Na opinião de angiologista muitos problemas poderiam ser evitados se as mulheres se submetessem a análises médicas de risco, que identificam predisposições por doenças na família, obesidade, sedentarismo ou tabagismo
A venda indiscriminada de hormônios femininos, como anticoncepcionais, pode agravar os riscos à saúde das mulheres, alertam especialistas. Ginecologistas lembram que o medicamento é vendido sem a exigência de receita médica em vários países, como os Estados Unidos, e cardiologistas alertam que a automedicação sem uma avaliação de predisposição da mulher pode acarretar problemas como a trombose e a embolia.
O angiologista e cirurgião vascular Calógero Presti, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular, lembra que os riscos de hormônios usados como contraceptivos, para o tratamento de problemas como acne ou para reposição hormonal, por exemplo, são conhecidos há muito tempo e estão nas bulas dos remédios.
“Quando uma menina começa a menstruar, ela pode ir a uma farmácia e comprar o anticoncepcional. Isso é um problema sério. A rigor, esse tipo de medicamento tem que ser ministrado com segurança pelo ginecologista. Mas, em geral, elas procuram as amigas e os farmacêuticos em busca de orientações sobre qual anticoncepcional comprar”, disse o médico.
Na opinião de Presti, muitos problemas poderiam ser evitados se as mulheres se submetessem a análises médicas de risco, que podem identificar predisposições por histórico das doenças na família ou por obesidade, sedentarismo e tabagismo.
Pelas estatísticas médicas, o risco de formação de trombose feminina, considerando a população geral, não ultrapassa cinco casos em cada 10 mil mulheres. Quando a mulher começa a tomar pílula, a proporção passa a ser de nove casos para cada 10 mil mulheres.
“O hormônio condiciona o maior risco. Para quem toma progesterona e outros hormônios, aumentam os fatores de coagulação”, disse Presti, ao alertar que os cuidados prévios podem ser a única solução para o problema. “A trombose instala-se agudamente, ou seja, repentinamente. “É como um infarto do miocárdio. Ela não avisa que vai ocorrer. Você só sabe depois dos sintomas instalados e, muitas vezes, nem fica sabendo. A prevenção é muito complicada”.
O angiologista não é contrário ao uso dessa ou de outras pílulas, mesmo diante da ameaça que levou quatro mulheres à morte e da ocorrência de 125 casos de trombose venosa, entre pessoas que utilizavam o Diane 35, nos últimos 25 anos, em todo o mundo. Presti descarta qualquer pressão das indústrias. Segundo ele, o medicamento que se transformou em uma necessidade da mulher moderna que decide evitar gravidez ou tratar outros problemas deve, somente, ser utilizado com responsabilidade.
As mulheres que registraram problemas tinham idade entre 18 e 42 anos e sofreram acidentes vasculares variados, como embolia pulmonar ou derrame. As denúncias levaram o governo francês a suspender, até abril, a venda do Diane 35 no país. Estima-se que, antes dessa proibição, 315 mil mulheres tomavam o remédio na França.
“Na gestante há grande aumento de hormônios femininos, há alteração endocrinológica que vai preparar a mulher para o parto. E no caso da gestação, o risco de trombose, para se ter um exemplo, é muito maior. É de 30 casos para cada 10 mil gestantes. A trombose pode ocorrer em mulheres que tomam ou não a pílula”, avaliou.
O angiologista não acredita que o Diane 35 tenha características diferentes de outros hormônios, mas lembra que o medicamento não tem autorização para ser vendido como contraceptivo. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o remédio está registrado no Brasil desde 2002 pelo Laboratório Bayer S.A. para o tratamento de distúrbios andrógenodependentes na mulher, como a acne, principalmente nas formas pronunciadas e naquelas acompanhadas de seborreia, inflamações ou formação de nódulos, e para casos leves de hirsutismo (crescimento excessivo de pelos na mulher) e síndrome de ovários policísticos.
O registro médico dos casos de trombose desenvolvidos por mulheres que usam hormônios não é obrigatório, de acordo com as regras da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável pela autorização de venda de medicamentos no país. A falta da exigência talvez explique a ausência de ocorrências no Brasil.
“Até o momento, não houve geração de sinal de risco sanitário no banco de dados do sistema de notificação da agência”, informou, em nota, a Anvisa, acrescentando que a bula do medicamento “já tem as informações de que o mesmo não deve ser utilizado na presença ou histórico de processos trombóticos/tromboembólicos arteriais ou venosos, como por exemplo trombose venosa profunda, embolia pulmonar, infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral, bem como na presença ou história de sintomas e/ou sinais de trombose , como por exemplo episódio isquêmico transitório, angina pectoris”.
Ainda assim, casos de trombose desenvolvidos em pessoas orientadas por médicos foram relatados à Agência Brasil – um deles, o de Rosana Lopes Lima, do Rio de Janeiro, que usou o Diane 35 por dois meses. O medicamento indicado pela ginecologista foi suspenso pela própria médica quando Rosane começou a apresentar inchaço e endurecimento dos seios e mudanças significativas no corpo.
A Anvisa comprometeu-se a monitorar os casos e informou que só pode aprovar medicamentos para finalidades comprovadas em estudos apresentados para o registro. Destacou que o sistema de notificação é aberto a qualquer profissional de saúde e aos próprios usuários. “A solução está em uma conscientização dos profissionais sobre a importância de notificar esses eventos, sejam eles quais forem”, destacou a assessoria do órgão regulador.
Em relação à venda do medicamento, a Anvisa explicou que não há um comércio indiscriminado. “Anticoncepcionais não são medicamentos de venda livre. O problema passa por outra esfera que é o uso racional”, destacou.
A agência abriu edital recentemente para montar uma força-tarefa destinada a discutir soluções para o problema. A intenção é formar grupos que sensibilizem farmacêuticos, médicos e usuários sobre a exigência da receita médica para a compra de qualquer medicamento de tarja vermelha, como é o caso dos anticoncepcionais.