Por Ana Carolina Navarrete – coordenadora do programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, e Maria Stella Gregori – advogada e ex- diretora da ANS
Diante da pandemia do novo coronavírus ter atingido também o Brasil, em meados de março, o Ministério da Saúde, com vistas a garantir liquidez às operadoras de planos de saúde, anunciou a flexibilização do uso de recursos do fundo garantidor, da ordem de R$ 15 bilhões. O fundo é um recurso privado que fica imobilizado, sendo acionado em caso de liquidação das empresas.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) operacionalizou a medida estabelecendo critérios para a liberalização parcial do fundo, vinculando-a à assinatura de um Termo de Compromisso (TC). O termo estabelece contrapartidas como a manutenção do pagamento a prestadores de serviços em saúde e a garantia de que consumidores de planos individuais, coletivos por adesão e coletivos empresariais até 29 vidas que tiverem dificuldades de arcar com pagamento de mensalidades até 30 de junho possam negociá-las.
A medida teve pouquíssimas adesões. A fim de se justificarem, a presidência da Unimed Brasil e a FenaSaúde, entidade que representa parte do setor, vieram a público criticar a proposta da ANS. O argumento é que a agência deveria ter liberado o recurso sem definir condições, permitindo às operadoras apenas liquidez para pagar a seus prestadores. Termos de Compromisso somente devem ser celebrados quando houver interesse na implementação de práticas que consistam em vantagens para os consumidores, como a manutenção da qualidade do atendimento.
O momento requer o engajamento de todos na mitigação das graves consequências sanitárias e econômicas causadas pela pandemia. Diversos setores econômicos têm feito esse engajamento solidário através de doações, da conversão da produção industrial para atender à demanda interna, da solidarização das relações de consumo. A contribuição das operadoras de planos de saúde nessa corrente tem sido, contudo, tímida e paradoxalmente não direcionada a seus próprios consumidores, ainda que estes sejam a fonte de sua sustentabilidade.
A adesão ao TC proposto pela ANS poderia ter protegido consumidores, permitindo sua permanência no mercado. O movimento, contudo, foi em sentido contrário, e justamente em um momento dramático, em que seria imprescindível solidariedade, liderança e responsabilidade de agir com o olhar no consumidor.
Pelas projeções das autoridades, ainda estamos longe do pico da pandemia, mas já se observa grande comprometimento de leitos, escassez de materiais e medicamentos no setor público e no privado. Seria fundamental, nesse cenário, que as operadoras de planos de saúde assumissem sua responsabilidade social frente ao um quarto da população brasileira que atendem, e frente ao SUS, evitando sua sobrecarga.
Hoje, mais do que nunca, os consumidores de planos de saúde se perguntam qual é a contribuição solidária que as operadoras pretendem dar a essa crise. Seria fundamental que as operadoras fossem sensíveis e reavaliassem sua posição junto à ANS, pois prestam um serviço que afeta a vida, que se deve sobrepor a tudo.