Contaminação inalatória
Pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP) estão testando uma nova estratégia de vacinação contra uma doença pouco conhecida, mas potencialmente incapacitante: a paracoccidioidomicose.
Como a principal forma de contágio é a inalatória, a sequela mais comum é a doença pulmonar obstrutiva crônica.
Mas o fungo também pode afetar pele, boca, laringe, baço e fígado, além de se infiltrar nos ossos, nas articulações e no sistema nervoso central.
Os tratamentos existentes são demorados, muitas vezes requerem a internação do paciente e causam efeitos colaterais importantes. Por isso, apostamos em uma vacina terapêutica, capaz de estimular o sistema imunológico a combater a doença.
"Mas também estamos testando a vacina em um protocolo profilático, para ver se ela é capaz de prevenir a infecção", disse Suelen Silvana dos Santos, que está estudando a vacina juntamente com o Dr. Sandro Rogério de Almeida.
Paracoccidioidomicose
Causada pelo fungo Paracoccidiodes brasiliensis, comum em áreas rurais, a doença causa um processo inflamatório crônico que leva à formação de fibrose nos tecidos afetados.
Estima-se que existam 10 milhões de infectados pelo Paracoccidiodes brasiliensis na América Latina - concentrados no Brasil, na Argentina, na Venezuela e na Colômbia.
Desses, apenas 2% desenvolvem a doença, fato geralmente associado a carência alimentar, alcoolismo, tabagismo ou doenças preexistentes.
Quando a micose se manifesta, no entanto, torna-se um problema de saúde pública, pois a mortalidade é alta e quem sobrevive fica, muitas vezes, incapacitado para o trabalho.
Vacina terapêutica
Segundo Suelen, 90% dos casos correspondem à forma crônica de paracoccidioidomicose, que leva anos para se desenvolver e provocar sintomas clínicos. Mas a doença também pode se manifestar de forma aguda, que é mais mais agressiva e afeta principalmente os jovens.
A principal droga usada hoje na fase mais grave da doença é a anfotericina B, que é altamente tóxica e requer longo período de hospitalização. Após a alta, o paciente precisa de acompanhamento para avaliar a função hepática e renal, além de tratamentos adicionais para evitar recaídas.
"Por esse motivo apostamos na vacina terapêutica. A estratégia é direcionar um antígeno do fungo às células dendríticas, capazes de desencadear no organismo uma resposta imunológica específica contra o Paracoccidiodes brasiliensis", explicou Suelen.
Memória imunológica
As células dendríticas são peças-chave do sistema imunológico. Após fagocitarem os antígenos, elas migram para os órgãos linfoides e apresentam os invasores para as chamadas células T, responsáveis pela resposta imunológica adaptativa - específica para cada doença.
Quando o antígeno é apresentado às células T, cria-se uma memória imunológica que, uma vez debelada a doença, impede uma nova infecção.
"Se conseguirmos enviar o antígeno diretamente às células dendríticas, evitamos desencadear uma resposta imunológica exacerbada e não direcionada, o que poderia destruir as células dos tecidos afetados pelo fungo", afirmou Suelen.
Para isso, os pesquisadores desenvolveram um anticorpo batizado de anti-DEC205, capaz de se ligar somente aos receptores das células dendríticas. A esse anticorpo foi fusionado um peptídeo do fungo conhecido como P10.
"O P10 é uma sequência de aminoácidos retirada da principal lipoproteína do fungo, a GP43. Ele funciona como um antígeno, ou seja, induz uma resposta imunológica específica contra o fungo", explicou Suelen.
Tanto a GP43 como o P10 foram descobertos em uma série de pesquisas realizadas desde a década de 1980, sob coordenação de Luiz Rodolpho Travassos, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).