Depois de ultrapassar a marca de R$ 2 trilhões em ativos,
seguradoras e fundos de pensão focam em diversificação e
rentabilidade para atrair novos clientes.
O mercado brasileiro de previdência privada superou a marca dos R$
2 trilhões em reservas em 2020. Metade do valor foi acumulado pelas
entidades fechadas de previdência complementar, os chamados fundos
de pensão. A outra metade foi conquistada pelos planos de
previdência aberta, formados por seguradoras e bancos. Mais que uma
feliz coincidência, o marco histórico sinaliza que os dois
segmentos da previdência privada partem de um patamar semelhante –
em termos de patrimônio – para um novo momento: conquistar uma
parcela significativa de brasileiros que ainda não está se
preparando para a aposentadoria.
Estudo feito pelo Swiss Re Institute aponta que a América Latina
possui uma lacuna de poupança previdenciária – ou seja, a diferença
entre os ativos previdenciários e a necessidade de renda para
aposentadoria – de US$ 514 bilhões ao ano ou US$ 50 mil por
trabalhador, em média. E, na região, o Brasil é o país que tem a
maior lacuna: US$ 180 bilhões por ano. A conta não fecha. E, na
avaliação da gigante resseguradora suíça, os custos do déficit
previdenciário podem retornar aos governos por meio de maior risco
de pobreza, saúde precária e pressão sobre as gerações mais jovens.
“A geração que está chegando aos 60 anos ganhou em média 30 anos de
expectativa de vida — o que é um fato fantástico e um imenso bônus.
Porém, poucas pessoas desta geração estão financeiramente
preparadas para viver tanto tempo mais”, comenta Jurandir Sell
Macedo Jr., doutor em finanças comportamentais que escreve a coluna
Finanças 50+ para o portal da Forbes Brasil.
Para Jorge Nasser, presidente da Federação Nacional de Previdência
Privada e Vida (FenaPrevi), o primeiro desafio do segmento de
previdência no país é de comunicação. “É descobrir como chegar à
população, sem a complexidade que muitos acham que o produto tem, e
oferecer a melhor solução para aquele momento da vida do cliente”,
afirma. Nasser lembra de uma pesquisa realizada há 25 anos. “Na
época perguntamos para as pessoas ‘o que vai garantir seu futuro na
aposentadoria?’. E uma resposta até hoje me tira o sono. Quase 12%
de respondentes disseram ‘até lá eu vou ganhar na loteria’. Ter a
loteria como planejamento de vida mostra o quanto precisamos
trabalhar para as pessoas entenderem que não há uma bala de prata
que irá garantir o futuro”, resume.
Além de altos investimentos em publicidade, as empresas do setor
atuam em formação e treinamento de consultores especializados e em
programas de educação financeira online, nas redes sociais, blogs,
lives e até em grupos de Telegram. Em paralelo, trataram de inovar
e buscar soluções junto aos órgãos regulatórios para adequar os
produtos aos novos tempos. Com novas opções de investimentos, mais
ofertas de serviços, contratações simplificadas e muita tecnologia
para facilitar a jornada do cliente, tanto os planos abertos como
os fundos de pensão ganharam competitividade.
“O cenário está propício para o crescimento ativo da indústria de
previdência. Estamos otimistas, mas dependemos do ambiente
macroeconômico”, comenta o vice-presidente de Investimentos, Vida e
Previdência da SulAmérica, Marcelo Mello. “O que falta para que o
setor cresça, de fato, é a economia reagir de forma consistente e a
renda real do brasileiro avançar para que esse diferencial de
dinheiro possa ser investido em previdência.” A retomada do emprego
formal no pós-pandemia pode incrementar a demanda por planos de
previdência empresariais, um consagrado diferencial competitivo
para retenção de talentos. Porém, o grande mercado a ser
conquistado é o individual, do trabalhador autônomo, pequeno ou
microempreendedor e até mesmo informal, segmento que cresce a cada
dia no país.
Líder em previdência aberta, a Brasilprev percebeu que para
expandir a sua base – hoje focada nos clientes do Banco do Brasil –
é preciso levar educação previdenciária às pessoas e desenvolveu
com o Principal Group, seu sócio norte-americano, e a Trevisan
Escola de Negócios um projeto que trata do tema em escolas e
associações de bairro. “Nosso propósito é transformar o jeito como
o brasileiro prepara o seu futuro”, afirma Ângela Assis, CEO da
companhia. “Principalmente neste momento, nesta nova realidade, em
que a pandemia expõe a necessidade de se preparar financeiramente
para possíveis percalços e desafios.” Helder Molina, CEO da MAG
Seguros, que mantém uma universidade corporativa para transformar
corretores de seguros em consultores experts em previdência, também
concorda que o caminho é a educação financeira. “Precisamos
compreender o conceito mais amplo de ser previdente, e é nisso que
atuamos”, diz.
O investidor encontra no mercado duas modalidades de previdência, o
PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) e VGBL (Vida Gerador de
Benefício Livre), sendo que o PGBL é indicado para pessoas que
entregam a declaração completa do Imposto de Renda e o VGBL, para
quem faz a declaração simplificada. Isso porque, na fase de
acumulação de reservas, é possível abater o valor investido em PGBL
até o limite de 12% da renda anual. Vale lembrar que, no resgate, o
imposto será cobrado sobre o saldo total do plano PGBL. No VGBL,
não há abatimento de imposto de renda durante a acumulação, mas no
resgate o imposto incidirá apenas sobre os rendimentos. Os planos
também têm sido utilizados para planejamento sucessório, pois, em
caso de morte do titular, os recursos da previdência serão
repassados para os beneficiários definidos no contrato, sem
necessidade de inventário. Um processo bem mais simples e rápido
que uma herança tradicional.
Outro atrativo interessante da previdência é o benefício da
portabilidade, que permite mudar de plano dentro da mesma
modalidade, sem precisar começar do zero ou pagar impostos, bem
como transferir o plano para outro banco ou seguradora em busca de
taxas de administração menores ou de produtos mais rentáveis. Essa
possibilidade tem levado o mercado a reduzir suas taxas (tanto a de
administração quanto a de carregamento e performance, existentes em
alguns produtos) e usar a criatividade para não perder cliente na
disputa de “rouba-monte”. “Somos líderes absolutos em
portabilidades líquidas em todos os meses do ano, com valores dez
vezes maiores que o segundo colocado. Praticamente 88% de todo o
market share de portabilidade do mercado é da XP”, comemora Roberto
Teixeira, head da XP Seguros. Para ele, é a democratização de
acesso a fundos mais sofisticados que tem impulsionado a migração.
“Estamos conseguindo educar o brasileiro para tirar o dinheiro que
está em ativos mais tradicionais para aportar em uma plataforma
mais robusta em termos de diversificação.”
Para assegurar variedade e manter o cliente em casa, bancos e
seguradoras, inclusive os mais tradicionais, operam com modelo de
arquitetura aberta, oferecendo fundos próprios e de outros
gestores, inclusive concorrentes, em uma espécie de marketplace. Na
SulAmérica, esse recurso permite que a companhia lance quase dois
fundos novos por mês, e, no Itaú, dos 31 produtos de previdência
lançados este ano, 14 são fundos de terceiros. Com isso, a
variedade de fundos tem aumentado exponencialmente e, ainda que a
escolha tenha a ver com o perfil do cliente – conservador,
moderado, arrojado ou agressivo –, é possível variar a carteira ao
longo da vida. Um jovem, como tem mais tempo para acumular, pode
correr um pouco mais de risco em busca de rentabilidade e, na
medida em que os anos passam, ir mudando a composição da carteira
para fundos mais conservadores.
Essa
movimentação também vem sendo simplificada com o uso de tecnologia
e algoritmos para a identificação das características de
investimentos de cada cliente. “Lançamos produtos multifundos tanto
em PGBL como em VGBL. Com apenas uma proposta o cliente tem a
possibilidades de diversificar a carteira entre 15 opções de fundos
de investimentos de diferentes gestores”, informa Carlos Eduardo
Gondim, diretor executivo de Vida e Previdência da Porto Seguro,
que também liberou aos seus clientes o uso de novos meios de
autoatendimento e ferramentas ágeis, como o WhatsApp e o PIX.
E no Banco Inter, por exemplo, é possível contratar fundos de
previdência pelo aplicativo. “Agregamos uma solução que aposta em
análise de perfil e de dados do cliente para facilitar e
simplificar a vida de quem usa nossa plataforma, com indicações
mais ajustadas para cada pessoa”, diz Thiago Corrêa, gerente
executivo de Produtos da Inter Seguros. Já a Zurich estabeleceu
parceria com nove gestoras independentes para oferecer planos
individuais e empresariais de previdência com fundos de diferentes
benchmarks. Entre parceiros como Genial, Legacy, Kadima e Rio
Bravo, destaca-se a Onze, a primeira prevtech do Brasil.
“Nossa intenção é construir uma experiência de previdência
totalmente inovadora, digital e com vantagens exclusivas – mais
assertiva, valorizada e sem esforço operacional pelo RH das
empresas, e integrando aos processos e sistemas de folha de
pagamento, com atendimento e time dedicado, relatórios e informes
de educação e saúde financeira continuamente”, afirma John Liu,
diretor executivo de Investimentos.
Com o mercado aquecido, as novidades não param. “Reduzimos a
aplicação mínima de todos os produtos que estão ativos em nossa
prateleira para R$ 1,00 e passamos a oferecer crédito com taxa
diferenciada usando o plano de previdência como garantia”, comenta
Claudio Sanches, diretor de produtos de Investimento e Previdência
do Itaú Unibanco.
A
SulAmérica oferece esse tipo empréstimo desde agosto do ano
passado. “Quando o cliente nos procura pedindo resgate de sua
reserva, nós oferecemos a ele uma opção de financiamento de até 50%
do valor que ele tem acumulado e, assim, ele pode utilizar esse
recurso para as suas obrigações, mantendo a disciplina de acumular
para o futuro”, explica Marcelo Mello, que, além disso, passou a
oferecer aos clientes de previdência um serviço gratuito de
atendimento médico online, em tempo integral, utilizando a
expertise da SulAmérica Saúde.
Reportagem publicada na edição 89, lançada em agosto de 2021.