João tinha 11 anos quando experimentou vinho oferecido pelos
pais, em 2008. Aos 15, foi a vez do primeiro pileque, causado pelo
consumo excessivo de vodca com energético numa festa com amigos.
"Agora, quando chego meio bêbado em casa minha mãe sabe que eu
bebi, mas finge que não sabe", diz o jovem de 16 anos, aluno do 2.º
ano do ensino médio de um colégio tradicional de São Paulo.
Hoje, ele diz que consome frequentemente álcool com os colegas.
A primeira experiência do estudante com vinho pode explicar e até
justificar o seu hábito de consumo atual. É o que revela uma
pesquisa inédita da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
feita com base em entrevistas realizadas com 17 mil adolescentes do
ensino médio de 789 escolas públicas e privadas de todo o País.
O estudo, feito pelo Centro Brasileiro de Informações sobre
Drogas Psicotrópicas (Cebrid) da Unifesp, constatou que um simples
gole ou experimentação de qualquer bebida alcoólica feita por
crianças menores de 12 anos aumenta em 60% as chances delas, quando
adolescentes, consumirem álcool abusivamente. "O contato que a
criança tem com bebidas na infância pode não gerar apenas um
adolescente que ocasionalmente fica de porre. Ela pode acabar
adquirindo o padrão abusivo de consumo de álcool", afirma Zila
Sanchez, professora do Departamento de Medicina Preventiva da
Unifesp, uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo.
A pesquisa também constatou que, dentre os estudantes que
afirmaram ter consumido algum tipo de bebida alcoólica na vida (82%
dos entrevistados), 11% experimentaram antes dos 12 anos. Para a
nutricionista Camila Leonel, o consumo precoce tem um impacto claro
na saúde do jovem. "O álcool causa modificações neuroquímicas, com
prejuízos na memória, aprendizado e controle dos impulsos. O
sistema nervoso dos menores ainda está em desenvolvimento",
afirma.
E para evitar o contato inicial com a bebida não basta apenas que
os pais proíbam o acesso ao álcool, segundo Ilana Pinsky,
vice-presidente da Associação Brasileira de Estudo de Álcool e
Drogas (Abead). "Se os pais têm o hábito de beber todos os dias
para relaxar, por exemplo, não adianta conversar muito sobre como
beber de forma responsável", diz ela.
Ilana critica a "enorme" quantidade de bebidas que há dentro dos
lares de muitos brasileiros. "Os pais têm de ter cuidado com os
bares que ficam dentro das próprias casas, para que as crianças não
tenham acesso a eles", diz. Na casa da empresária Cláudia Silva,
que tem uma filha menor de idade, não há esse risco. "Aqui em casa
é zero álcool. Nada disso de dar só um golinho para experimentar",
diz a mãe.
Propaganda
Mesmo com o controle dos pais, há outros fatores que podem
influenciar a entrada precoce do álcool na vida dos menores. "A
propaganda de cerveja na televisão, mesmo não sendo direcionada à
criança, influencia o consumo. Ela acaba se associando com
atividades esportivas, coisas que o adolescente gosta", afirma
Edgard Rebouças, coordenador do Observatório da Mídia, da
Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e conselheiro do
Instituto Alana.
Segundo a Ambev, uma das maiores empresas de bebidas do mundo, o
consumo de bebidas por menores é algo que a marca quer evitar.
"Esse lucro não nos interessa. Fazemos de tudo para que essa
relação do menor com a bebida não aconteça", diz Ricardo Rolim,
diretor de relações socioambientais da Ambev. Ele cita programas da
empresa, como o Jovem Responsa, que, em parceria com 21 ONGs de
todo o País, já levou orientações de consumo consciente a mais de
57 mil jovens direta e indiretamente.
Para Betânia Gomes, que pesquisou o tema na Escola de Enfermagem
de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), faltam
políticas públicas mais efetivas sobre a questão. "Precisamos de
mais iniciativas oficiais de promoção e campanhas educativas para
que esses meninos e meninas não comecem a beber tão cedo", diz a
pesquisadora.