Afinal, o que se espera de um CIO na área de Saúde? E, principalmente, o que o CEO espera deste mesmo profissional? Será que mesmo nos níveis gerenciais ele ainda é simplesmente o “cara da TI” ou começa a assumir funções realmente estratégicas?
Para responder a esta pergunta e traçar um perfil ideal dos líderes na área de tecnologia da informação de hospitais e outras instituições assistenciais, a Associação Brasileira CIO da Saúde, a ABCIS, reuniu alguns importantes “chefes” do setor no II Seminário de Integração de Tecnologia em Saúde. Participaram: Gonzalo Vecina Neto, superintendente do Hospital Sírio – Libanês; Henrique Neves, CEO do Hospital Israelita Albert Einstein; e Wagner Marujo, superintendente do Hospital Infantil Sabará. A partir das opiniões dos três, o Saúde Webelenca as cinco principais competências do CIO em Saúde.
Competência 1: Capacidade de gestão
Afinal, CIO é um cargo gerencial, e não um técnico em informática. Como gestor, deve ter capacidades comuns a líderes de quaisquer outras áreas. Talvez a mais importante delas seja a visão estratégica, ou seja, vislumbrar de que forma o seu trabalho pode (e deve) contribuir para alcançar os objetivos e metas da organização.
“O mundo começou a mudar sua forma de transformação, e mudar as estratégias passou a ser necessário conforme o mundo muda”, explicou Gonzalo Vecina, salientando a capacidade analítica que o chefe de TI das organizações de saúde precisa ter. “O CIO tem que pensar globalmente, não só em hardware e software. Tem que ter consciência de onde está a organização interna e externamente. O que é importante para qualquer gestor.”
Para Wagner Marujo, o CEO espera que o CIO conheça experiências de outras indústrias e setores, e que esteja alinhado às melhores práticas mundiais não só em áreas técnicas, mas também na própria gestão. “Desconfio que os hospitais brasileiros ainda não procurem este perfil, que seria muito útil”, ponderou.
Esta capacidade de gestão já leva alguns CIOs além, com alguns deles emergindo para o posto de principal executivo das empresas. “Em muitas organizações americanas a dependência da tecnologia é tão central que o CIO está ocupando o lugar do CEO. É um sucessor natural”, disse Henrique Neves.
Competência 2: Ser um gestor de pessoas
“O CIO não trabalha sozinho”. Com esta frase, Vecina resume bem a necessidade que o líder de TI tem de selecionar e motivar a equipe sob seus auspícios. Mas, é claro, esta não é uma missão muito simples para um profissional muitas vezes oriundo de áreas técnicas e em um ambiente em que os comandados são cada vez mais autônomos.
Com a informação cada vez mais onipresente, há um “empoderamento” de cada indivíduo em curso, e isto claramente afeta a capacidade do gestor de liderar. Neste ambiente em que os trabalhadores podem ser autodidatas ou mesmo independentes, ainda há o limite da decisão organizacional, baseada nos objetivos estratégicos. Este é o grande desafio do gestor de pessoas: como lidar com a concessão de liberdades sem perder de vista a estratégia?
“Há uma transição evidente no cargo de CIO”, opinou Neves. “Ele tem que ter a capacidade de empreender, conectar, desenvolver talentos e projetar o futuro.”
Competência 3: Criatividade e comunicação
O primeiro ponto desta competência, a criatividade, pode ser traduzido como já tantas vezes propagada “capacidade de pensar fora da caixa”. Refletir a respeito dos problemas enfrentados pela organização e a partir daí ser capaz de pensar em soluções inovadoras. Mas, é claro, há obstáculos para isso não só nas estruturas organizacionais, mas na própria cultura.
“A criatividade vai exigir que de alguma forma tenhamos respeito por uma coisa que não costumamos ter, que é o princípio do acerto e do erro. Parte da ideia de que existem erros. Se vamos fazer uma experiência criativa dentro da organização, há uma certa possibilidade de fracasso que precisa ser contada”, ponderou Vecina. “Temos que aprender a aceitar o erro e considerar sua possibilidade quando pensamos em uma nova ação.”
Outro ponto fundamental para estimular a criatividade é a comunicação. Em uma organização cujo processo de decisão seja descendente, ou seja, partem única e exclusivamente de cima para baixo, perde-se muito com ideias vindas de outros pontos da estrutura. Comunicação em matriz (ou híbrida) ou holográfica (em que as áreas se falam de acordo com cada processo ou atividade) podem ser saídas, mas mesmo elas exigem cuidado.
“Quanto mais vertical o processo, menos criatividade. Mas se libera geral também há riscos”, explicou Vecina. “Temos que realizar tarefas e elas necessitam de comando, por mais participativa que seja a gestão. O projeto de comunicação da organização é vital por este motivo”, concluiu, lembrando que a comunicação nos departamentos de TI replica e se conecta ao esquema da organização toda.
Competência 4: Conhecimento técnico
Conhecer e reconhecer tecnologias é, obviamente, um componente desejável para quem vai liderar a TI de uma organização de Saúde. Nisto o CIO difere de outros gestores – muito embora médicos e enfermeiros já tenham gerenciado com sucesso estas áreas. “Vi isso acontecer e os resultados não são tão ruins, mas há uma sopa de letrinhas que só vocês dominam”, disse Vecina aos muitos técnicos presentes no seminário da ABCIS.
O superintendente do Sírio-Libanês fez questão, no entanto, que mais do que conhecer letras é necessário entender que a tecnologia nos hospitais são conexas, ou seja, conversam (ou deveriam) entre si. Assim, telefonia IP, PEP, HIS, PACS e CFTV, entre tantas outras tecnologias cada vez mais fundamentais, servem ao mesmo propósito: o paciente.
Competência 5: Capacidade de estabelecer limites
Talvez esta seja a competência mais complexa. Muito embora os profissionais de TI gostem de dizer que existe solução para qualquer demanda de qualquer área da instituição hospitalar, muitas vezes é preciso que haja limites na capacidade da instituição de gerar soluções. É preciso analisar e entender não só os complexos problemas do hospital e dos clientes, mas também das pessoas que ali trabalham.
“Tudo que você perguntar para um profissional de saúde em um processo geral de trabalho é informatizável e customizável. Só que um hospital moderno trabalha com 12 profissionais por leito, e customizar isso é impossível”, ponderou Vecina durante o seminário. “Como fazemos para garantir um ambiente do qual a organização está se beneficiando, atingindo objetivos a um custo adequado?”
Existe, afinal, uma forte pressão vinda de dentro e de fora do negócio para tornar as empresas “digitalmente relevantes, e a percepção de que todos os produtos no futuro serão de TI ou envolverão TI”, explicou Henrique Neves. E isso significa, em termos simples, que o CIO passou da posição tradicional de controlador da TI para a de gerador de receita – o que inclui entrada da organização na internet, no mundo da mobilidade e no Big Data. Mas qual deve ser o ritmo desta entrada?
“O CIO precisa estar focado na relação custo/eficiência em uma indústria cujo portfólio de produtos dobra a cada dois anos, e a pressão sobre novas aquisições é enorme”, explicou Marujo. “Quem não tem conhecimento técnico tem dificuldade em saber o que é importante ou relevante.”
Há, segundo o gestor do Sabará, uma pressão constante do mercado por tecnologias, o que exige do líder de TI um perfil analítico para resistir ao apelo de produtos “certamente muito apetitosos, mas que normalmente demoram para justificar o investimento”.
Competência Bônus: Ser um profissional da área de Saúde
Esta última competência entra como plus, mas não deixa de ser relevante. É importante que o CIO da Saúde não se esqueça de que, em uma instituição da área, fatores humanos e sociais não escapam de uma TI cada vez mais integrada aos objetivos da instituição, e que isto significa lidar com dor, sofrimento e morte.
“Qualquer gestor da Saúde precisa ter compromisso social”, disse Vecina. “Não pode ser um cara frio, tem que ser um cara quente. Essa é a coisa mais difícil de ensinar, mas também se aprende.”