Sueli De Vita Ares está travando
uma luta com a SulAmérica Saúde após ver o seu plano médico
reajustado em pouco mais de 100% em janeiro deste ano. Isso porque,
em agosto do ano passado, a Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS) determinou a suspensão dos reajustes, por faixa etária ou
anuais, por 120 dias, devido à pandemia de covid-19. Três meses
depois, em novembro, no entanto, permitiu que o reajuste represado
fosse cobrado, de forma diluída por 12 meses, a partir de
janeiro.
Até dezembro de 2020, Ares,
aposentada e com 59 anos, pagava R$ 4.192,58 pelo plano. Em janeiro
de 2021, passou a pagar R$ 8.484,72. O novo valor corresponde à
soma de R$ 3.541,22, (referente ao reajuste anual e o reajuste por
faixa etária) com R$ 750,92 (referente à primeira das 12
parcelas em que foi diluído o reajuste de 2020, que havia sido
suspenso no início da pandemia). Com a mudança, Ares tenta agora
cancelar o plano de saúde.
:: Trinta anos: SUS resiste a desafios estruturais,
desmonte do governo e pandemia ::
Segundo Ana Carolina Navarrete,
pesquisadora em saúde do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec),
ainda que a suspensão tenha sido “benéfica” para os consumidores,
foram dados apenas 120 dias. “No entendimento do Idec, essa
medida precisaria valer pelo menos de março até dezembro, dando
fôlego necessário para os consumidores se recuperarem”, afirma a
pesquisadora.
Após a decisão da ANS em permitir a
cobrança dos valores represados, o Idec entrou com um pedido de
liminar na Justiça para impedir a recomposição dos reajustes
referentes ao ano passado. A solicitação está em tramitação.
Planos de saúde lucraram durante pandemia
Na avaliação de Ana Carolina
Navarrete, “os números do setor mostram que o mercado vai
‘muito bem, obrigado’ e que a pandemia gerou lucros para o mercado
de plano de saúde. Ao contrário do que aconteceu com diversos
outros setores.”
A inadimplência caiu de 8% para 6% entre novembro de
2019 e novembro de 2020. No mesmo período, o mercado de plano
de saúde saiu de 46,9 milhões de contratantes para 47,3 milhões de
beneficiários em planos de assistência médica.
Somente no terceiro trimestre de
2020, as operadoras tiveram um resultado líquido financeiro, que é
o lucro da empresa descontado todos os custos de exercício, de R$
15,9 bilhões, diante de R$ 2,3 bilhões em relação ao primeiro
trimestre; e de R$ 9,2 bilhões do terceiro trimestre de
2019, segundo dados da ANS. Paralelamente, Navarrete
lembra que os consumidores tiveram perda de emprego e renda.
Frente a esse quadro, a
pesquisadora acredita que não há justificativas plausíveis acerca
da necessidade de recompor os reajustes. O pedido da liminar do
Idec, nesse sentido, solicita a abertura de uma câmara técnica, com
participação social, para que o setor traga a necessidade da
recomposição.
“A agência tem divulgado boletins
mensais sobre o desempenho do mercado e têm mostrado primeiro uma
queda significativa na taxa de uso do plano. Embora as empresas
digam que tiveram de atender os casos de covid, comprar
equipamentos... Do outro lado, a economia foi muito violenta,
porque as pessoas deixaram de acionar o plano, deixaram de ir a
serviços de saúde, adiaram consultas eletivas não urgentes, com
medo de se infectarem”, afirma Navarrete.
Somam-se a isso os benefícios
concedidos pelo governo federal às seguradoras durante a pandemia,
como a liberação dos ativos garantidores, um valor transferido para
as operadoras para que tolerem os inadimplentes, e o adiamento dos
prazos de atendimento. Antes, o prazo para realizar uma consulta
médica era de sete dias; para uma consulta com especialista, 14
dias; exames, três dias úteis. Com a pandemia, esses prazos
dobraram. “Ou seja, permitiu que as operadoras pudessem atender com
mais demora os consumidores. Isso, sem dúvida, beneficiou”, avalia
a pesquisadora do Idec.
:: O direito à saúde é de responsabilidade do
Estado ::
O
que a legislação diz sobre o assunto?
De acordo com Renata Severo, sócia
do escritório Vilhena Silva Advogados, especialista na área de
Direito à Saúde, o consumidor pode discutir os valores
judicialmente a partir do momento em que reajustes abusivos são
cobrados, que vão variar de acordo com o tipo de contratação e a
faixa etária do consumidor.
Para contratos individuais, o
reajuste anual é controlado pela ANS e não pode ser superior a
8,14%, como definido em 2020. Esse valor, explica Severo, não tem
como ser questionado, porque já é determinado pela própria agência
reguladora. Mas em relação aos contratos coletivos empresariais e
coletivos por adesão anuais, não há uma regulamentação da ANS do
limite que pode ser cobrado.
Logo, “a partir do momento em que o
consumidor verifica que estão sendo aplicados valores muito
elevados, sem justificativa por parte da operadora, pode discutir
esses reajustes”, explica Severo.
Com relação aos reajustes por faixa
etária, estes são previstos nos contratos com as seguradoras, mas
devem seguir as recomendações da Resolução Nacional nº 63, de
dezembro de 2003, da ANS, que define os limites dos preços por
faixa etária para contratos firmados após 2003.
De acordo com o documento, existem
três regras: “o valor fixado para a última faixa etária não poderá
ser superior a seis vezes o valor da primeira faixa etária; a
variação acumulada entre a sétima e a décima faixas não poderá ser
superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixas;
as variações por mudança de faixa etária não podem apresentar
percentuais negativos”.
Mas, novamente, “isso não quer
dizer que não podem ser questionados pelo consumidor a partir do
momento em que verifica essa abusividade”. Isso porque, em relação
aos reajustes acima de 60 anos e aos 59 anos, em contratos
individuais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em 2018,
que é preciso comprovar a necessidade de reajuste, haver previsão
contratual e não onerar excessivamente o consumidor, como é o caso
de Sueli de Vita Ares. Sobre os contratos coletivos, o tema do
reajuste por faixa etária ainda está em discussão.
Há também a Lei 9.656, que dispõe sobre os planos de saúde no
Brasil, cujo entendimento é que aos consumidores há mais de 10
anos no plano de saúde não podem sofrer reajuste após os 60
anos.
Dificuldades de cancelamento
A aposentada Sueli De Vita Ares
também acusa a SulAmérica Saúde de dificultar o cancelamento do
plano de saúde. Com o aumento da mensalidade, Ares tenta cancelar o
contrato por meio de telefonemas e e-mails, que não têm sido
respondidos pela empresa.
Outro lado
O Brasil de
Fato entrou em contato com a SulAmérica Saúde e a
ANS para comentar os reajustes. Até a publicação da
reportagem, no entanto, não houve nenhum da ANS.
Em nota, a SulAmérica informou que
"cumpre rigorosamente as determinações da Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS). Sendo assim, o valor do reajuste suspenso de
setembro a dezembro de 2020 será aplicado a partir de janeiro e
parcelado em 12 vezes. Para planos individuais será aplicado o
índice definido pela ANS. Para os planos coletivos, os reajustes
são calculados de acordo com as regras de cada contrato."