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Vigência e Renovação do Seguro de Pessoas

Fonte: CQCS Data: 16 novembro 2021 Nenhum comentário

Em minha última crônica me manifestei sobre as regras complementares de funcionamento e os critérios para operação das coberturas de risco de seguros de pessoas, que é objeto de minuta da Circular Susep em sede de audiência pública.

Lá tratei, entre outros comentários, dos Riscos excluídos previstos nos artigos 24 a 27, especificamente no que concerne ao estado de insanidade mental, a embriaguez e o uso de substâncias tóxicas, ex vi, do art. 26 da Minuta da Circular em tela.

Visando concluir a exegese para não ficar “capenga” meus comentários sobre o artigo 26, passo, de imediato, ao artigo 27 que encerra essa matéria, vale dizer, a aceitação do risco pela seguradora, finalizando essa crônica com algumas ponderações que considero oportunas em relação ao título acima epigrafado.

Diz o artigo 27:

“Deverá constar das condições contratuais do seguro disposições relacionadas a eventual exclusão de doenças preexistentes”.

O trato de doenças preexistentes foi objeto de muita celeuma no Superior Tribunal de Justiça, culminando com o laeding case no voto do Ministro Eduardo Ribeiro no julgamento do Recurso Especial nº198.015-GO.

Eis a ementa:

Se a seguradora aceita a proposta de adesão, mesmo quando o segurado não fornece informações sobre o seu estado de saúde, assume os riscos do negócio. Não pode, por essa razão, ocorrendo o sinistro, recusar-se a indenizar”.

Pois bem. A minuta da Circular dispõe no § 1º do art. 27, verbis:

“Não poderão ser objeto de exclusão de cobertura do seguro as doenças preexistentes;

I – que forem de conhecimento do segurado e tenham sido declaradas na declaração pessoal de saúde que integra a proposta;

II – que não forem de conhecimento do segurado quando da formalização da proposta”.

E, logo, no ponto:

  • 2º É vedada a exclusão de doenças preexistentes quando não for exigido pela sociedade seguradora o preenchimento de declaração pessoal de saúde”.

É, em outras palavras, o que ficou assentado no julgamento acima transcrito.

Ainda mais: os parágrafos 3º e 4º do art. 27 terminam com bastante clareza e eloquência a compreensão deste tema de doença preexistente.

No item Aceitação do seguro (art. 28 e seu parágrafo único) o legislador minudencia tais procedimentos, tais como exigências de informações, declarações, documentos ou exames médicos para auxiliar na avaliação do risco.

Adentrando, agora, de modo sistemático, no título desses comentários – Vigência e Renovação – artigos 29 a 31 -, também objeto de muita divergência por parte de nossos Tribunais está assentado no primeiro deles que “deverá ser estabelecido o critério de fixação do início e término de vigência das coberturas, nos termos da regulamentação específica”.

Destaco, ab ovo, que essa temática é de extrema importância notadamente para o segurado que, via de regra, não sabe ou não tem ideia de como está atualmente seu seguro de vida, particularmente no que tange ao seguro de vida individual aonde não existe a figura do estipulante como é o caso dos seguros coletivos.

Uma pergunta logo brota: Qual é o tempo de duração de um seguro de vida individual? E ato contínuo: O que fazer caso a seguradora depois de 30 ou 40 anos de um contrato de seguro de vida individual, que cobre morte natural, acidental ou invalidez permanente, depois de vários reajustes anuais, não envia mais os documentos de cobrança e o segurado após fazer várias tentativas, quer por e-mail ou telefonemas não é mais atendido?

Pode a seguradora cancelar potestativamente – “entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo o efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes” – artigo 122, segunda partedo Código Civil – o seguro contratado, ou o segurado poderá se valer de certos procedimentos judiciais?

Um deles seria promover uma ação de consignação em pagamento (artigo 334 e seguintes do Código Civil, combinado com os artigos 539/549 do Código de Processo Civil objetivando o segurado estar adimplente com suas obrigações contratuais. Mas, se não existe mais tal seguro – hipótese de cancelamento – para aonde vai a importância depositada? Lógico que vai endereçada à seguradora. Porém, a Companhia poderá alegar que não há mais causa debendi e assim pretender devolver o valor depositado ao segurado.

A outra situação poderia ser agitada com uma Notificação/Interpelação a teor dos artigos 726 a 729 do Código de Processo Civil.

Quid juris? A resposta parece estar mais objetiva e transparente na dicção do § 2º do artigo 30 da sobredita minuta da Circular.

Diz esse dispositivo legal:

“Art. 30. Deverão ser especificados os procedimentos para renovação da apólice, quando for o caso.

  • 1º A renovação automática só poderá ser feita uma única vez e pelo mesmo prazo, devendo as renovações posteriores serem feitas, obrigatoriamente, de forma expressa.
  • 2º Quando prevista renovação da apólice, caso a sociedade seguradora não tenha interesse em efetuar esta renovação, deverá comunicar aos segurados e, no caso de apólice coletiva, ao estipulante mediante aviso prévio de, no mínimo, trinta dias que antecedam o final da vigência da apólice”. Grifo meu.

Ademais, como expressamente determina o artigo 51 – Das Cláusulas Abusivas – O Código de Defesa do Consumidor – enfatiza que “são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

XI- autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor”.

Impende sublinhar, portanto, que estas hipóteses acima previstas guardam a mesma sintonia e identidade com nosso ordenamento jurídico, que, agora, é agasalhada pela Minuta da Circular que trata do Seguro de Pessoas.

Nesta toada registrei algures o que sentenciou em um processo que patrocinei o interesse de uma das partes, o que disse o Juiz Titular da Sexta Vara Cível do DF, Dr. José Guilherme de Souza:

“Destarte, se uma seguradora chega ao ponto de alegar para o seu corpo de segurados que o “desequilíbrio atuarial em que a mesma se encontra, onde a relação prêmio versus sinistros chegou a patamares que a tornou altamente deficitária forçará o cancelamento de uma apólice-mestre de seguro de vida em grupo, é possível inferir, embora não se possa afirmar com segurança absoluta, que tal desequilíbrio somente pode ter sido gerado por má administração (não necessariamente dolosa, advirta-se), dos recursos injetados na instituição, fraturando a proporcionalidade segura que existia entre os fatores prêmios/sinistros/coberturas, pois, como dito, a estatística conforta em favor da entidade seguradora, qualquer projeção que se queira fazer em cima dessas ocorrências”.(Voltaire Marensi. O Seguro no Direito Brasileiro, 9ª edição. Lumen/Juris/Editora, páginas 402/403).

Mutatismutandi, assim se passa também nos seguros de vida individual!

Acredito que com o cumprimento do que se encontra acima destacado, em tese, se colocará “uma pá de cal” no tormentoso tema do cancelamento, ou não, do seguro de pessoas.

E no último artigo dessa seção como corolário está, expressamente, dito:

“Art. 31. Para os seguros temporários que prevejam a possibilidade de renovação, as condições contratuais deverão conter a informação de que o seguro é por prazo determinado, tendo a seguradora a faculdade de não renová-lo na data de vencimento”.

Cabe por fim trazer à colação o que diz o artigo 796 de nosso Código Civil, quando acentua:

“O prêmio, no seguro de vida, será conveniado por prazo limitado, ou por toda a vida do segurado.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese, no seguro individual, o segurador não terá ação para cobrar o prêmio vencido, cuja falta de pagamento, nos prazos previstos, acarretará, conforme se estipular, a resolução do contrato, com a restituição da reserva já formada, ou a redução do capital garantido proporcionalmente ao prêmio pago”.

A doutrina acolhe esse entendimento ao salientar:

“Entretanto, convém lembrar que os seguros em grupo serão temporários, o mesmo ocorrendo com o seguro de acidentes pessoais, estes ainda quando contratados sob a forma individual”. (Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti e Ayrton Pimentel. O Contrato de Seguro de acordo com o Novo Código Civil Brasileiro, 2ª edição. Editora Revista dos Tribunais, 2003. Artigo acima citado).

Ademais, no seguro de vida, via de regra, o prazo é limitado em um ano, ocasião em que vigora a relação contratual estabelecida entre segurado-segurador. Passim. (Voltaire Marensi. O Contrato de Seguro à luz do Novo Código Civil, 3ª edição. Thomson/Iob, 2005, páginas 72 a 74).

Com esses considerandos o tema se torna bem mais claro e objetivo, atentando, outrossim, o que prevê à parte inicial da sobredita minuta da Circular assim como o prescrito pela atual legislação, mormente pelo Código de Defesa do Consumidor, tal como estampa, de forma ímpar e solar, os inúmeros preceitos insertos na Circular, aliás, de lege ferenda, se aprovada nos moldes como está redigida. Aí, sim. Lei e Circular andarão de “mãos dadas” em rodovia de uma única via.

É o inquestionável princípio da hierarquia das leis operando para atender às inteiras o que preceitua o bom Direito.

 

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