Um procedimento de laqueadura de trompas, que teria sido mal feito, levou uma operadora de telemarketing a entrar na Justiça, pedindo indenização por dano material, ao descobrir, oito meses após a cirurgia, que estava grávida de gêmeas. A história começou em agosto de 2016, quando Rosimeire Abreu dos Santos, 36, tomou uma decisão. Como já tinha dois filhos, de 5 e 15 anos, decidiu fazer a cirurgia para não mais engravidar. Diante disso, ela conta que procurou sua ginecologista para realizar a operação. E, após a consulta, sua médica pediu ao plano de saúde Vitallis autorização para o procedimento.
Dias depois Rosimeire foi informada, via e-mail, que o único profissional dessa especialidade que operava nos hospitais cadastrados pelo convênio era o ginecologista e obstetra E.R.N., segundo os autos do processo, tendo sido orientada a marcar uma consulta com ele, para que só então a cirurgia pudesse ser avaliada e solicitada. “Agendei uma consulta e senti muita segurança. O médico me disse, de forma bem firme, que ‘cortava as trompas e jogava fora’. Era isso que eu queria”, conta.
Confiante, a operadora de telemarketing marcou a cirurgia, realizada em 2 de janeiro de 2017, no Hospital Vitallis Unidade Barreiro, em Belo Horizonte. Após 30 dias, Rosimeire voltou ao hospital para uma consulta de revisão e foi informada pelo médico, segundo ela, que a laqueadura havia sido um sucesso.
Porém, oito meses depois, o quadro mudou. “Comecei a passar muito mal e pensei que poderia ser mioma, infecção urinária ou pedra nos rins. Fui em vários prontos-socorros e tomei diversas injeções de antibióticos e para dor”, lembra ela. Após alguns exames, Rosimeire descobriu que estava grávida de seis semanas e, para seu espanto, de gêmeas. Desesperada, voltou ao ginecologista, que teria lhe dito que não sabia explicar o que aconteceu e que “isso só podia ser a vontade de Deus, pois isso nunca tinha ocorrido com ele”.
Advogado vê falha no serviço
Sem condições financeiras de criar com dignidade mais dois filhos, Rosimeire Abreu dos Santos entrou, em outubro de 2017, com uma ação reparatória de danos materiais e morais na 4ª Vara Cível da Comarca de Contagem.
“Entendemos que houve falha na prestação do serviço, sobretudo por terem sido dadas garantias ao consumidor sobre a segurança do procedimento de laqueadura e do grau de eficiência contra concepção”, diz o advogado Cristiano Vasconcelos Boaventura Leite. “Posteriormente, em outro exame, Rosimeire descobriu que as trompas não haviam sido removidas, mas ‘amarradas ou obstruídas’. Portanto, as informações prestadas não condizem com a realidade”, acrescenta.
“Considerando a condição econômica, pedimos a condenação das partes (o médico, o hospital e o plano de saúde) ao custeio de um salário mínimo para cada bebê, até que alcancem a independência financeira”, diz Leite.
“E diante da quebra de expectativas, o transtorno com a chegada de filhos sem programação e o desespero que ela tem passado para comprar medicamentos, materiais de higiene infantil e até alimentação, pedimos também a condenação por danos morais”, completa Leite.
Operadora diz que vai investigar
Procurada, a Vitallis, que administra o Hospital Vitallis Unidade Barreiro, por meio de nota, informou que “só tomou conhecimento da alegada falha de procedimento de laqueadura tubária realizada em seu serviço através do contato feito pela imprensa, não tendo recebido qualquer manifestação da usuária ao longo do período superior a um ano transcorrido”.
Informou ainda que está à disposição da usuária e instaurando procedimento interno de verificação do ocorrido. “A operadora considera importante ressaltar que, conforme é sabido na literatura médica, os procedimentos de laqueadura executados corretamente podem ter índice de insucesso de até 2% dos casos”, conclui o texto.
Já o médico E.R.N. foi procurado durante toda a semana passada, mas não retornou os recados deixados com sua secretária. Segundo ela, ele não atende telefone fixo, apenas o celular. Porém, durante a semana não foi possível estabelecer contato com ele, uma vez que a caixa-postal do aparelho estava “cheia”
Batalha também para conseguir benefício
Além da questão judicial, Rosimeire Abreu dos Santos enfrenta problemas no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Ela conta que, vencida a licença-maternidade e diante do quadro de depressão que a impossibilitava de trabalhar, foi ao médico do Sistema Único de Saúde (SUS) e conseguiu atestado de 30 dias. “Porém, a perícia do INSS só garantiu 15 dias”, diz ela.
Diante disso, conforme Rosimeire, ela voltou ao médico do SUS, que lhe deu mais 30 dias. Porém, ao fazer a perícia no INSS, a médica disse que ela estava apta para o trabalho. Inconformada, ela marcou nova perícia, para janeiro de 2019. Ela critica o fato do INSS não aceitar o atestado de o SUS. “Enquanto isso, vou viver de quê?”, questiona ela, que foi demitida do emprego e reivindica o benefício do INSS.
O que diz o INSS
Avaliação. Sem tratar especificamente desse caso, em nota enviada por sua assessoria de imprensa em Minas, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) afirmou “que a perícia médica faz a avaliação de incapacidade, que é um conceito que relaciona a saúde do trabalhador com as atividades laborais exercidas”.
Critérios. Para isso, de acordo com a nota do instituto, “é considerada, de forma impessoal, a documentação médica apresentada pelo segurado, que compreende, por exemplo, atestado dos médicos assistentes, exames e medicação”.