O Ministério Público Federal de São
Paulo (MPF-SP) investiga as operadoras de plano de
saúde Amil e Bradesco
Seguros, e alguns de seus corretores, por estarem,
segundo o MPF, fraudando a venda de planos. De acordo com o
inquérito aberto, corretores propunham a clientes que tinham
intenção de fazer convênios individuais a criação de coletivos, que
são destinados a empresas. Em alguns casos, os próprios corretores
criavam uma Microempresa Individual (MEI) para os interessados, o
que configuraria a fraude. Para convencer os clientes, os
corretores alegavam que os planos feitos por meio de uma empresa
são até 35% mais baratos.
Eles não avisavam, porém, que os
convênios coletivos estão sujeitos a menor regulamentação da
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o que possibilita que
seu reajuste seja mais alto do que nos planos individuais, além de
abrirem a possibilidade de o contrato ser rescindido
unilateralmente pela operadora e de que a rede de atendimento seja
modificada de forma mais fácil.
Em nota, o MPF-SP afirmou que “além da
lesão ao consumidor de forma ampla, cada plano vendido dessa forma
também configura crime de estelionato”.
A investigação surgiu por meio da
Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF), que recebeu
denúncias de clientes que se sentiram lesados. De acordo com essas
denúncias, muitos clientes só ficaram sabendo que eram
proprietários de uma MEI quando tinham seu imposto de renda cobrado
pela Receita Federal. Em alguns casos, em vez da MEI era
constituída uma microempresa. A ABCF fez uma investigação própria e
visitou 10 corretoras, sendo que oito se ofereceram a criar o CNPJ
do cliente para que ele tivesse acesso ao plano mais barato.
De acordo com a investigação, Bradesco
Seguros e Amil eram as operadoras citadas pelos corretores que
propunham a prática – o que não quer dizer que ela seja restrita
somente às duas, nem que elas tenham alguma responsabilidade, já
que a iniciativa poderia partir do próprio corretor. Em nota, o MPF
afirmou que “já oficiou os planos de saúde Amil e Bradesco, cujos
corretores, segundo a denúncia, estariam incentivando a abertura de
MEIs, e os planos negaram que incentivem a prática”.
No entanto, o órgão ressaltou que
“essa prática criminosa de corretores envolve a questão mais
profunda do desaparecimento, na prática, de planos individuais do
mercado de planos de saúde. O MPF insiste, há anos, para que a
questão seja regulada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS) de forma que o consumidor possa ter essa opção”. A Bradesco
Seguros descontinuou os planos individuais em 2007. A Amil afirmou
que segue trabalhando com a modalidade.
A Federação Nacional dos Corretores de
Seguro (Fenacor) disse, por meio de nota, que “tais práticas não
envolvem corretores de e, sim,
vendedores de planos de saúde, que não têm qualificação
profissional”. O diretor de Saúde da Fenacor, Amilcar Vianna, disse
que, caso fique provado que quem induziu os consumidores a criar
uma microempresa com essa finalidade foram corretores
regularizados, eles podem ser denunciados a Superintendência de
Seguros Privados (Susep) e terem seus registros
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Aegon, PUC-Rio e IRB Brasil RE
De acordo com executivos do setor
ouvidas por EXAME, a maior regulamentação da área de planos
individuais faz com que as operadoras tenham mais interesse em
comercializar os empresariais. Em 2017, a ANS autorizou que os
convênios individuais fossem reajustados em, no máximo, 13,55%. Os
coletivos, que têm livre negociação entre os clientes e as
operadoras, foram reajustados, em média, em 14,71% no caso de
pequenas e médias empresas, e 19% em planos corporativos – mais de
30 funcionários.
“Ninguém é obrigado a
comercializar uma atividade com excesso de regulação e de controle
de preço. Você não pode chegar a um restaurante arrumado e pedir
para ele vender prato feito assim como não posso chegar a uma
operadora e obrigá-la a vender o plano individual, que sofre
inúmeros casos de fraude, judicialização em excesso, entre outros
problemas”, diz Reinaldo Scheibe, presidente da Associação
Brasileira de Planos de Saúde, a Abramge. Ele ressalta que, se as
fraude se confirmarem, é “caso de polícia”. Mas diz não acreditar
que as operadoras estejam colocando intencionalmente “para dentro
de suas bases” clientes advindos de tal esquema.
Nos últimos três anos, em plena crise
econômica, o número de pequenas e médias empresas contratando
planos de saúde coletivos aumentou em 70%. A ANS diz não saber
quantos planos coletivos estão ligados a somente uma pessoa, mas
afirma que são 4,5 milhões de planos com até 30 pessoas.
A Receita Federal suspendeu em outubro
1,4 milhão de MEIs que não pagavam os impostos e não apresentavam
movimentação de renda. “Boa parcela dessas empresas havia sido
criada nesse esquema e é possível que os devedores nem saibam que
estão em débito com a Receita”, diz Rodolpho Ramazzini, diretor da
ABCF. Em um cruzamento de dados feito pela associação com um
universo de 130.000 CNPJs dos que foram cancelados pela Receita,
cerca de 36.000 constam como tendo planos ativos na ANS. “A ANS tem
que dizer o que vai acontecer com esses clientes que já foram
lesados uma vez, se os planos deles serão cancelados ou se serão
transformados em planos individuais”, diz.
A ANS afirmou, por meio de nota, que
“a proposta de normativa está em discussão e ainda não há data
prevista para a publicação”. EXAME teve acesso à minuta da
Resolução Normativa (RN) que foi discutida pela agência. Ela cria
algumas regras para a comercialização dos planos para empresários
individuais. Uma delas é que a empresa esteja constituída há pelo
menos seis meses no momento da contratação, além de obrigar o
responsável pelo CNPJ e contratante do plano a “conservar sua
inscrição nos órgãos competentes”. Todo ano, no ato da renovação do
contrato, as operadoras deverão exigir a comprovação de que está
tudo em dia com a empresa.
Nada consta no texto sobre os planos
que estão em vigência, mas que tiveram o CNPJ cancelado pela
Receita. A agência disse que “não é adequado comentar pontos
específicos” neste momento. De acordo com Ramazzini, se for levado
em conta contratos de cerca de 300 reais mensais, o esquema é
bilionário. “A própria ANS não tem números fechados. Mas em uma
conta de aproximadamente 1.000.000 de planos constituídos mediante
fraudes com MEIs, o faturamento das operadoras que trabalham
errado vendendo esses planos é superior a 3 bilhões de reais
anuais”, diz.
De acordo com Scheibe, da Abramge, as
operadoras de planos já vinham tomando iniciativas para evitar as
fraudes por conta própria há pelo menos um ano. Depois de ouvirem
sobre as fraudes, elas teriam passado a exigir que as MEIs já
tivessem pelo menos três meses de vigência – em alguns casos, a
operadora exige seis meses – e que o cliente assinasse uma
declaração de que sabia que estava contratando o plano empresarial.
A investigação da ABCF, no entanto, foi realizada em meados de 2017
e nenhuma das corretoras visitadas fez tal exigência.
Procurada, a Bradesco Seguros disse
que “segue a legislação em vigor e adota critérios específicos para
a aceitação de pequenas e médias empresas nos planos do SPG (Seguro
Para Grupos), como a exigência de que a empresa contratante tenha,
no mínimo, seis meses de atividade. A sustentação do contrato está
condicionada à manutenção regular do registro da empresa”.
Já a Amil disse, por meio de nota, que
“informa que tem como política o descredenciamento de corretores
que induzem clientes potenciais a criarem um registro de
Microempreendedor Individual (MEI) com o único objetivo de
contratar um plano de saúde coletivo. Desde abril de 2016, para ter
acesso a essa modalidade de plano coletivo empresarial na Amil, são
exigidos, pelo menos, três meses de registro de CNPJ; uma carta
assinada pelo cliente, na qual ele confirma estar ciente de que
está contratando um plano empresarial; e uma declaração,
reconhecida em cartório, que certifica as finalidades empresariais
da pessoa jurídica. Todos os esclarecimentos a esse respeito estão
sendo prestados ao Ministério Público Federal do Estado de São
Paulo. A empresa ressalta que combate preventiva e criminalmente
qualquer tipo de fraude ou abuso no sistema de saúde”.
A ANS também informou que “como
entidade responsável pela regulação das operadoras de planos de
saúde, a Agência abriu processo administrativo para apurar a
eventual responsabilidade das operadoras em condutas infrativas por
parte de seus corretores”.