Para Augusto Aras, norma invade
competência privativa da União para legislar sobre direito civil e
política de seguros
O procurador-geral da República, Augusto Aras, apresentou parecer
ao Supremo Tribunal Federal (STF) com pedido de medida cautelar,
para que a Corte declare a inconstitucionalidade de uma lei do Rio
de Janeiro que autoriza o Executivo estadual a proibir atos de
suspensão ou cancelamento de planos de saúde, por falta de
pagamento, durante a epidemia de covid-19. No entendimento do chefe
do Ministério Público da União, ao editar a Lei 8.811/2020, o
estado usurpou a competência privativa da União para legislar sobre
direito civil e política de seguros.
O pedido tramita no Supremo sob a classificação de Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 6.443, proposta pela União Nacional das
Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas). A entidade questiona
a lei que autoriza o Poder Executivo “a dispor sobre a vedação às
operadoras de planos de saúde a suspensão e/ou do cancelamento dos
planos de saúde por falta de pagamento, durante o período em que
estiver em vigor a situação de emergência do novo coronavírus
(covid-19)”. Além disso, a norma estabelece condições para cobrança
e quitação de eventuais débitos contraídos pelos usuários, mesmo em
período anterior a março de 2020.
Registra o parecer que, no modelo constitucional de repartição de
competências legislativas, o artigo 22 da Constituição elencada as
matérias cuja atribuição para legislar é privativa da União,
estando incluídos nesse rol o direito civil e a política de
seguros. Segundo o dispositivo, cabe à União, privativamente,
legislar sobre esses e outros assuntos, não se admitindo que
estados, Distrito Federal ou municípios venham a disciplinar essas
matérias. A exceção se dá na hipótese da existência de lei
complementar da União outorgando tal prerrogativa aos entes
subnacionais – o que não ocorre no caso.
Jurisprudência – No parecer, Aras destaca que a jurisprudência do
STF tem oscilado na apreciação de leis cujo conteúdo normativo é
multidisciplinar, transitando entre o direito civil e o do
consumidor. Quando se trata da atuação das operadoras de planos de
saúde, a Corte tem feito a ponderação, caso a caso, sobre de que
forma a lei impugnada incide sobre as relações jurídicas
envolvidas. Ora reconhece a competência privativa da União, ora
confere espaço legislativo aos Estados-membros.
No entanto, Aras frisa que a lei fluminense não se situa no campo
do direito do consumidor, matéria de competência legislativa
concorrente entre a União, os estados e o Distrito Federal. Na sua
avaliação, não se trata de imposição de obrigação à parte mais
forte de relação consumerista. “Ao permitir que o Poder Executivo
disponha sobre procedimentos de suspensão e cancelamento de
cobertura securitária, [a lei fluminense] afeta o núcleo da
atividade prestada pelas operadoras de planos de saúde. […] Impacta
a eficácia de negócios jurídicos validamente celebrados entre
particulares”, afirma.
Observa Aras que, em recente decisão, de março deste ano, o
ministro Dias Toffoli deferiu medida cautelar, a ser referendada
pelo Plenário, para suspender os efeitos da Lei 11.735/2020 do
estado da Paraíba. A norma veda a interrupção dos contratos de
plano de saúde em decorrência de inadimplência, enquanto perdurar a
epidemia do novo coronavírus, e prevê a possibilidade de pagamento
a posteriori do débito, de forma parcelada, vedada a cobrança de
juros e multa.
O PGR lembra ainda que já existe lei federal (Lei 9.656/1998) para
tratar dos planos e seguros privados de assistência à saúde, na
qual constam regras gerais a serem seguidas pelas operadoras,
especificamente em relação à rescisão contratual. A norma confere à
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) poderes de
regulamentação infralegal e fiscalização. “Assim, conclui-se que o
objeto da legislação estadual se insere na competência legislativa
privativa da União estabelecida no art. 22, I e VII, da
Constituição Federal, revelando-se formalmente
inconstitucional”.
Íntegra da manifestação na ADI 6.443
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