A aprovação do projeto do Ato Médico pelo Senado Federal
na noite dessa terça-feira (18) gerou indignação entre as demais
categorias da área da saúde. A principal reclamação é que, caso o
projeto seja sancionado pela presidente Dilma Rousseff, a atuação
dos profissionais de saúde será cerceada. Por outro lado, os que
defendem o projeto afirmam que a regulamentação da profissão do
médico, que tem sua última lei de regulamentação sancionada há mais
de 50 anos, pretende impedir que outras profissões invadam o
exercício da medicina.
Amaury Ângelo Gonzaga, conselheiro do Conselho Federal de
Enfermagem (Cofen), afirma que o Ato Médico vai contra o que é
estabelecido pelo Sistema Único de Saúde, que prega uma relação de
multidisciplinaridade nos tratamentos. “O ato coloca o médico como
a cabeça que distribui as atividades dos profissionais”.
De acordo com o projeto, caberia exclusivamente ao médico a
prescrição e o diagnóstico de tratamentos. “Pela lei do exercício
da profissão de enfermeiro, podemos prescrever a continuidade do
tratamento de doenças como tuberculose, hanseníase entre outros”,
disse Gonzaga
Ele também critica o texto pouco preciso do projeto de lei. “São
os enfermeiros que fazem a coleta dos exames. Se cabe ao médico
procedimentos invasivos como é que isso vai ficar?”
“Isso vai ser um retrocesso. O ato médico é a tentativa de validar
a hegemonia de uma profissão sobre as outras”, disse a presidente
do Conselho Federal de Fonoaudiologia, Bianca Queiroga.
As categorias também afirmam que o projeto de lei também pode
sobrecarregar os médicos e fazer com que serviços corriqueiros hoje
sejam feitos com mais morosidade. “O médico também precisa do
trabalho dos profissionais de saúde, caso contrário, eles não vão
dar conta de tudo”, disse Bianca.
Bianca afirma que caso a lei seja sancionada pela presidente Dilma
Rousseff, um paciente que queira tratar de gagueira, por exemplo,
precisaria procurar primeiramente um médico que prescreveria o
tratamento indicado. “Fazemos terapias e ninguém melhor que o
próprio profissional de fonoaudiologia para prescrever estas
terapias”, disse.
Sobre a percepção de que a lei impediria que outras profissões
invadissem a atuação médica, Bianca é taxativa: “Fazemos terapias,
a nossa legislação já não permite que o fonoaudiólogo faça
operações, por exemplo”, disse.
“A gente defende a importância da regulamentação da medicina, mas
ela não pode cercear as outras profissões da área da saúde”.
Para outra conselheira do Cofen, Irene Ferreira, a falta de clareza
do texto deixa margens para interpretações o que prejudicaria o
paciente e o sistema de saúde como um todo. “Ele não diz o
enfermeiro perdeu o direito de fazer tal coisa, mas deixa questões
para a interpretação”, disse.
Irene afirma que por não apontar qual procedimento cabe a cada
categoria e se chocar com as leis que estabelecem as outras
profissões da área de saúde, o ato médico será mesmo decidido em
ações nos tribunais. “Essa lei só vai ser entendida quando for
posta em prática. Por enquanto é uma grande incógnita. O artigo 4,
que aponta as atividades privativas dos médicos é um emaranhado de
confusão”, disse.
Relação com os psicólogos
O artigo 4 também causou questionamentos entre os psicólogos. Para
o presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Humberto
Verona, o maior problema da lei está ali. “O artigo diz que o
diagnóstico nosológico (identificação da doença ou distúrbio) e
prescrição terapêutica são exclusivos dos médicos. Isso restringe a
atuação das outras profissões, então nós não poderemos mais
diagnosticar transtornos ou qualquer tipo de alteração da saúde
mental em nenhum paciente, pois estaríamos praticando um ato
médico, que seria um exercício ilegal”, explicou ao iG .
Verona se preocupa com o futuro acesso dos pacientes aos médicos.
“Queremos saber agora como é que o SUS e os planos de saúde vão dar
conta de ter médicos suficientes para fazer esses
diagnósticos”.
O conselheiro do CFP, Celso Tondin, diz que os psicólogos nunca
defenderam que a psicoterapia seja exclusiva deles. “Não se trata
de perder pacientes, mas sim da questão da reserva de mercado para
os médicos”, explica. “Isso cria uma instabilidade jurídica. O
Congresso Nacional teve a chance de pacificar o campo e apostou na
guerra. Estamos há 10 anos nas ruas, milhares de pessoas se
manifestaram contra o ato médico, colhemos 1 milhão de assinaturas,
mas o Senado não ouviu. Eles não escutaram as outras
Acupuntura
Outro ponto muito debatido é o tratamento por meio da acupuntura,
que é visto como uma invasão dos médicos naquilo que as outras
categorias vinham exercendo. “A acupuntura não era da alçada
exclusiva dos médicos até o Ato Médico”, disse Gonzaga. Irene
afirma que como uma terapia milenar, com treinamento e estudo
devidos ela pertença a qualquer profissão.
Educação Física
Entre os profissionais ouvidos pelo iG a única categoria que
parece satisfeita com o ato médico é a dos profissionais de
educação física. “Não haverá uma interferência da medicina sobre a
educação física, mas uma parceria”, disse Jorge Steinhilber,
presidente do Conselho Federal de Educação Física. Para ele, o
grande benefício do Ato Médico é exatamente o que as outras
categorias afirmam com maior problema: as consequências no sistema
multidisciplinar defendido pelo SUS. “Acreditamos que com o ato
médico haverá uma integração entre as duas profissões”, disse Jorge
Steinhilber.