RIO - Moradora de Botafogo, a
advogada Sônia Magalhães levou um susto ao telefonar, na semana
passada, para um corretor de seguros: a renovação da apólice de seu
carro, um Versa, teria um reajuste de 140%. Pagaria a conta da
escalada da violência em seu bairro, onde a estatística de roubos
de veículos dobrou de 35 para 70 casos na comparação entre
fevereiro deste ano com o mesmo mês de 2017. Sônia reclamou, mas
não teve jeito — acabou fechando negócio após saber que já há
empresas se recusando a fazer contratos. Um levantamento feito
ontem, a pedido do GLOBO, revelou que duas de seis seguradoras que
atuam fortemente no mercado do Rio já se recusam a fazer cotação
para novos clientes na região onde mora a advogada e também em
Jacarepaguá, Tijuca, Bangu e Méier. E, segundo especialistas, há
empresas que jogam os preços para o alto, numa tentativa de fazer
com que o interessado desista da transação.
O GLOBO pediu a uma corretora do
estado que fizesse uma pesquisa dos preços de apólices. O veículo
utilizado para as cotações foi o mais vendido no país, o Onix 1.0,
zero quilômetro, que tem preço a partir de R$ 44.847. E o perfil
escolhido para o proprietário é o de um condutor de 35 anos, casado
e sem filhos, com garagem em casa e no trabalho, características
consideradas bem aceitas no mercado. O resultado mostrou que a
violência pesa muito no bolso de quem dirige pelas ruas do Rio.
Duas seguradoras se negaram a elaborar
novas apólices para os cinco bairros com maior crescimento
percentual de roubos de veículos. Jacarepaguá encabeça esse ranking
com 206% — na comparação entre fevereiro do ano passado e o deste
ano, o número de ocorrências passou de 30 para 92. Em seguida, vêm
Botafogo, com 100% (aumento de 35 para 70 casos); Tijuca, com 83% (
de 77 para 141); Bangu, com 71% (de 206 para 353); e Méier, com 50%
(de 236 para 356).
A pesquisa, elaborada pela Bidu
Corretora, também chama a atenção a disparidade entre valores
informados por seguradoras que emitiram ofertas. Em Jacarepaguá,
por exemplo, o preço da apólice varia de R$ 2.606 a R$ 6.709, uma
diferença de 157%. Para um endereço de Botafogo, as propostas
partem de R$ 2.077, mas podem chegar a R$ 5.280.
Na Tijuca, o seguro mais barato foi
cotado em R$ 2.572, enquanto a proposta mais cara ficou em R$
5.537, o que deu uma variação de 115%. Os valores cotados para o
Méier são os mais expressivos: variam de R$ 3.724 a R$ 9.195
(diferença de 146%). A média, no bairro, ficou em R$ 7.004.
Coordenadora de marketing da Bidu
Corretora, Marcella Ewerton ressaltou que cada seguradora faz
avaliações de riscos de forma independente, em cima de estatísticas
que nem sempre são as mesmas da concorrente.
— A disparidade entre os valores é
realmente bem expressiva, mostra um momento atípico do mercado.
Estamos abordando um mesmo tipo de cobertura, as seguradoras
trabalham com um padrão de apólice, mas, muitas vezes, entendem os
riscos de maneiras diferentes. Todas as empresas do setor funcionam
com estatísticas, consultam bases de dados alimentadas ao longo de
anos, ou seja, têm um volume muito grande de informações para
observar antes de fazer uma oferta — disse Marcella. — De qualquer
forma, as análises que fazemos desse cenário no Rio mostram que não
existe uma negativa de forma generalizada para alguns bairros. A
grande diferença que vimos nas cotações está ligada mais à
composição de fatores locais do que a uma percepção de cidade
violenta.
Corretor experiente, Saulo Laurindo
reconheceu que a onda de violência que os cariocas enfrentam vem
impactando fortemente o mercado de seguro para veículos.
— Alguns endereços estão marcados pela
falta de segurança. Em muitas situações, as seguradoras não negam
contrato, mas elevam o valor da apólice a tal ponto que o cliente
acaba desistindo de fechar negócio — afirmou Laurindo,
acrescentando que muitos corretores estão reduzindo o percentual de
suas comissões para não deixarem de vender seguros.
Segundo o presidente do Sindicato dos
Corretores do Rio, Henrique Brandão, a criminalidade em alta vem
prejudicando a categoria:
— A violência carioca impacta a vida
de todos. Hoje, o corretor perdeu de 40% a 50% do que ganhava há
três anos. Motoristas não estão tendo condições de fazer apólices
porque o seguro ficou muito caro, principalmente em áreas
conflagradas.
Ronaldo Vilela, diretor-executivo do
Sindicato das Seguradoras do Rio de Janeiro e do Espírito Santo,
frisou que índices regionais de roubos de veículos têm grande peso
na composição do valor de uma apólice:
— Nos últimos 20 anos, o mercado
evoluiu muito na busca pelo que chamamos de justiça tarifária, isto
é, dar o melhor preço em cima de fatores bem avaliados. Avaliamos
todas as probabilidades, como a chance de um motorista ser rendido
às 18h na Zona Sul e na Baixada Fluminense. Buscamos o bom senso,
baseado em estatísticas.
EM BANGU, APENAS UMA
EMPRESA
Cinco das seis seguradoras pesquisadas
não emitiram propostas de seguro para Bangu. O mesmo aconteceu
quando foi feita uma consulta para Belford Roxo, município com
elevado índice de roubos de carros — teve um aumento de 175 para
266 casos (52%), também na comparação de fevereiro deste ano com o
mesmo mês em 2017. A cidade da Baixada aparece em oitavo lugar na
lista de lugares do estado com maiores estatísticas do crime.
Procurada para comentar a variação de
preços nas cotações e a recusa de algumas empresas em vender
apólices, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) informou
que não regula os valores cobrados pelas companhias do setor. No
entanto, a autarquia, vinculada ao Ministério da Fazenda e
encarregada de fiscalizar o setor, explicou que seu normativo 251,
de abril de 2004, estabelece que “fica a critério da sociedade
seguradora a decisão de informar ou não, por escrito, ao
proponente, ao seu representante legal ou ao corretor de seguros,
sobre a aceitação da proposta, devendo, no entanto,
obrigatoriamente, proceder à comunicação formal, no caso de sua não
aceitação, justificando a recusa”.
Por meio de sua assessoria de
imprensa, a Susep informou ainda que pode ser acionada pelo
consumidor que se sentir lesado. Nesse caso, o órgão abre um
processo e tem a prerrogativa de aplicar uma multa.