Mudanças na regulação e inovações favorecem o surgimento de novos
produtos e de start-ups que prometem reduzir custos e popularizar
esse mercado
Um seguro que você pode decidir a cada mês se vai usá-lo ou não.
Uma proteção para automóvel com custo por quilômetro rodado.
Geolocalização que informa a seguradora quando o carro está na
garagem — onde há menos risco de acidente ou roubo — e reduz o
valor do seguro. Indenização que sai em segundos. Apólice única
para casa, vida e carro.
Essas são algumas das inovações que a tecnologia e mudanças
recentes na regulação estão trazendo para o setor de seguros no
país. E, de acordo com as empresas, reguladores e especialistas que
atuam nesse mercado, isso é só o começo.
— Estamos vivendo uma mudança de paradigma — define o advogado
especializado no setor Carlos Harten, sócio do Queiroz Cavalcanti
Advocacia e presidente da Comissão de Direito Securitário da OAB
nacional. — E temos apenas um terço das mudanças em normas já
concluídas, o restante está em debate e deve ser concluído neste
ano, modernizando os seguros no país.
O
tipo de revolução que começa a ser visto no setor de seguros,
normalmente conservador e que parecia um tanto parado no tempo, é
comparável ao que foi vivido no setor bancário com o surgimento das
fintechs, as start-ups financeiras, e inovações recentes
introduzidas pelo Banco Central, como o sistema de transferências
instantâneas Pix e o open banking, que promete acirrar a
concorrência no setor bancário com o compartilhamento de
informações dos consumidores entre as instituições.
No setor de seguros, as mudanças chegam a diferentes segmentos e
também devem ampliar a concorrência.
— Hoje, nosso cliente não nos compara com outras empresas de
seguros. Compara todo o segmento com outros, quer as mesmas
facilidades e inovações que estão em outros mercados — diz Marcelo
Picanço, vice-presidente de Seguros da Porto Seguro.
‘Insurtechs‘
Para ele, o cliente quer uma “jornada digital”, mais simples e
barata. Caminho que a Porto Seguro tenta traçar com o Bllu, seguro
de automóveis que começou a vender de forma experimental no
interior do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.
Trata-se de um seguro de carro por assinatura. O cliente pode
“ligar ou desligar” mensalmente. Dessa forma, só paga pelo período
em que ativar a proteção. O objetivo é dar previsibilidade ao
cliente, custos menores — há, por exemplo, uma rede de oficinas
dedicadas que podem usar peças similares, ao contrário das
caríssimas originais — e maior agilidade. Isso pode ajudar a
aumentar as vendas do setor, avalia Picanço:
— O
segmento de seguros está longe de ser maduro no Brasil. Apenas 30%
dos carros são segurados. Estamos focando nos 70% descobertos.
Esse
novo universo também está no foco da Pier. Dos 35 mil clientes de
seguro auto e de celular da insurtech (como são chamadas as
start-ups do setor de seguros), 75% nunca haviam tido esse tipo de
proteção para seus automóveis.
Entre os consumidores que
contrataram seguro para roubo e furto de celular da empresa, metade
nunca havia adquirido qualquer apólice na vida.
Agregando tecnologia aos seus produtos, a empresa consegue cruzar
dados e oferecer coberturas personalizadas com custo menor e
agilidade no pagamento de sinistros, explica Igor Mascarenhas,
cofundador e presidente da empresa:
— Conseguimos realizar pagamentos em segundos. Também conseguimos
ver quando o carro está na garagem ou em uma estrada a cem
quilômetros por hora, o que praticamente zera o risco de roubo, e
isso se reflete no preço do produto. Todos os dias processamos 45
mil informações diferentes, é como se avaliássemos cada cliente
diariamente.
Os carros da Jeep fabricados no Brasil já saem de fábrica com um
chip da Pier. Em outra start-up do setor, a Thinkseg, o diferencial
é o seguro pay per use. A apólice que cobre um automóvel, por
exemplo, pode partir de R$ 25 mensais, acrescidos de centavos por
cada quilômetro rodado.
Também com o uso intenso de tecnologia é possível segurar o carro
quando ele realmente corre riscos, diz André Gregori, presidente da
companhia:
— Quando seu carro está estacionado em um shopping, no modelo
tradicional, ele tem dois seguros: o do próprio veículo e o do
estabelecimento. Se a pessoa usa o serviço de valet, ainda há um
terceiro, o da empresa do manobrista. Isso tudo faz com que muitas
pessoas paguem muito (em seguro) por momentos em que não
precisam.
Este tipo de inovação introduzida pela tecnologia em um setor
tradicional e ultra regulamentado só foi possível com uma mudança
recente na visão da Superintendência de Seguros Privados (Susep), a
agência reguladora do setor, observam especialistas e operadores
desse mercado.
A economista Solange Vieira, superintendente da Susep, diz que o
objetivo de sua gestão é ampliar o mercado segurador, a
concorrência e criar novos formatos.
Ela diz que muitas novidades ainda estão a caminho, como seguros
que protegem o motorista e não os carros, os combos de diversas
modalidades em uma única apólice e uma espécie de marketplace para
novos operadores. Segundo Solange, a Susep deixou de formatar os
produtos, dando liberdade para as seguradoras.
— Graças ao sandbox (ambiente regulatório experimental para
projetos inovadores de start-ups), estamos ampliando o acesso a um
dos setores mais regulamentados do país, sem abrir mão da segurança
dos seguros — afirmou a superintendente. — O setor de seguros
cresceu e tem um potencial enorme.
Foi esse modelo adotado pela Susep que permitiu a operação de
start-ups como Pier e Thinkseg entrassem em operação. Nova rodada
será aberta para outras 15 empresas.
— Há
uma tecnologia que está revolucionando vários setores, mas a Susep
é hoje um regulador disruptivo, não está apenas seguindo as
mudanças naturais do setor — analisa Péricles Gonçalves,
pesquisador da FGV Direito Rio e professor associado ao Instituto
de Inovação em Seguros e Resseguros da FGV. — Há um ambiente de
extinção de normas obsoletas e simplificação do arcabouço
regulatório.
Custo de capital elevado
O jurista Carlos Harten ressalta que a adesão das empresas a essas
inovações vai ditar o ritmo de novos produtos aos consumidores.
Antonio Trindade, presidente da Federação Nacional de Seguros
Gerais (FenSeg), afirma que a pandemia turbinou a busca de seguros,
dos mais variados segmentos, de vida a empresariais, acelerando as
inovações. Na opinião dele, as empresas estão se preparando para
mais mudanças nas normas do setor.
Bárbara Leme Possignolo, presidente da Associação Brasileira de
Insurtechs, afirma que as novas normas da Susep geram muito mais
flexibilidade para as empresas inovadoras, mas ainda há
desafios:
— Ainda há um custo de capital elevado para as start-ups de seguro,
e precisamos ampliar os mecanismos de acesso à informação.
Outra inovação no setor de seguros é o open insurance, que vai
permitir ao consumidor compartilhar suas informações entre
seguradoras.
A exemplo do que o open banking promete fazer pelo setor bancário,
essa ferramenta vai gerar maior competição no segmento de seguros,
com a possibilidade de as empresas oferecerem produtos sob medida
para o consumidor com melhores condições que as dos concorrentes.
Mas há divergência no mercado sobre o seu real impacto.
Alexandre Putini, diretor de Transformação Digital, Inovação e
Advanced Analytics da SulAmérica, vê a novidade como um meio de
democratização do setor:
— O open insurance tem o potencial de empoderar os clientes e
flexibilizar a criação de novos produtos e serviços, no qual, de
fato, o cliente passará a ter mais domínio e poder de decisão para
combinar seus negócios de acordo com suas preferências nas
seguradoras. É um caminho para a democratização de acesso aos
produtos de seguros e previdência.
Diferente dos bancos
Marcelo Picanço está entre os céticos. Ele afirma que mesmo nas
nações mais desenvolvidas no open banking, como França, Alemanha e
Reino Unido, o open insurance ainda é uma promessa. Isso porque são
setores bem diferentes.
Enquanto o cliente tem contato quase que diário com seu banco, a
relação com as seguradoras é mais pontual, com muito menos
barreiras para que o consumidor troque uma empresa por outra.
— Open insurance vai trazer uma mudança pequena. Já vivemos em um
ambiente open (aberto). Nos bancos a perda anual de clientes é de
5% a 6% ao ano, já as seguradoras benchmark do segmento em
renovação perdem 20% de seus clientes em um ano — diz Picanço.
Alexandre Leal, diretor técnico da Confederação Nacional das
Seguradoras (CNseg), diz que a entidade é crítica da celeridade e
da falta de consultas públicas para a implementação do open
insurance:
— Todo o processo tem sido feito de forma muito acelerada, para
cumprir o calendário do Banco Central, que quer parte operando em
dezembro. Pode haver até conflito entre o que são dados do cliente
e o que são dados da seguradora, decorrente de análise, tecnologia
e até inteligência artificial — afirmou Alexandre Leal, diretor
técnico da CNseg.
Obras públicas
Solange Vieira,da Superintendência de Seguros Privados (Susep),
brinca que “se o setor está reclamando, é sinal de que estamos em
um bom caminho”. Ela classifica as críticas como “reclamações
naturais de mudanças de paradigma”:
— O fato é que o open insurance tem o potencial de ajudar o setor a
crescer, ampliando a taxa de seguro na população.
Outra novidade no setor de seguros é decorrente da Nova Lei de
Licitações. Ao ampliar o seguro para obras públicas, obrigatórios
em contratos acima de R$ 200 milhões, a legislação cria, ao mesmo
tempo, um novo mercado e desafios para as seguradoras.
— Na verdade, as seguradoras entrarão nas obras, elas não vão
apenas avaliar os riscos, mas terão de acompanhar a execução, o
trabalho de terceiros, a qualidade dos materiais. Haverá uma nova
dinâmica — diz Antonio Trindade, presidente da Federação Nacional
de Seguros Gerais (FenSeg), lembrando que as empresas do segmento
já estão contratando engenheiros para suas novas áreas de obras
públicas voltadas para essa demanda.