RIO - Planos de saúde coletivos têm
sido alvo de ações na Justiça contra aumentos abusivos praticados
pelas operadoras. Clientes deste tipo de plano têm conseguido na
Justiça a redução dos reajustes anuais. O que chama a atenção é
que, em muitas destas ações, magistrados limitam o valor do aumento
ao teto da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para
reajuste de planos individuais.
LEIA MAIS: Saiba por que a maioria dos anestesistas não
é credenciada pelos planos de saúde
Saiba o que não pode ser cobrado pelos planos de
saúde
Em um dos casos, julgados pelo TJ-SP,
a operadora aplicou reajuste de 17,36% nas mensalidades do plano de
saúde em 2017. Na decisão, o juiz Sidney Tadeu Cardeal Banti, além
de limitar o percentual de reajuste ao percentual firmado pela ANS
para os planos individuais, também julgou como indevido os
reajustes dos anos anteriores aplicados ao contrato da cliente,
entre 2012 e 2016. Além disso, o magistrado determinou que o valor
da diferença fosse devolvido pela operadora, acrescido de 1% de
correção monetária por mês.
Em outra ação, uma beneficiária de 59
anos, que teve o reajuste por faixa etária aplicado, reclamava do
aumento de 107,51% na mensalidade do plano de saúde, que saltou de
R$ 1.172,29 para R$ 1.758,43. Na ação, a beneficiária pediu que o
reajuste fosse readequado para 50% de correção. Na decisão, além de
dar ganho de causa para a cliente, a juíza do caso determinou a
devolução do que foi pago no período de quatro meses pela autora do
processo.
VEJA
TAMBÉM: ANS
realizará audiência pública para discutir reajuste para planos
individuais
Planos de saúde não são obrigados a custear fertilização in
vitro
Na decisão, a magistrada Bruna Carrafa
Bessa Levis escreveu que “as pessoas procuram os planos e seguros
de saúde para a garantia de serviços médico-hospitalares nas idades
mais avançadas, oportunidade em que as doenças são mais frequentes
e há mais necessidade de utilização dos serviços de saúde. Assim
sendo, quando se constata a majoração por faixa etária em
percentuais elevados nas idades mais avançadas, conclui-se que a
fornecedora de serviços médico-hospitalares almeja, ao menos de
forma indireta e reflexa, a própria desconstituição do contrato, já
que a inadimplência dos consumidores será natural e lógica”.
Para o advogado Marcio Amato, do Amato
Filho – Advogados, que representou as clientes nos casos, a decisão
da Justiça é plausível, visto que empresas que vendem planos de
saúde coletivos praticam reajustes abusivos nos contratos.
— Detectei que haveria chance de
reduzir o índice de aumento abusivo pois os planos na modalidade
coletiva não obedecem o índice da ANS, e é difícil eles darem uma
Justificativa para o aumento. As operadoras simplesmente encaminham
uma carta falando sobre o valor do reajuste. Isso não pode
acontecer. É necessário dar uma explicação plausível e que seja
comprovada para os reajustes — afirma o advogado, que destaca uma
decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que considerou
abusivo o reajuste de planos de saúde por índices que visam os
fornecedores, sem que se dê ao consumidor qualquer satisfação sobre
o critério para o aumento.
Falta
regulamentação
De acordo com a legislação vigente dos
planos de saúde, a ANS só tem jurisdição sobre os reajustes dos
planos individuais. A regulamentação específica, de acordo com
decisão recente do juiz Sidney Tadeu Cardeal Banti, tem como motivo
principal objetivo evitar o aumento abusivo, “pois o consumidor
individual não possui nenhum poder de barganha perante a empresa
administradora do plano/seguro saúde e a empresa de saúde”.
Na mesma decisão, Banti escreveu ainda
que “por outro lado, nos planos coletivos, existe uma coletividade
de pessoas que estão sendo representadas, na maioria dos casos, por
associações de classe, as quais possuem milhares de consumidores e,
por isso, um poder maior de barganha, o que causa na maioria das
vezes ausência de explicação para tal aumento (do plano)”.
Procurada pelo GLOBO, a Associação
Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) informou que, em relação ao
reajuste, as operadoras devem comprovar os índices aplicados,
detalhando junto ao contratante os motivos que elevaram a alta dos
custos como, por exemplo, eventual reajuste por faixa etária, amplo
número de consultas e exames, internações e tratamentos. Além
disso, reiterou que o custo com a judicialização tanto na esfera
pública quanto privada de saúde tem aumentado ano a ano e que este
cenário de judicialização da saúde não é interessante para ninguém
— sociedade, consumidores e contribuintes —, já que os preços dos
planos de saúde necessitam ser majorados, dificultando o reingresso
dos beneficiários afastados nos últimos anos, por conta da crise
econômica do Brasil.
Em nota, a Federação Nacional de Saúde
Suplementar (FenaSaúde) informou que a questão do reajuste dos
planos coletivos é tratada de maneira transparente pelas operadoras
de planos de saúde, respeitando a legislação em vigor. De acordo
com a regulamentação vigente, em especial a Resolução Normativa da
ANS nº 389/15, os reajustes dos planos coletivos são negociados
diretamente entre as empresas ou associações contratantes e as
operadoras dos planos, sempre conforme as cláusulas estipuladas em
contrato ou estabelecido em negociação, com a finalidade de repor a
variação da despesa médica e manter o equilíbrio do contrato.
A FenaSaúde destaca que "a operadora é
obrigada a fornecer à contratante um extrato pormenorizado com os
itens considerados para o cálculo do reajuste, com antecedência
mínima de 30 dias da data da aplicação do mesmo. A FenaSaúde não
interfere nessas negociações, que se dão livremente entre as
partes", conclui a nota.
Ações na Justiça
disparam
De acordo com levantamento da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), as
ações na justiça contra planos de saúde registraram o maior número
dos últimos sete anos em São Paulo. Durante o primeiro semestre
deste ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) julgou 16.055
mil processos, em primeira e segunda instância. As principais
causas das ações são relacionadas a negativas de cobertura e
reajuste de mensalidade. Entre janeiro e junho de 2011, quando o
levantamento foi feito pela primeira vez, foram registradas 3.300
mil ações, número que subiu para 14.623 em 2017. Desde o primeiro
ano da pesquisa até hoje, o aumento é de 386%.
A pesquisa também destaca que, do
total de casos na Justiça paulistana em 2018, 28%,68 são
relacionados à insatisfação dos consumidores com o reajuste da
mensalidade. Comparado ao memso período do ano passaod, o aumento
foi de 4%, quando o percentual de casos foi de 24,26%. Em 2011,
esse número era de 14,78%. Já a exclusão de cobertura ou negativa
de tratamento continua liderando as ações, representando 52% das
decisões.
A pesquisa chama a atenção para um
dado interessante: o número de ações cresce enquanto o número de
beneficiários cai: em 2011, 17.544.330 consumidores tinham plano de
saúde. Neste ano, o número baixou para 17.308.464, em São Paulo.
Por dia, o judiciário recebe 127 novos casos.
Para Rafael Robba, um dos autores da
pesquisa e mestre em gestão e políticas de saúde, o aumento
expressivo da judicialização contra planos de saúde no estado de
São Paulo nos últimos anos é resultado de diversos fatores,
principalmente das constantes práticas abusivas das empresas de
planos de saúde.
— Sabe-se que 80% dos contratos ativos
de planos de saúde são coletivos. Assim, podemos deduzir que a
maioria das ações que questionam reajuste são provenientes destes
contratos. Nesse contexto, há ainda a falta de regulamentação para
esta modalidade, o que gera uma judicialização enorme, à medida que
o cliente se sente lesado com aumentos que não são explicados pelas
operadoras — diz.
Reajustes
Os planos coletivos são aqueles
contratados por intermédio de uma Pessoa Jurídica, seja o
empregador, uma associação ou sindicato, por exemplo. Hoje, as
operadoras praticam dois tipos de reajuste. O anual, regulamentado
pela ANS, abrange somente os planos individuais e familiares
firmados a partir de janeiro de 1999. Este ano o reajuste máximo é
de 10%, acima da inflação de 2017, que fechou o ano em 2,95%.Em
relação aos planos coletivos não é possível prever o reajuste.
Também existe o reajuste de mudança de
faixa etária, para qual a ANS estabeleceu 10 grupos etários. De
acordo com o regulamento, o reajuste da última faixa, que
compreende os idosos, deve ser de no máximo seis vezes o valor pago
pela primeira faixa etária (0 a 18 anos). Por isso, os planos
atualmente costumam aplicar um reajuste alto quando o cliente
completa 59 anos, já que o Estatuto do Idoso restringe aumentos
após essa idade.