópica e um dos cinco hospitais de excelência que têm parceria com o ministério, vê uma postura bem agregadora. É uma forma de não causar pânico à população, mas trazer a importância daquilo que está sendo prescrito pelas entidades de saúde.

Como o sr. avalia a possível saída dele do Ministério?

Vejo como uma perda desse grau de atuação bastante profissional, abrangente. Infelizmente chegou a uma queda de braço de uma questão que no meu modo de ver não existe, de privilegiar um lado ou outro. Obviamente o Ministério da Saúde está olhando para o que aconteceu em outros países. Nas duas últimas semanas, a quarentena no Estado de São Paulo já demonstrou o benefício que vai proporcionar. Já é possível vislumbrarmos uma tendência de diminuição na porcentagem do incremento do número de casos — pelo menos no setor privado.

Um dos cotados para substituir Mandetta, o ex-ministro da Cidadania Osmar Terra, defende isolamento apenas de idosos e grupos de risco. O relaxamento da quarentena é válido?

O isolamento proposto em países como Coreia do Sul e Japão é altamente embasado em tecnologia. Puderam associar os testes em larga escala da população com a capacidade de rastreamento de pessoas e identificação de possíveis disseminadores, levando ao isolamento deles. Isso é possível em um país com um alto grau sociocultural e de educação, além de capacidade de atingir a população com tecnologia que nós infelizmente não temos no Brasil. Primeiro, temos mais de 220 milhões de habitantes, o que torna praticamente impossível o teste massivo. Segundo, apesar de grande parcela da população ter smartphone, isso demanda uma qualidade de banda larga e a adesão ao uso de aplicativos específicos que no Brasil é extremamente difícil. Terceiro, é impossível identificarmos no nosso País quem é de alto risco ou não, haja vista a média de idade dos pacientes que têm sido levados à UTI. Estima-se que uma grande parte dos idosos convive com pessoas que são economicamente ativas e poderiam voltar ao trabalho. Principalmente, estamos falando de uma população que tem mais de 50% de obesos. É praticamente impossível isolar essas pessoas das que vão sair do isolamento. Há um risco altíssimo de ultrapassarmos a capacidade do sistema de saúde.

É possível implantar um isolamento seletivo no Brasil?

Vejo uma dificuldade muito grande de fazer um isolamento segmentado em um primeiro momento. Isso vai ser possível quando tivermos uma curva descendente no número de novos casos. É importante frisar que temos um cenário no setor privado que é diferente do setor público, inclusive em relação ao início do grande volume de casos. A Covid-19 foi trazida por um segmento da população mais abastado, que podia viajar e trouxe a doença. E depois ela foi passando para outras classes da sociedade. Há uma dificuldade gigante para o isolamento segmentado dar certo em um país que é formado por vários Brasis. Não somos uma nação uniforme, somos compostos por diferenças marcantes.

Qual seria o prejuízo com a mudança de orientação?

Não digo prejuízo, mas a mudança traria um risco grande de o sistema de saúde do País não dar conta do atendimento, principalmente de casos graves. Poderíamos ter uma situação muito parecida do que aconteceu na Itália, na Espanha e em cidades como Nova York.

O Hospital Albert Einstein diagnosticou o primeiro caso da Covid-19 no Brasil em 25 de fevereiro, e só no dia 5 de abril registrou a primeira morte. Neste dia, dos 123 pacientes com sintomas da Covid-19, 66 estavam na UTI. Como o hospital se preparou para ter uma resposta eficiente contra a doença?

Esses 66 pacientes incluem a UTI e a unidade semi-intensiva. Muitos estão em recuperação, mantidos em uma monitoração mais próxima. Mas acho que o tratamento de pacientes, especialmente os mais graves, acaba dependendo muito do fator humano, de médicos capacitados para lidar com casos graves. Durante o curso do tratamento, muitos doentes que vão necessitar o respirador mecânico também podem requerer outros equipamentos e expertises, como diálises. A máquina precisa estar à disposição. Um dos nossos pacientes precisou de circulação extracorpórea, com um equipamento extremamente sofisticado, de alta complexidade, em que uma máquina faz a respiração e circulação do sangue fora do paciente por incapacidade do pulmão — a ECMO (extracorporeal membrane oxygenation). É uma máquina que não está presente em todas as UTIs — nem do mundo, nem do nosso País. Esse paciente já voltou para uma situação normal.

A preparação de UTIs é fundamental?

À semelhança do que aconteceu nos outros países, nas UTIs bem preparadas há uma chance de recuperação maior. Daí a importância de não se sobrecarregar o sistema. No caso do Einstein, a gente fala de um hospital do setor privado que se preparou para um aumento gigante no número de pacientes de terapia intensiva e que tem procurado ampliar a capacidade do SUS de proceder da mesma forma no município de São Paulo. Porém, se nós ultrapassarmos a capacidade de lidar com esses pacientes, faltarão recursos pelo excesso de doentes. Inclusive de recursos humanos, porque a gente não tem pessoas qualificadas no País para triplicar ou quintuplicar o números de leitos de UTI. Precisamos de intensivistas preparados para isso.

Vocês estão atuando com protocolos experimentais que incluem a hidroxicloroquina?

Sim, na verdade o protocolo que nós inauguramos há aproximadamente uma semana tem a liderança do nosso setor de pesquisa, mas congrega até 100 UTIs do Brasil. Elas vão incluir os seus casos de modo que a gente possa atingir um número estatisticamente válido para obter uma resposta o mais rapidamente possível. Nós coordenamos o trabalho, que envolve instituições como o Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, e a BP — Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Inclui três frentes. Uma vai cotejar o uso da hidroxicloroquina mais a azitromicina, em comparação só com a hidroxicloroquina. Outra vai comparar o uso da hidroxicloroquina versus nada, no paciente que não está em estado grave. E uma terceira, nos casos gravíssimos, o uso da hidroxicloroquina frente a outras formas de tratamento que não sejam com o uso da hidroxicloroquina. A gente espera que em um mês haja o número necessário para trazer alguma resposta ao sistema.

E os protocolos usando plasma sanguíneo dos pacientes já recuperados?

Nós desenhamos um protocolo que se baseia em um do Hospital Johns Hopkins. Existem outros que estão avaliando o uso do plasma, também em Nova York, por exemplo. Temos dois parceiros conosco, o Hospital das Clínicas e o Sírio-Libanês, e este protocolo foi autorizado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), o que permitiu darmos o início. Primeiro, é feita a captação de doadores que já se curaram da Covid-19. É separado o plasma do sangue doado, e depois é feita a infusão desse plasma, que deve conter anticorpos. O objetivo é fazer os pacientes adquirirem imunidade. Esse protocolo carece de uma conclusão com base científica, porque muitas vezes o que está causando a gravidade da pneumonia não é a infecção viral, mas a resposta hiperimune. Nesse caso, quando você tem a imunidade muito exacerbada, cria uma resposta inflamatória que pode ser tão ou mais agressiva do que a própria infecção viral. Outros protocolos têm sido feitos com imunomoduladores, com substâncias imunobiológicas, para diminuir a atividade em cascata da inflamação. Muitas vezes a agressão que a pneumonia da Covid-19 pode causar não é só por infecção viral, mas sim pela resposta de inflamação.

O Hospital Albert Einstein fará a gestão do hospital de campanha do Estádio do Pacaembu. Qual é a prioridade da nova instalação?

Ele já começou a receber pacientes. É para casos de baixa gravidade, que exigem internação para o consumo de oxigênio e monitoração para sabermos se haverá uma deterioração clínica do estado de saúde. Os doentes são encaminhados para internação pelo médico que o avaliou nas unidades básicas da Prefeitura de São Paulo. Isso libera as unidades de maior complexidade municipais para se transformarem em hospitais para os casos mais graves. No Pacaembu, são 210 leitos. Aqui no Einstein temos 620 leitos, dos quais quase a metade está pronta para se transformar em leitos de terapia intensiva.

A periferia das grandes cidades será mais atingida pela pandemia? Quando isso acontecer, pode ocorrer uma aceleração da curva de casos?

Essa aceleração nem começou. Para a população menos abastada, ou na periferia, a epidemia não começou a ter o incremento que a gente imagina que ocorrerá. Por isso essa ampliação da rede pública, tanto nos hospitais de campanha como no Hospital Municipal do M’Boi Mirim, é gerida por nós. Também fazemos a gestão do Hospital Municipal Vila Santa Catarina e da Unidade de Pronto Atendimento Campo Limpo, entre outros. No M’Boi Mirim está sendo construída uma ampliação para baixa complexidade de 100 leitos, com a ajuda da Ambev e da Gerdau. Isso vai permitir ampliar a sua capacidade. Com o atual confinamento, a gente não tem como saber se o incremento vai ser tão grave. Ou se essa quarentena na periferia está sendo feita da maneira adequada, para diminuir o pico de casos. Os próximos dias vão dar a projeção do que está acontecendo e permitir planejar o que fazer.

Qual sistema de saúde vai surgir após a crise?

Grande parte do risco de sustentabilidade do sistema estava apoiado na saúde como um “business”, e não na prevenção. A gente tem uma pandemia que penaliza o portador de doença crônica, o idoso, quem não se cuida com relação ao tabagismo e ao controle de hipertensão e obesidade. É um alerta muito grande de que essas questões precisam ser cuidadas e não apenas terceirizadas para o setor da saúde. O sistema de saúde do País carece de medidas preventivas e também de preparação do ponto de vista humano. É necessário que saiam das mãos dos médicos práticas que poderiam tranquilamente ser feitas por outros profissionais. Isso permitirá o maior acesso da população à saúde, principalmente com o uso de tecnologia.

A telemedicina veio para ficar?

Há anos discutimos se a telemedicina é vantajosa ou não. De repente, ela é uma das únicas tecnologias que temos à mão para ampliar o acesso e levar consulta especializada. Isso pode ampliar o serviço de saúde sem privilegiar interesses corporativistas. O atendimento virtual tem se mostrado muito eficaz — e não só para o coronavírus. Outro aspecto positivo pós-pandemia é o colaborativo, entre profissionais, pesquisadores e cientistas. Isso vai permitir dividir funções, inclusive com startups e healthtechs. O próprio fato de os profissionais de saúde serem tocados por uma situação que os torna incapazes de lidar com a perda de vidas vai fazer a gente ter uma medicina mais humana.

Vocês imaginavam que a pandemia poderia adquirir essa dimensão?

Eu jamais imaginei que chegaria dessa forma em nosso País. Se alguém disser que imaginava o que estava para acontecer, está mentindo. Nenhum país imaginou que chegaria a tal ponto. Se fosse assim, a Itália não teria sido atingida dessa forma, os governantes não estariam tomando medidas de mitigação. Nos preparamos para uma epidemia, mas não dessa magnitude. Por outro lado, como vimos a evolução, nos envolvemos para fazer com que o Einstein representasse um grande benefício para a saúde do País.

Há voluntários trabalhando na crise do coronavírus?

Quando lançamos uma proposta de atuação voluntária para o nosso corpo clínico, tivemos 2 mil médicos se prontificando a atuar com o setor público. A gente tem orgulho de ver a entrega de todos diariamente, quando saímos tarde da noite. Incluindo os que se contaminaram por conta da presença em setores da saúde do SUS do Município e do Estado — que estão em suas casas trabalhando, doentes. A capacidade de responder por um bem maior e pelo benefício da sociedade ultrapassa o orgulho e chega a emocionar. Isso ocorre inclusive com a participação de pessoas do mundo empresarial, da comunidade judaica, que ofereceram inclusive recursos materiais para que a gente pudesse fazer o máximo e o melhor para a população, como um todo. Se a gente vencer da forma que imagina, vai ter um senso de missão cumprida gigante.

Quantos médicos pegaram a doença?

Não temos os dados por médicos, mas por colaboradores, incluindo enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas e médicos. Ao todo 350 foram afastados, 2% do total. Metade atua na parte assistencial. Não conseguimos estabelecer o vínculo exato onde ocorreu o contágio — na comunidade, no hospital, etc. O profissional que atua com Equipamento de Proteção Individual (EPI) fica até mais protegido do que aqueles que estão na linha de frente da assistência. Criamos um programa para lidar 24h com as angústias dos nossos colaboradores e de suas famílias relacionadas ao trabalho durante a pandemia, para dar conforto e prevenir situações de “burnout”, de estresse. Fizemos uma parceria com um hotel para que profissionais que moram longe ou não têm tempo para descansar saiam do seu turno para um ambiente confortável.

 

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