Leia o artigo do diretor
executivo da FenaSaúde publicado no Jornal O Estado de S.
Paulo
Durante milênios se viviam poucos anos
em média, com expectativa de vida ao nascer abaixo de 40 anos. A
longevidade começou a aumentar na Grã-Bretanha no final do século
19, em virtude do progresso material daquela sociedade. Mas não se
confunda baixa expectativa de vida com chance nula de atingir idade
elevada. Sócrates, há 25 séculos, condenado a tomar cicuta, morreu
anos aos 70 anos de idade.
A novidade não é o fato de os
indivíduos ficarem mais longevos, mas, sim, de a sociedade
envelhecer, resultado de menores índices de fecundidade e
mortalidade. Hoje, no Brasil, os idosos (60 ou mais anos) são 26
milhões; em 2050 serão 66,5 milhões, ou 29,4% da população.
Caminhamos velozmente para uma sociedade de idosos um simples fato
da vida.
O envelhecimento traz consigo outro
fato da vida, o aumento da incidência de doenças crônicas, baixa na
infância, mas muito alta na idade avançada. A hipertensão aflige
três em cada cem jovens de 18 a 29 anos e mais de 55 entre os
maiores de 75 anos. Nos problemas de coluna, diabetes e neoplasias,
o quadro é semelhante. Resume esse fato da vida a prevalência de
doença crônica em dez de cada cem menores de 20 anos e 79 entre
maiores de 65. Crônica porque não curável, mas que requer
tratamento e cuidados permanentes e dispendiosos.
Vive-se mais, em parte, pelos avanços
da tecnologia, que prolonga vidas. Mas essa mesma tecnologia
aumenta as despesas com saúde. Todavia apontar despesas crescentes
não equivale a designar culpados. A humanidade necessita de mais
avanços tecnológicos para que as pessoas acometidas por
enfermidades sejam diagnosticadas com precisão e curadas com maior
rapidez e menor sofrimento. Mas tenhamos presente que o avanço da
tecnologia médica, que nos faz bem, converte doenças antes fatais
em “crônicas”, a exigirem tratamentos continuados. É o sucesso da
tecnologia que prolonga vidas que causa, de forma aparentemente
paradoxal, mais gastos com saúde. Fácil de entender: de um lado,
barateia procedimentos, mas, de outro, permite identificar mais
casos para tratar e torna elegíveis procedimentos antes não
recomendados. O barateamento dos computadores levou a sociedade a
gastar mais com essas máquinas.
O aumento da incidência de doenças
crônicas com a idade faz o gasto médio per capita com saúde
crescer, e muito. A décima faixa etária (59 anos e mais) – das dez
definidas pela ANS para a formação das mensalidades – gasta mais
que o dobro da anterior. Ao completar 59 anos o beneficiário não se
torna mais “sinistrável” do que era aos 58. É que ele ingressa na
faixa que inclui desde sexagenários até os milhares de centenários.
Esse grupo etário, muito heterogêneo, é que gasta em média mais que
o dobro da faixa anterior. E quanto mais idosa a faixa, maior o
gasto médio, que duplica e triplica na passagem dos 60 para os 70 e
80 anos. Ilustra-se com o gasto médio do diabético americano, de
US$ 4.393 para menores de 45 anos, mas de US$ 11.825 para maiores
de 65.
Essa é a razão das altas taxas de
reajuste nessa passagem de idade, decorrentes dos fatos da vida
citados. O plano de saúde para os idosos tem preço elevado porque é
alto o seu custo médio per capita. A duplicação do custo médio
exige alto porcentual de reajuste na passagem dos 58 para os 59
anos. Além disso, a atuária recomenda que a mensalidade seja
aderente ao custo médio. Portanto, as mensalidades dos planos
deveriam dobrar nessa mudança de faixa etária, o que não
ocorre.
Há outro ponto que precisamos
considerar: a menor renda das pessoas ao deixarem o mercado de
trabalho e ficarem dependentes da aposentadoria. Como solucionar
esse conflito entre custos altos e rendas baixas é o desafio que a
sociedade precisa enfrentar. O legislador, ciente disso e para
possibilitar a permanência dos idosos nos planos, determinou uma
regra de formação do preço em que eles não precisassem pagar pelo
custo médio. A escolha, feita há mais de 15 anos, foi um esquema de
solidariedade implícita entre gerações: beneficiários mais jovens
arcam com pagamentos superiores ao seu custo para que os idosos
tenham mensalidade inferior ao custo de seu grupo etário.
Assim, reconhece-se que as
mensalidades dos planos dos idosos são elevadas relativamente à
renda de aposentadoria. Porém não cobrem os custos médiosper capita
– na verdade, são inferiores. Os altos valores e taxas de reajuste
são adequados do ponto de vista técnico, embora não consigam
resolver o conflito diante das baixas rendas da população.
Parece uma questão irreconciliável. Se
um grupo precisa ser socialmente protegido, é preciso definir quais
grupos arcariam com a diferença. Mais ainda, como não há obrigação
de ter plano de saúde, esses grupos podem optar por não tê-lo. E
assim, além cair o número de jovens, uma fração menor deles estaria
disposta a exercer a solidariedade no montante a compensar o
pagamento menor dos idosos.
Está em revisão a lei dos planos de
saúde. Nela se propõe parcelar o valor do reajuste na passagem dos
58 para os 59 anos em um quinto a ser aplicado em cinco
quinquênios. Trata-se de importante alívio para os beneficiários,
que nesses 25 anos pagariam, a título de reajuste, a metade do
valor que seria pago sem o parcelamento. Um inequívoco benefício
para os consumidores. Falta, no entanto, especificar entre quem
seria repartida a diferença.
A saída requer visão de futuro e
planejamento individual de longo prazo. As pessoas poderiam formar
um plano de previdência voltado para custear parte das mensalidades
quando deixarem o mercado de trabalho. Nele o indivíduo poderá
planejar o futuro e vislumbrar o tipo de plano que deseja na etapa
pós-mercado de trabalho. Cabe ao setor público e ao legislador
prover os meios para que as pessoas possam materializar o desejado
planejamento financeiro para uma etapa da vida sensível e cada vez
mais longa.
José Cechin é diretor
Executivo da FenaSaúde