O usuário de crack, ao fumar uma pedra da droga, inala não
apenas a cocaína, mas também uma substância derivada de sua
pirólise, um éster denominado metilecgonidina (AEME). Essa
substância provoca a morte de neurônios de um modo muito mais
agressivo do que aquele observado quando o usuário cheira ou injeta
a cocaína, como mostram estudos in vitro realizados na Faculdade de
Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP.
O crack é a mistura da pasta bruta de cocaína, bicarbonato de
sódio e água. "Quando o usuário aquece a pedra de crack, ele
acaba por inalar não apenas a cocaína, um alcaloide, mas também a
AEME, um éster. Por isso, os danos são muito maiores, pois o
usuário sofre os efeitos tanto da cocaína como da AEME", explica a
professora Tania Marcourakis, do Departamento de Análises Clínicas
e Toxicológicas da FCF, que é responsável por uma linha de pesquisa
sobre o tema. Os pesquisadores realizaram estudos in vitro
utilizando uma cultura primária de neurônios extraídos do hipocampo
— região do encéfalo ligada à memória — de fetos de ratos.
Os cientistas descobriram que nas amostras onde incubaram a AEME
e a cocaína juntas, durante um período de 48 horas, houve pelo
menos 50% mais mortes de neurônios, em comparação às amostras onde
a cocaína e a AEME foram incubadas isoladamente na cultura primária
de neurônios.
Estes resultados indicam que o usuário de crack pode estar
exposto a uma maior neurodegeneração em relação aos usuários de
outras formas de uso da cocaína
Este estudo foi realizado durante o mestrado do aluno Raphael
Caio Tamborelli Garcia, Efeitos neurodegenerativos da
metilecgonidina e da cocaína em cultura celular primária de
hipocampo, apresentado em 2009 sob a orientação da professora
Tania. Atualmente, Garcia está cursando o doutorado
"sanduiche" nos Estados Unidos onde investiga os efeitos da AEME no
cérebro de ratos.
"A pesquisa de doutorado tem o objetivo de verificar se a AEME é
apenas neurotóxica ou se também contribui para a dependência ao
crack", explica a professora. A defesa deve ocorrer no próximo
semestre. Sabe-se que a fumaça que o usuário inala com a
queima da pedra do crack é absorvida rapidamente pelo organismo,
provocando, do mesmo modo, um efeito muito rápido. Então, quanto
mais o usuário fuma, mais rápido é o efeito. E quanto mais ele
fuma, mais ele quer fumar, e mais rápido se torna dependente da
droga
Necrose e apoptose
Já o estudo de mestrado da aluna Livia Mendonça Munhoz Dati,
Caracterização das vias de morte celular induzida pela
metilecgonidina, produto da pirólise da cocaína, investigou por
quais vias ocorria a morte dos neurônios: necrose ou apoptose. A
necrose ocorre quando a célula inflama, incha e se rompe. Já a
apoptose é a morte celular programada, onde ela morre e
desaparece. Os resultados mostraram que, no caso da cocaína,
ocorre a morte tanto via necrose como apoptose.
A AEME provoca a morte das células via apoptose. Mas quando a
cocaína e a AEME estão juntas, elas provocam tanto a apoptose como
a necrose. A dissertação, defendida em 2012, também foi realizada
em cultura primária de células cerebrais de fetos de ratos.