Antonio Penteado Mendonça comenta que parte significativa dos
comerciantes não sabe que é corresponsável por danos que produtos
vendidos em suas lojas eventualmente causem a terceiros
Por
Antonio Penteado Mendonça
Na
semana passada tratei da importância dos danos de responsabilidade
civil dando como exemplo dois casos emblemáticos, mas é na outra
ponta que a responsabilidade civil causa danos, quem sabe mais
prejudiciais, às vítimas. É no dia a dia, na rotina da vida, que os
danos a terceiros acontecem com mais frequência e causam prejuízos
que, invariavelmente pequenos, podem fazer diferença na vida de uma
pessoa. Todavia, o brasileiro não tem o hábito de contratar seguro
para esse tipo de dano.
O
seguro de responsabilidade civil mais conhecido é o RC facultativo
de veículos, e ele é, na maioria das vezes, mal contratado. Apesar
da apólice ter verba para danos materiais e para danos corporais
distintas, é comum os seguros serem contratados com o mesmo capital
para as duas garantias, ainda que os sinistros de danos corporais
normalmente envolvam quantias muito mais elevadas do que os de
danos materiais. Na maioria das vezes, o que move o segurado é o
preço do seguro, então é mais fácil vender uma apólice mais barata,
com capital insuficiente para um sinistro de danos corporais, do
que perder o negócio. E é isso que acontece. As garantias para
danos corporais são comumente contratadas com os mesmos capitais
das garantias para danos materiais e raramente elas passam de cem
mil reais.
A
regra vale para um enorme número de seguros realizados no Brasil. O
capital para responsabilidade civil é baixo, tanto faz o tipo de
risco. Seja RC chefe de família, seja RC profissional, em função do
preço do seguro, o segurado opta por capitais insuficientes para
suas reais necessidades, sem se dar conta da máxima que reza que o
seguro caro é o seguro mal contratado.
Mas
o quadro se agrava mais ainda. Parte significativa dos comerciantes
brasileiros não conhece suas obrigações e não sabe que ele é
corresponsável pelos danos que produtos que ele comercializa
eventualmente causem a terceiros. O resultado é que não contratam
seguros para protegê-los, ainda que tenha direito de regresso
contra o produtor.
Um
exemplo claro e fácil para mostrar o problema foi a resposta de um
comerciante do Mercadão de Pinheiros, que vendeu um queijo da serra
da canastra com um grande chumaço de cabelos humanos em seu
interior. Segundo ele, ele não tinha nada com o problema, ele só
tinha vendido o produto fabricado em Minas Gerias, mas substituiu o
queijo com cabelo por um pequeno pedaço de outra marca, só para não
perder o cliente.
Este
exemplo não tem dano além da cara peça de queijo jogada fora. Mas e
se o produto vendido provocasse uma intoxicação que levasse o
consumidor a óbito? A responsabilidade do comerciante seria
imediatamente invocada, até porque o consumidor está mais perto
dele do que do produtor no interior de Minas Gerais.
O
Código do Consumidor é claro em expandir as responsabilidades pelos
danos causados a terceiros para todos os envolvidos na cadeia de
produção e venda de um produto, cabendo ao consumidor lesado
escolher de quem ele pretende se ressarcir. E nem sempre o
consumidor escolhe o responsável final pelo dano.
O
seguro de responsabilidade civil existe para isto e é
comercializado pelas seguradoras nacionais. Porque ele não é
contratado é uma outra história, que começa pelo desconhecimento do
empresário sobre a sua própria responsabilidade civil e que se
estende para o seu desconhecimento sobre as ferramentas à sua
disposição para minimizar suas perdas no caso de eventos dessa
natureza.
Finalizando, mas tão importante quanto os outros tópicos abordados,
os brasileiros preocupados com a possibilidade de causar danos a
terceiros, e que conhecem os seguros de responsabilidade civil
existentes, consideram as apólices praticamente incompreensíveis, o
que também os afasta do seguro por não confiarem que receberão as
indenizações nos casos concretos.
O
atual movimento da SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) no
sentido de desregulamentar o setor, inclusive no que diz respeito
aos seguros de responsabilidade civil, pode ser o gancho que as
seguradoras necessitam para reverem suas apólices.