Modalidade é isenta de Imposto
de Renda e não entra em inventário, o que a torna útil em casos de
transferências de patrimônio
O seguro de vida ainda tem um vasto
caminho a percorrer no Brasil. Apenas 17% da população com mais de
18 anos possui alguma cobertura, segundo dados de 2021 da
Fenaprevi (Federação Nacional de Previdência Privada e
Vida).
Deste total, 58%
dos seguros são oriundos de planos coletivos, aqueles
oferecidos pelas empresas aos funcionários. Mesmo sem dados
oficiais, o número de brasileiros que contratam seguro de vida para
fazer planejamento sucessório de bens tende a ser ainda menor.
Pensar no processo de sucessão
significa adotar uma estratégia de transferência de patrimônio de
uma pessoa para seus herdeiros. E o seguro
de vida pode ser uma boa ferramenta para auxiliar este
processo.
Além do seguro de vida, há outros
instrumentos jurídicos e financeiros no processo de planejamento
sucessório, como testamento, doação, previdência privada e até
holdings familiares.
Mas o seguro de vida tem algumas
vantagens. O InfoMoney buscou respostas de
corretores e seguradoras especialistas no tema para explicar para
quem compensa a modalidade em situações de sucessão.
Por que ter um seguro de vida para
sucessão?
Quando uma pessoa falece, todo o
patrimônio (como conta corrente, imóveis, terrenos, fazendas e
carros), chamado de espólio, será dividido entre herdeiros em um
processo de inventário. O problema é que o inventário costuma ser
caro, mesmo quando não há conflitos entre as partes.
Os custos totais podem girar entre
10% e 15% do patrimônio total, a depender de cada caso, conforme
especialistas ouvidos pelo InfoMoney.
As principais despesas são com o
ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação), que tem
limite de 8%, mas varia de estado para estado; custas cartorárias;
e honorários pagos pelos serviços de advogados.
Exemplo: se o falecido detinha
patrimônio de R$ 1 milhão, a família precisará arcar com ao menos
R$ 150 mil para cobrir custos com o processo de inventário. O
valor, dizem os especialistas, é exponencial conforme o tamanho do
patrimônio.
“No Brasil há muitas famílias que
têm bens deixados por entes queridos, mas que não conseguem
acessá-los porque o processo de inventário está parado, entre
outros motivos, por ser caro. Imagina que uma pessoa falece e tem
R$ 10 milhões na conta corrente. A família precisa desbloquear isso
pagando os custos de inventário com algo em torno de R$ 1,5
milhão”, explica Pedro Dalla Stella, sócio-fundador da SDS
Insurance, corretora de seguros independente.
O seguro de vida entra nesta seara
para dar suporte financeiro à família. Isso porque é isento
de Imposto
de Renda, de ITCMD, é impenhorável e não precisa constar no
inventário. Por lei, o seguro de vida não é considerado herança, e
pelas regras do próprio produto, a indicação de beneficiários é
livre.
“Quem tem seguro de vida, quando
falece, deixa uma indenização líquida direta na conta dos
beneficiários”, explica Lourival Neto, diretor comercial da InLife
Seguros, corretora digital independente.
O processo de inventário deve ser
aberto em até 60 dias após a morte da pessoa. Para fazer o
pagamento, a família tem 30 dias após a abertura oficial do
processo na Justiça. Se o pagamento for feito após seis meses do
início do inventário, o valor está sujeito a multas de até 20% do
valor do ITCMD.
“A família precisa ter o valor em
mãos para não precisar vender bens às pressas ou dilapidar o
patrimônio de alguma maneira”, diz Neto.
A Susep (Superintendência de
Seguros Privados) determina que a indenização seja paga em até 30
dias após a confirmação do sinistro, mas, na maioria das
seguradoras, os valores são pagos em menos de 15 dias. Com os
documentos do óbito em mãos, a família tem acesso ao dinheiro
rapidamente.
Fechar um seguro de vida de R$ 1
milhão de capital segurado, por exemplo, pode significar alavancar
o patrimônio total, já que lá na frente, quando ocorrer o sinistro,
além do patrimônio construído ao longo da vida, os beneficiários
terão esse valor a mais como direito.
“O seguro de vida não é um ativo
financeiro, muito menos um investimento. É um instrumento de
proteção financeira que pode auxiliar a família da pessoa falecida.
É importante isso ficar transparente para quem está contratando e
evitar quebra de expectativas”, alerta Dalla Stella.
Seguro de vida vitalício
Há algumas categorias de seguro de
vida e diversos tipos de cobertura que podem atender diferentes
perfis de pessoas. Tradicionalmente, o mercado trabalha de forma
personalizada — cada cliente pode montar uma apólice conforme seu
momento de vida. É essa característica que também deixa o produto
mais complexo.
No caso de planejamento sucessório,
a modalidade de seguro de vida mais recomendada pelos corretores e
seguradoras é o seguro de vida vitalício.
O que se encontra, via de regra, no
mercado são seguros
de vida temporários — a pessoa interessada fecha uma
apólice que dura determinado período que pode ou não ser
renovada.
No caso da versão vitalícia, o
segurado paga prêmios mensais ou anuais (também como na versão
temporária), mas, ao final de um prazo determinado em contrato, ele
quita a apólice, o que lhe dá o direito de ter acesso às coberturas
e indenizações de forma permanente — em muitos casos, a carência é
pequena.
Exemplo: se o segurado fecha uma
apólice de seguro de vida vitalício e, após um mês, falecer, os
beneficiários já têm o direito a receber os valores contratados.
Naturalmente, podem existir variações e produtos específicos dentro
de cada seguradora.
Custos envolvidos no seguro
O seguro vitalício permite a compra
do seguro. Então, o segurado estipula por quanto tempo vai pagar.
“A pessoa pode definir um capital segurado de R$ 1 milhão
[indenização] e pagar prêmios por dez anos para ter acesso a esse
capital segurado [indenização] em caso de morte”, explica Pedro
Dalla Stella.
“Em 99% dos casos de mercado, o
valor total do prêmio será menor do que o capital segurado”,
explica Neto, diretor comercial da InLife Seguro. Ele compartilhou
um exemplo: uma pessoa de 38 anos pode contratar R$ 1 milhão de
capital segurado e pagar, ao longo de dez anos, R$ 440 mil para ter
acesso a esse valor de indenização. “Ao pagar, o valor de
indenização está garantido”, complementa.
Os prazos de pagamento podem
variar, mas é comum encontrar no mercado segurador opções entre 5 e
30 anos para o pagamento da compra da apólice. Segundo Luiz
Sampaio, dono da plataforma Stoa, de consultoria para corretores, a
depender do perfil de saúde da pessoa e da idade, o custo do prêmio
para manter uma apólice vitalícia é, na média, 30% do valor do
capital segurado total.
Há essa diferença entre os valores
dos prêmios e o capital segurado indenizatório porque a seguradora
inclui essa modalidade dentro da sua tábua atuarial, ao avaliar o
risco de morte, e divide pelo número de segurados, o que dilui os
custos permitindo que o valor do prêmio seja menor que o capital
segurado total.
Ainda assim, os valores mensais
podem ser “salgados”. “Os prêmios de seguro de vida vitalício, em
alguns casos, chegam a ser entre 5 e 15 ou mesmo 20 vezes maiores
que os seguros tradicionais”, afirma Mateus Nicolau, diretor
comercial da Azos Seguros.
Considerando o exemplo de R$ 1
milhão de indenização, pagando R$ 440 mil em 10 anos, o preço por
mês seria de cerca de R$ 3.600. O valor é acessível para poucas
famílias brasileiras.
A dinâmica é a mesma dos seguros
temporários: o segurado passa por uma avaliação de saúde e de risco
feita pela seguradora, que decide se aceita tomar o risco da pessoa
ou não. Na prática, quanto mais nova a pessoa é, mais barato ela
paga, porque os riscos de sinistros (no caso, falecimento) tendem a
ser menores.
“No caso do seguro vitalício, o
risco do segurado é congelado de acordo com a idade que ele fechou
o contrato. Não tem reenquadramento etário, ou seja, ajuste de
preço conforme a pessoa fica mais velha. Permite que o segurado
tenha mais previsibilidade. O ajuste costuma ser feito pela
inflação anual que incide sobre o valor do prêmio e também sobre o
capital segurado ao longo do tempo, a fim de manter o poder de
compra e um percentual atuarial [conforme o risco analisado pela
seguradora]”, explica Sampaio.
Neto, no entanto, lembra que
qualquer ajuste necessário na apólice ao longo do período de
pagamento, vai ter uma nova análise e um reajuste de valores.
“Sempre que o cliente revisitar a
apólice e for necessário mudar algo, o segurado pode arcar com um
reajuste. Quando ele fecha o contrato, o risco é congelado,
portanto, se ele não fizer nenhuma alteração durante o prazo de
pagamento, de fato, não arca com nada a mais, excluindo a
inflação”, explica.
Mas se ele contratou com 28 anos e
aos 33 anos ele quer acrescentar alguma cobertura ou aumentar
valores de capital segurado, o perfil será novamente analisado pela
seguradora. “Agora ele é mais velho, está em outro momento de vida
e pode ter algum agravo de saúde, por exemplo, o que pode
encarecer”, afirma.
Assim, é preciso analisar quando o
formato vitalício pode ser vantajoso, já que a depender do momento
de vida e da idade, um seguro temporário pode ser suficiente (e
mais barato) para o segurado.
“Sempre temos que olhar a
necessidade do cliente versus a capacidade de pagamento para fazer
sentido fechar o contrato”, acrescenta Lourival Neto.
Resgates
Outra característica comum entre os
seguros vitalícios é a opção de resgate. Mantendo o mesmo exemplo
de uma apólice vitalícia com capital segurado de R$ 1 milhão para
pagar em 10 anos. O prêmio pago neste período fica em R$ 440
mil.
“Ao quitar a apólice após esse
prazo, é comum as seguradoras oferecerem duas opções: ou a pessoa
resgata o valor do prêmio pago ajustado pela inflação ou mantém a
apólice para ter acesso à indenização”, explica Rodrigo Tonelli,
corretor de seguros e consultor financeiro.
A Susep, inclusive, afirma em seu
manual, que deve ficar transparente aos segurados que o resgate
corresponderá a um valor calculado que não representará exatamente
o somatório dos prêmios pagos.
A pessoa também pode fazer o
resgate a qualquer momento após esse prazo de pagamento de prêmio
definido em contrato.
“Se a pessoa esperar, o valor do
resgate aumenta porque segue sendo reajustado pela inflação. As
seguradoras têm interesse no resgate porque sai mais barato para
elas. Se a pessoa não fizer o resgate é certeza que a seguradora
vai arcar com o R$ 1 milhão de capital segurado para esse cliente
quando ele vier a falecer. O cliente, no entanto, tem direito de
escolher o que for melhor para ele”, explica Sampaio.
Assim vale prestar atenção na
dinâmica das apólices e entender bem as regras de resgate, caso
houver.
Possibilidade de coberturas
Outro ponto importante é que, se
tratando de planejamento sucessório, geralmente a principal
cobertura oferecida por seguros vitalícios é a de morte por
qualquer causa (MQC), já que a intenção é planejar a transferência
de bens para os herdeiros e/ou beneficiários.
“Sucessão tem sentido a partir da
construção do patrimônio para ser transferido. Não necessariamente
a apólice nesse caso precisa ter a cobertura só para morte, pode
incluir outras proteções como invalidez e doenças graves. Tudo o
que impede a construção de patrimônio também pode ser protegido. Se
não há patrimônio, o planejamento sucessório pode perder o
sentido”, explica Saulo Gabriel, superintendente de produtos da
Allianz Seguros.
A recomendação dos especialistas é
fazer apólices separadas: uma para sucessão, que geralmente agrega
a de MQC, e outra para outras coberturas em vida.
“O mercado segurador evoluiu muito
nos últimos anos, sempre têm coberturas novas. Se a pessoa tem uma
apólice vitalícia com várias coberturas além de morte e precisa
usar uma proteção de invalidez, por exemplo, a apólice pode ser
cancelada em algumas seguradoras e a pessoa perde a vantagem do
vitalício. Ou se a pessoa quer melhorar a apólice e ampliar
coberturas pode ter que cancelar todos os acessórios e fazer uma
nova”, explica Lourival Neto.
Segundo a Susep, o seguro pode ter
quantas apólices de vida quiser, tendo direito a todas as
indenizações, se fizer o pagamento dos prêmios, conforme os
contratos com as seguradoras.
Por isso, é preciso ficar
atento na hora da composição de coberturas do seguro de
vida.
Quem deve ter seguro de vida para
sucessão?
Fazer um planejamento sucessório
pode ser custoso e, geralmente, quem faz esse tipo de contratação
tem um patrimônio alto. No caso de Sampaio, por exemplo, o menor
cliente de sucessão que ele atende hoje possui R$ 5 milhões de
patrimônio.
Mas o perfil de clientes pode
variar. Dalla Stella, por exemplo, tem clientes com planos de
sucessão e seguro de vida que têm patrimônios entre R$ 500 e 600
mil passando por cifras milionárias.
“Acho que o perfil ideal para
aproveitar os benefícios do seguro de vida na sucessão é a pessoa
que tem um patrimônio imobilizado, ou seja, que quer oferecer
liquidez e agilidade para os beneficiários quando não estiver mais
aqui”, explica Dalla Stella.
Tonelli tem clientes com R$ 300 mil
de capital segurado em sucessão e patrimônios de R$ 500 mil.
Lourival Neto, por sua vez, tem clientes que fecharam apólices de
sucessão com capital segurado entre R$ 55 mil e R$ 60 mil.
“A grande maioria da população
ainda não sabe lidar com o planejamento sucessório, e muito menos
sabe que o seguro de vida pode auxiliar. Falta uma disseminação
melhor do produto ainda. As pessoas pensam nisso quando passam por
uma emergência. Outro gatilho é o nascimento de um filho, que faz
as pessoas pensarem no futuro e em sua própria falta, ou mesmo
quando a pessoa é provedora principal da renda da família e tem
muitos dependentes”, explica Sampaio.
É comum empresas familiares, por
exemplo, terem planos de sucessão a fim de manter o negócio vivo
nas próximas gerações. Cerca de 90% das empresas no Brasil são
familiares, segundo dados do IBGE.
“O problema é que muitas dessas
empresas não têm sequer um plano de sucessão”, diz Fabiano Vidal,
diretor de parcerias comerciais da Prudential do Brasil. Uma
pesquisa global chamada ‘Governança em Empresas Familiares:
Evidências Brasileiras’, da PwC, constatou que esse número chega a
44%, e no Brasil, sobe 72% dos negócios.
“Por isso, é importante que o
planejamento de sucessão empresarial de uma empresa conte com uma
proteção financeira robusta, capaz de arcar com custos, como
heranças, impostos, honorários advocatícios, custos cartoriais,
caso um dos sócios venha a falecer”, diz Vidal.
Fique atento
Confira dicas de especialistas
ouvidos pelo InfoMoney antes de contratar
seguro para sucessão.
- Qual o tamanho do seu patrimônio?
O primeiro passo é entender o
tamanho do patrimônio que a pessoa precisa proteger, incluindo bens
e recursos financeiros.
“Faça cotações e pesquisas, e
busque por parcelas que não prejudiquem outras áreas da sua vida. É
preciso destinar valores mensais para o seguro de vida e não faz
sentido parar de pagar. É preciso se planejar para fazer o
planejamento sucessório”.
- Quem são os entes que compõem o plano?
Defina quem você listar como
beneficiários dos bens, e como você pretende distribui-los entre as
pessoas (se houver mais de uma).
- Quais produtos fazem sentido hoje?
É preciso tomar cuidado e avaliar a
sua situação. Nem sempre é preciso ter um seguro de vida alto ou
mesmo iniciar um planejamento de sucessão.
“Um jovem de 25 anos, que não tem
apartamento próprio e ainda mora com os pais, provavelmente não
precise fazer um plano de sucessão. Há outros tipos de cobertura de
seguro de vida para este caso”, comenta Dalla Stella.
Por ter muitas nuances e ainda ser
um produto distante da realidade de muitas pessoas, é preciso estar
atento “às linhas pequenas” das coberturas. Entender o que está
coberto, como será pago, que tipos de coberturas estão inclusas e
as cláusulas de exclusão, para entender se há exceções.
Por exemplo, morte por ataques
terroristas, drogas, embriaguez, não tem cobertura. Uma pandemia
até então não havia cobertura, mas, nos
últimos dois anos, as seguradoras abriram exceções por causa da
Covid-19.
Por isso, é crucial conferir o
valor mensal, quais situações estão cobertas, o valor de cobertura
de cada uma delas, duração do contrato, a indenização, e ler todo o
contrato antes de assiná-lo.
- Olhe constantemente seu plano sucessório
A vida é cheia de mudanças,
imprevistos e progressão de carreira. É preciso sempre acompanhar a
apólice e garantir que ela esteja adequada para você.
Muitos corretores de seguros mantêm
contatos frequentes com os clientes a fim de atualizar os
documentos. E, mesmo para quem contrata online, vale analisar se o
que a apólice oferece é suficiente.