Aos olhos de seguradoras e
resseguradoras baseadas no Reino Unido e na Europa, a combinação de
elementos dos tempos turbulentos que o Brasil atravessa caracteriza
uma verdadeira “tempestade perfeita”. E ela é preocupante, mas os
agentes internacionais do setor estão atentos.
No front econômico, o mix de
desaceleração da atividade, repique inflacionário, desvalorização
cambial e indisciplina fiscal é de fazer arrepiar os mais
tarimbados profissionais do mundo (res)segurador. E tem ainda o
lado político para dar contornos ainda mais dramáticos à
“tempestade perfeita”, com o processo de impeachment da presidente
Dilma Rousseff tramitando em altíssima velocidade para os padrões
do Congresso Nacional e, ainda, a operação Lava-jato atingindo em
cheio a Petrobras, a maior consumidora empresarial de produtos de
seguros do país.
A coluna Direto de Londres
conversou com vários profissionais do mercado segurador e
ressegurador para saber como representantes de grandes empresas
estrangeiras enxergam o mercado brasileiro no momento. Todos
demonstram preocupação com o péssimo desempenho da economia e a
inflação elevada – isso fere de morte a indústria seguradora, pois
significa menos prêmios faturados. Alguns criticam prudentemente o
atual governo por seu caráter intervencionista e indisciplinado
fiscalmente. No geral, evitam falar de guinada com a chegada de um
eventual governo Michel Temer; preferem o discurso diplomático de
confiança no Brasil e aposta em uma estratégia de negócios focada
no longo prazo. Também apresentam saídas para a crise sob a ótica
do setor.
Com a palavra, o mercado britânico
e europeu:
Munido de números sobre a economia
brasileira e com o desempenho do mercado segurador do país na ponta
da língua, Kurt Karl, economista-chefe da Swiss Re, começa sua
análise enfatizando que estabilidade macroeconômica é indispensável
para criar um ambiente de crescimento sustentado das indústrias de
seguros e resseguros. Ele ressalta que o segmento não-vida encolheu
3% no ano passado e deve ver os prêmios caírem anda mais em 2016,
4%. Segundo ele, os prêmios cedidos em resseguro no Brasil
registraram retração de 3% em 2015, mas devem se recuperar este
ano.
“Dentro desse contexto, o governo
deve restaurar seu compromisso com disciplina fiscal e estabilidade
de preços, dois pilares do sucesso econômico do país nas últimas
décadas. Risco regulatório também é uma grande preocupação: as
recentes medidas sobre transações de resseguros entre Estados,
facilitando transferências internamente pelas empresas, trazem mais
confiança aos operadores estrangeiros para atuar localmente. O
Brasil precisa mesmo que seu sistema político foque na melhora da
economia e no crescimento econômico potencial, além de se voltar
seriamente para reformas estruturais e estabelecer disciplina
fiscal e monetária”, avalia Karl.
O economista reitera que as
empresas do setor de seguros devem enfatizar ganhos de eficiência
com digitalização de processos e serviços digitais aos clientes
como formas de enfrentar a crise. Ele lembra que a penetração de
produtos de seguros no Brasil ainda é baixa, inferior ao mercado
chileno, com gasto per capita de US$ 332. “Há enormes lacunas a
serem preenchidas no mercado brasileiro, mesmo em tempos de crise.
Há produtos no ramo vida e de infraestrutura que podem ser muito
melhor trabalhados. No segmento automóveis e de saúde também há
espaço para crescimento, são nichos que o Brasil ainda está bem
atrás de mercados mais desenvolvidos. Para não falar que é possível
promover uma transformação digital na comercialização de seguros no
Brasil.”
Elizabeth Powell, underwriter do
sindicato Sompo Canopius no Lloyd’s of London, conhece o mercado
brasileiro por causa de sua passagem pelo IRB Brasil Re. Ela
menciona a “tempestade perfeita”, destacando que o governo, seja
Dilma ou Temer, deve atacar a inflação alta com todas as forças.
“Aliada à desaceleração da economia e ao desemprego em alta, a
inflação mina o lado comercial das operacões de seguros e
resseguros. É o maior risco. Quanto à crise, é preocupante, mas
muitos países passam por crises e elas tendem a ser superadas com o
tempo, os negócios precisam se ajustar à dinâmica de crescimento
mais lento”, ponderou Elizabeth, citando como exemplo a crise do
início dos anos 2000 na Argentina e, mais tarde, o baixo desempenho
da economia nos últimos anos de Cristina Kirchner. “O novo governo
está dando um choque econômico e muita coisa está mudando na
Argentina, muitas oportunidades estão surgindo para o setor de
seguros e resseguros. Há um ano havia pouca esperança.”
Reservadaente, um alto executivo do
próprio Lloyd’s conta que, por causa da desvalorização cambial, o
mercado de resseguros brasileiro sofreu forte redução em 2015,
quando o volume de prêmios medido em dólares teve uma redução de
23%. “No entanto, isso não muda nosso apoio ao país. O Lloyd’s está
comprometido com o Brasil e continuará a apoiar o mercado
brasileiro. Temos confiança de que no médio prazo a economia
brasileira vai se recuperar e, consequentemente, o mercado de
seguros e resseguros voltará a crescer. Entretanto, para que o
setor de seguros e resseguros brasileiro possa se desenvolver e
crescer de forma sustentável, é fundamental uma melhor integração
com o mercado internacional, implementando um processo de
liberalização e desburocratização no setor.”
Em meio à tramitação do processo de
impeachment na Câmara, um documento publicado pela Europe
Insurance, associação de seguradoras europeias, faz menção ao
excesso de intervenção do governo no mercado ressegurador,
limitando a oferta de capacidade por parte de resseguradoras
estrangeiras. “O Brasil representa um mercado muito importante para
a indústria seguradora europeia. Atuais relações podem ser
ampliadas e melhoradas com a retirada de barreiras comerciais e
aumentando a convergênca regulatórias”, assinala o paper.
Outro ponto de atenção é o segmento
de óleo e gás, energia e grandes obras, todos atrelados com a
Petrobras. Com a consolidação do preço do petróleo no mercado
internacional em nível baixíssimo e o escândalo de corrupção
apurado pelas investigações da operação Lava-jato, as seguradoras e
resseguradoras tendem a faturar menos prêmios nesse nicho de
mercado. A avaliação é de Deniese Imoukhuede, diretora da AM Best,
agência de classificação de risco baseada em Londres especializada
no mercado segurador.
“A geração de prêmios será menor
que os resutados obtidos em anos anteriores, com o preço do
petróleo em patamares mais elevados. Com a queda da commodity,
naturalmente a tendência é de desaceleração das transações pelas
seguradoras. Isso já está acontecendo em outros países emergentes,
não só no Brasil. Seguradoras na Rússia e Nigéria já sofrem o
impacto dessa nova precificação. O problema é que no Brasil tem
esse escândalo de corrupção que esá paralisando tudo, inclusive
afetará os segmentos de segurosda cadeia de negócios que envolve a
Petrobras, como energia e construção. A receita aqui é partir para
a diversificação de carteira”, aconselha A executiva da AM
Best.