Ataque do ministro a
empresa de planos de saúde para idosos é desproporcional às
informações existentes até agora e esquisito, considerando-se seu
currículo
O ministro Luiz
Henrique Mandetta, candidato a herói da guerra contra
o Covid-19 e da resistência à insanidade
presidencial, faz bobagem sem tamanho quando leva argumentos do
lobby das operadoras de saúde para o coração da emergência
sanitária. O ministro gastou bom tempo de sua coletiva no dia 31 de
março para discursar contra a operadora de
saúde Prevent Senior, que tem um hospital no
qual morreu a maioria das vítimas do coronavírus na cidade de São
Paulo. Num momento em que questões de desigualdade estão
mobilizando até os mais iguais, a atitude equivale a tomar partido,
sem informações concretas, dos que mais lucram e menos dão retorno
ou satisfações na área da saúde.
Com seu histórico de ex-conselheiro
e ex-presidente de outra empresa do mesmo ramo que a Prevent Senior
e de ex-deputado em cuja campanha foi noticiado aporte financeiro
de operadora de planos de saúde, Mandetta deixou no ar a suspeita
de que atende a interesses que não vêm ao caso no grave momento de
crise vivido pelo país. Seria muito positivo se esclarecesse seu
discurso.
Na entrevista, o ministro elencou
informações que são uma virtude da Prevent Senior em tempos normais
para, numa situação circunstancial de pandemia, acusar a empresa de
irresponsabilidade. Mandetta, que chegou a afirmar que a Agência
Nacional de Saúde jamais deveria ter autorizado a existência de um
plano de saúde voltado para o atendimento de idosos, disse que no
Hospital Sancta Maggiore, de propriedade da Prevent Senior,
juntaram-se condições excepcionalmente ruinosas na situação de
epidemia.
Enumerou o que não se quer neste
momento: primeiro, “aglomeração”; segundo, “aglomeração de idosos”;
terceiro, “aglomeração de idosos todos doentes, imunodeprimidos”;
quarto, “idosos que não possam sair desse lugar”; quinto, “que
entre o vírus nesse ambiente”. “Isto é um hospital na cidade de São
Paulo”, acrescentou. E concluiu com um raciocínio que entrega a
razão de sua virulência contra a empresa. “Um empresário achou, na
sua cabeça, que os idosos compram muito plano de saúde. Então ele
falou: ‘Vou vender um plano de saúde mais barato. Não vou mexer com
pré-existência [de doenças]. Vou admiti-los'”, afirmou, dando uma
lição até admissível para o ministro da Economia mas comprometedora
na sua função: “Ele não diluiu o risco da carteira. Ficou com os
mais complexos”.
ra de se esperar que o ministro da
Saúde, diante da pandemia que acomete mais gravemente os idosos e,
em consequência, os hospitais da rede Sancta Maggiore, declarasse
prontidão para ajudar particularmente a Prevent Senior tanto quanto
o governo já esta fazendo com as companhias aéreas e até mesmo as
empresas do setor de planos de saúde em geral, autorizadas a usar
R$ 10 bilhões de um fundo garantidor do sistema. Afinal, a própria
existência da empresa de planos para idosos decorre da combinação
de incompetência do sistema público (para funcionar de fato
universalmente) e da ganância (da maioria das operadoras), como é
fácil demonstrar.
É crucial que as entidades de
fiscalização de planos e hospitais acompanhem atentamente o que
acontece nos hospitais da Prevent Senior, para detectar falhas que
possam ter levado o vírus a se espalhar entre doentes internados
por outras razões. Mas por enquanto é só leviandade apontar a morte
de mais idosos num hospital que atende justamente idosos de classe
média, o segmento no qual se espera maior número de vítimas fatais
num primeiro momento.
O que talvez não passe pela
garganta do ministro e das outras operadoras de planos de saúde é
que a empresa conseguiu, ao longo de duas décadas de existência,
criar um padrão de atendimento a idosos com preços bem menores que
o aceito como normal no predatório mercado controlado pela Agência
Nacional de Saúde Suplementar. Enquanto os produtos de outras
companhias cobram do associado até R$ 5 mil reais de mensalidade,
conforme a faixa etária, a Prevent Senior oferece planos entre 50%
e 70% mais baratos e presta atendimento geralmente de melhor
qualidade a seus beneficiários, sem submetê-los aos escorchantes
aumentos por envelhecimento – prática estranhamente aplaudida por
quem discursa a favor de “diluir o risco”.
Não admira que a empresa tenha
atraído clientes mais velhos. Por isso, agora, de certo modo, ela é
vítima de sua estratégia, numa situação inesperada – como seriam os
centros de ortopedia se o vírus atacasse a mobilidade das
pessoas.
O que acontece com a Prevent
Senior, conforme esclarecem muitas reportagens apontando lucros da
empresa ao longo do tempo, é que ela conseguiu estabelecer padrões
eficientes de atendimento ao priorizar a utilização de rede
própria, contratar médicos como funcionários, informatizar o
sistema de acompanhamento de todos os seus pacientes, promover
medicina preventiva entre beneficiários e utilizar inteligentemente
estruturas ociosas, como a de clubes esportivos para tratamentos
fisioterápicos, entre outras medidas.
Muitas das tradicionais empresas de
planos de saúde comportam-se como intermediárias financeiras, quase
na agiotagem, cobrando alto na ponta dos clientes e pagando pouco
na ponta dos prestadores de serviços – médicos, hospitais, serviços
de ambulância e de home care. Não espanta que, na emergência
produzida pela pandemia, tenha sido necessário o governo determinar
que as empresas de planos de saúde têm de pagar pelos testes de
coronavírus realizados por seus clientes – se pudessem, não
pagariam.
Cabe perguntar, por sinal, qual a
contribuição extraordinária que essas companhias vão dar neste
momento. Na rede hospitalar privada, o Albert Einstein e outros
estabelecimentos têm dado exemplo de colaboração. Cadê a ação dos
grupos de planos e de seguro-saúde?
Como não pode ser tão desinformado,
só se pode acreditar também que Mandetta fugiu dos fatos quando
disse que o plano da Prevent Senior atende apenas pessoas com mais
de 60 anos. Se começou assim, criando sua primeira base de
clientes, a empresa alterou essa estratégia há muito tempo. E é
sobretudo esse avanço em número de clientes com faixas etárias
menores que arrepia a concorrência – e talvez explique o ataque do
ministro na entrevista coletiva.
Seria melhor aplicado, esse tipo de
reação, se tivesse como alvo a comitiva que seguiu Bolsonaro na
visita aos EUA em março e que se tornou o maior foco de
contaminação num único grupo em todo o país. Aliás, não seria
inadequado o ministro exigir que o presidente mostrasse os
resultados de seus testes, já que autoridade pública que pode ter
colocado em risco a integridade de cidadãos não está protegida pela
tal “privacidade” aventada nesse caso. Desfazer cabalmente dúvidas
sobre a saúde do presidente e sobre a eventual contaminação que
possa ter produzido são obrigações de quem vive com salário pago
pelo Erário.
Cabe aqui esclarecer que o autor é
usuário da Prevent Senior e já foi cliente de outras operadoras. É
testemunha, portanto, da eficiência do serviço, suplantada apenas
pelos milionários produtos corporativos ou pelos exclusivos e
impagáveis planos oferecidos ao 1% mais rico da população. Não tem
procuração nem lucro nenhum ao apontar esse estranho, mas
aparentemente explicável, ataque do ministro à empresa.
Os hospitais da Prevent foram
algumas vezes vistoriados pelas secretarias estadual e municipal
paulistana nos últimos dias. Há uma discussão sobre intervir na
gestão dos estabelecimentos. Comprovada a existência de problemas,
isso terá mesmo de ser feito. Mas seria bom saber, antes, quais
serão os padrões que se terá nos serviços hospitalares públicos
quando a epidemia tiver, nesses locais, as mesmas dimensões que já
tem para os serviços voltados exclusivamente para idosos.