No Brasil, as leis de mercado ajudam a explicar a falta de
profissionais capacitados para atuar como médicos da família. A
baixa procura pela residência na área gera pouca oferta nas
universidades e, consequentemente, déficit de mão de obra nas
unidades públicas de saúde. E, como se não bastasse, as matrículas
não preenchem as vagas. A taxa de ociosidade chega a 71%. Na
prática, só uma em cada quatro vagas é ocupada.
O índice reflete a realidade de algumas faculdades de São Paulo. O
programa de residência da Santa Casa de Misericórdia, por exemplo,
tem oito bolsas autorizadas para Medicina de Família e Comunidade,
mas só duas estão preenchidas. "Não abrimos todas porque não há
procura", diz o presidente da comissão de residência, Rogério
Pecchini.
Em outras escolas, como o Instituto Sírio-Libanês de Ensino e
Pesquisa, a especialidade nem é oferecida como residência médica,
apesar de o hospital comandar parte das equipes de saúde da família
da Prefeitura de São Paulo. A demanda por profissionais
especializados na área deve forçar a instituição a criar vagas de
ensino, mas a expectativa de procura é baixa.
"A atenção básica não oferece status. Os recém-formados buscam isso
em especialidades, como cancerologia ou radiologia, em que temos 55
candidatos por vaga. Espero que o Mais Médicos ajude a mudar esse
quadro", diz o diretor Roberto de Queiroz Padilha. O programa
federal usa a falta de interesse dos brasileiros para justificar a
importação de profissionais formados no exterior.
A valorização de especialidades como neurologia e cirurgia plástica
provoca uma discrepância na oferta de bolsas para saúde comunitária
até onde a demanda por esse profissional é alta. O mapa da
distribuição das vagas de residência em Medicina de Família e
Comunidade mostra que todos os anos são abertas 702 vagas - só 6%
das 11.383 bolsas oferecidas aos formandos de Medicina.
Em quantidade absoluta, Minas Gerais tem o maior número de
matrículas nesse tipo de residência: 126. Já no levantamento per
capita, Roraima é o primeiro do ranking, com 1,8 vagas por 100 mil
habitantes. Na contramão, a chance de achar um médico de família no
Piauí, Rondônia e Amapá é zero - não existe ensino específico nos
três Estados. Hoje, há 3.253 médicos de família no Brasil - o que
representa 0,9% do total de profissionais com registro.
Futuro. Uma das explicações é a falta de perspectiva da carreira.
Apesar de alguns locais pagarem salários altos, que chegam a R$ 30
mil mensais para segurar um médico da família, as poucas chances de
progresso do serviço público afastam candidatos. Há ainda
incertezas sobre a possibilidade de transferência para cidades
maiores.
"O Programa Saúde da Família é pouco atrativo. E não se trata de
salário. O médico que aceita trabalhar em locais de difícil acesso
se sente sozinho. Não há respaldo e apoio que garanta a ele que o
trabalho será bem sucedido", diz Gilmar Fernandes do Prado, que
coordena a comissão de residência médica da Universidade Federal de
São Paulo. Assim, quem aceita trabalhar com saúde da família não é
especializado e fica pouco tempo no emprego, geralmente só até
conseguir vaga em outra área.