Reajustes abusivos e cobertura a
tratamento negado engrossam os processos de pacientes contra planos
de saúde em todo o Brasil. Levantamento a que UOL teve acesso
indica que o número de ações desse tipo passou de 10.585 em 2013
para 56.218 no ano passado, um aumento de 431%.
Entre 2013 e agosto de 2018, 230.921 processos contra operadoras e
seguradoras de saúde foram ajuizados no país. Cerca de 99% tramitam
nas Justiças Estaduais (229.511), enquanto 1% (1.410) é julgado em
instância Federal. "Na Justiça Federal são em menor número, porque
processam os planos fornecidos por órgãos vinculados ao Poder
Executivo, à Justiça Militar e planos de autogestão", explica o
advogado especializado Leonardo Sobral Navarro.
São planos de saúde oferecidos pelo Correios, Caixa Econômica
Federal, Banco do Brasil e Fusex (Fundo de Saúde do Exército), por
exemplo.
O estudo da Kurier Analytsc, empresa especializada em
extração, análise e distribuição de informações para o mercado
jurídico, indica que ações contra as operadoras chegou a 41.232 em
2014. A partir de então, esse volume só aumentou: 45.923 (2015),
53.235 (2016) e 56.218 (2017). Entre janeiro e agosto de 2018, já
são 23.728 processos contra operadoras e seguradoras.
São Paulo é o líder do ranking, com 96.185 processos protocolados
nos últimos cinco anos, o equivalente a 42% do total. Bahia
(49.336), Rio de Janeiro (26.234), Pernambuco (18.280), Distrito
Federal (8.293), Santa Catarina (5.745), Minas Gerais (5.453),
Espírito Santo (2.661), Maranhão (2.360) e Paraíba (2.274)
completam o top 10.
O advogado acredita que a Bahia deixou para trás outras regiões
mais populosas, como o Rio de Janeiro, porque muitos usuários de
planos no estado trabalham com atividades que exigem esforço
físico. "São trabalhadores contratados para limpeza, segurança e
construção civil, o que gera uma utilização altíssima dos planos
empresariais e, logo, uma grande demanda para o judiciário."
Razões para o aumento
O salto na quantidade de processos foi maior de 2013 para 2014:
389%. "Era o início da crise econômica. Com a perda de segurados,
as operadoras aplicaram reajustes mais pesados e passaram a recusar
procedimentos para recuperar receita", explica o advogado.
Outro motivo é o próprio avanço da medicina. "Os médicos indicam a
seus pacientes o tratamento que eles entendem ser o melhor naquele
momento. O que acontece é que muitos desses procedimentos ainda não
foram autorizados pela ANS (Agência Nacional da Saúde), que
atualiza a cada dois anos o rol de serviços que os planos são
obrigados a oferecer a seus clientes", diz Navarro.
Quando não negam a prestação do serviço, algumas empresas de saúde
se calam. "Muitos planos deixam o consumidor esperando
esclarecimentos de forma indeterminada. O paciente aguarda a
liberação com dor. Há um pouco de má gestão no cumprimento dos
prazos determinados pela ANS para aprovar ou não a realização de
procedimentos, tratamentos e exames."
Para a presidente da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde
Suplementar), Solange Beatriz Palheiro Mendes, o alto volume de
processos nos últimos anos reflete o alto custo dos planos e a
decisões médicas precipitadas.
"O profissional de saúde pede urgência para uma cirurgia de coluna
em uma pessoa jovem, por exemplo. Nem sempre é urgente, é eletiva.
Não é caso de vida e morte. Outros médicos prescrevem remédios
ainda não autorizados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância
Sanitária)", diz. "As decisões judiciais para esses pedidos estão
pendendo mais ao interesse individual, não estão amparados nos
contratos, fomentando a busca pelo judiciário."
Mensalidades
Solange e Navarro concordam que também provoca uma corrida à
Justiça. De acordo com a Unidas (União Nacional das Instituições de
Autogestão), o preço das consultas saltou 37% entre 2013 e 2018 no
Brasil. No mesmo período, os exames, internações e a rede de
cobertura ficaram 49%, 73% e 88% mais caros, respectivamente.
O advogado cita o caso de uma cliente que viu seu boleto passar de
R$ 656, em 2013, para R$ 1.890 em 2015, quando ela completou 59
anos. Hoje, seu plano custa R$ 3.090. "Como o Estatuto do Idoso
impede aumento por faixa-etária a partir dessa idade, as operadoras
aplicam um percentual altíssimo de reajuste a cada aniversário do
plano", explica o advogado.
Para a presidente da FenaSaúde, "os reajustes estão realmente muito
elevados porque os custos estão descontrolados". "Defendemos o
controle de custos, mudando, por exemplo, o modelo de remuneração
[aos médicos e unidades de saúde], que hoje recebem pela quantidade
de procedimentos realizados e não pelo resultado de seus
tratamentos."