"O mundo está prestes a perder essas curas milagrosas", já disse
a diretora da OMS (Organização Mundial da Saúde), Margaret Chan,
sobre os antibióticos.
Chan se referiu a um futuro tenebroso e possível no qual
infecções comuns não terão cura. É o que especialistas chamam de
era pós-antibióticos.
Esses remédios têm como alvo as bactérias, mas esses
micro-organismos sempre acham uma forma de sobreviver e se tornarem
resistentes, o que pede o uso de novos medicamentos. Por isso,
antibióticos têm um tempo determinado de validade.
O problema é que o arsenal terapêutico e o desenvolvimento de
novas drogas só diminuiu nas últimas décadas. A última classe de
antibióticos foi descoberta em 1987.
O mal uso dos antibióticos (seja sem necessidade ou por tempo e
dose incorretos) e o maior tráfego global de bactérias resistentes
pioram o cenário.
Neste ano, um relatório dos Centros de Controle de Doenças dos
EUA chamou a atenção para o problema da gonorreia resistente às
cefalosporinas, classe de antibióticos usados no tratamento dessa
doença sexualmente transmissível.
Para retardar o surgimento de uma superbactéria resistente, os
CDCs mudaram as diretrizes do tratamento, que agora deve combinar
um remédio oral e outro injetável.
As bactérias causadoras da tuberculose também geram preocupação,
assim como a KPC, resistente à maioria dos medicamentos e que
normalmente atinge pessoas hospitalizadas.Na semana passada, o
Hospital de Clínicas da Unicamp anunciou que teve 11 casos de
infecções pela KPC entre dezembro e março.
FALTA DE INVESTIMENTO
O corte em investimentos em pesquisa e desenvolvimento de
antibióticos pelos laboratórios multinacionais se deve, em parte, a
fusões recentes entre as grandes empresas do setor.
Segundo a OMS, 8 das 15 maiores farmacêuticas que tinham programas
de descoberta de antibióticos abandonaram essa área --outras duas
reduziram seus esforços.
Anna Sara Levin, coordenadora do grupo de controle de infecção
hospitalar do Hospital das Clínicas da USP, lembra que drogas
antigas para hipertensão e diabetes, desenvolvidas nos anos 1950,
ainda funcionam, ainda que existam opções mais modernas.
"Já com os antibióticos, a resistência vai aparecer de qualquer
maneira. Como as pesquisas são caras e levam tempo, a indústria vê
isso como um mau negócio."
É nesse "vácuo" que médicos, pesquisadores e autoridades de
saúde da Suécia veem "uma oportunidade e a responsabilidade" de
oferecer soluções, segundo Linus Sandegren, pesquisador do
departamento de bioquímica médica e microbiologia da Universidade
de Uppsala, no norte da Suécia.
O país tem uma taxa baixa de resistência a antibióticos, mas
cinco universidades na região de Estocolmo e Uppsala desenvolvem
mais de 30 projetos de estudo nessa área.
"O país percebe que a resistência é um problema enorme e é
preciso investir dinheiro agora para evitar uma catástrofe depois",
afirma Anna Zorzet, diretora-executiva-assistente do ReAct, uma
rede global independente contra a resistência a antibióticos,
sediada na Universidade de Uppsala.
Em 2012, o primeiro-ministro sueco anunciou um investimento de US$
220 milhões para os quatro anos seguintes em pesquisas nessa
área.
As investigações incluem o desenvolvimento de novas drogas e a
revisão de medicamentos antigos ou que foram descartados
anteriormente.
Um dos estudos clínicos, no Hospital Universitário de Uppsala,
pretende determinar regimes de dosagem ideais de antibióticos e
testar combinações de drogas existentes contra bactérias
multirresistentes.
NOVA GERAÇÃO
Mas só o lançamento de novos antibióticos no mercado não vai
resolver o problema da resistência a antibióticos, segundo Diarmaid
Hughes, professor de bacteriologia molecular médica da Universidade
de Uppsala.
"É necessário antes aprender sobre o uso e o abuso de
antibióticos das últimas décadas que fizeram o problema da
resistência chegar nesse estado atual; chegar à raiz do problema
antes do possível mau uso de uma nova geração de antibióticos."
Anna Sara Levin, do HC, toca no mesmo ponto. "Para não vivermos
uma situação catastrófica no futuro, a solução é a prevenção. Isso
inclui o uso racional dos antibióticos e o controle das infecções
hospitalares."
Segundo ela, a maior parte do problema no Brasil não está na
geração desses micro-organismos resistentes mas sim na sua
transmissão.
"Cada 'monstro' gerado é disseminado para outros pacientes e
outros hospitais. Por isso, é primordial melhorar a qualidade dos
serviços de saúde."