Não temos estatística oficial de quantas crianças crescem com traqueostomia.
O que sabemos é que vem aumentando ultimamente o número de crianças que nascem prematuras extremas, com baixo peso. Esse fato está acontecendo em decorrência de dois fatores principais: aumento de partos gemelares (ampliação de fertilizações in vitro) e pelo avanço das UTI neonatais, que promovem o desenvolvimento dessas crianças, que nascem de 28 semanas, pesando 1Kg.
Essas crianças sobrevivem à custa de um tubo orotraqueal, que permite a ventilação pulmonar assistida por aparelhos. Esse tubo, posicionado em uma laringe muito pequena, promove trauma na mucosa que resulta em cicatriz que diminui ou obstrução do diâmetro do tubo laríngeo e/ou traqueal (estenose laríngea e/ou traqueal).
Existem alguns fatores que contribuem para esse fato: entubação traumática na urgência, reintubações frequentes, crianças muito ativas que se movimentam muito enquanto entubadas, refluxo ácido do estômago para a laringe e características individuais, como a tendência que algumas pessoas têm de formar queloides em cicatrizes.
Atualmente utilizamos endoscópios flexíveis para diagnosticar esses problemas. São exames simples, que podem ser realizados na própria UTI. Podemos gravar as imagens e analisar posteriormente para propormos o tratamento.
Temos muitas dificuldades em tratar a estenose laríngea e/ou traqueal, pois essa cicatriz na mucosa do tubo respiratório se refaz sempre que tentamos desfazê-la. Muitas vezes essa cicatrização acontece de forma exuberante e fecha totalmente o tubo respiratório.
Existem várias técnicas cirúrgicas para resolver esse problema, que podem ser realizadas via endoscópica, pela boca, através de dilatações. Em alguns serviços avançados, utiliza-se balões dilatadores que são insuflados com soro fisiológico que dilatam a região estenosada de forma radial, com mínimo trauma, moldando-se bem na mucosa laríngea. Esse procedimento dura cerca de dois (2) minutos e é realizado sob anestesia geral. Em muitos casos, quando realizado em fase inicial, evita a traqueostomia.
Atualmente, essa técnica endoscópica utilizando balão é superior às práticas antigas que usavam sondas rígidas, ainda muito utilizadas em serviços públicos e privados.
Em alguns casos, 50% em média das estenoses (cicatriz) do tubo laríngeo e/ou traqueal não melhoram com a técnica endoscópica. Esses casos necessitam de cirurgias abertas do pescoço, para reconstruir o tubo laringotraqueal.
Esse tubo pode ser reconstruído com cartilagem da costela, que se adere muito bem às cartilagens laríngeas, com isso, proporciona abertura do tubo e retirada da traqueostomia.
O nosso objetivo é: fazer diagnóstico precoce, ainda na UTI neonatal ou pediátrica, para tratar via endoscópica e evitar a traqueostomia. Ou, nos casos que as crianças apresentam traqueostomia, indicar a melhor técnica cirúrgica endoscópica ou aberta para retirar a traqueostomia o mais precoce possível.
Um dos grandes inconvenientes de uma criança crescer com traqueostomia é o prejuízo para a fala, além das infecções de vias aéreas e pneumonia.
É muito comum pais de crianças com traqueostomia, ouvirem de profissionais da saúde, que não conhecem os novos métodos, que é necessário esperar a criança crescer. Esse tipo de conduta evidencia que o tratamento dessa patologia muitas vezes ainda é realizado com técnicas arcaicas da década de 70.
Nos grandes centros e em países de primeiro mundo existem muito menos crianças crescendo com traqueostomia do que no Brasil. Ainda temos muito que evoluir para avançar no tratamento dessas crianças.
Quando participamos de congressos internacionais e vemos as apresentações dessas novas técnicas, percebemos que europeus e americanos estão muito mais familiarizados do que nós brasileiros.
Uma das grandes dificuldades é a organização de equipes multidisciplinares, com intensivistas, pneumologistas, neurologistas, otorrinolaringologistas, cirurgiões pediátricos, broncoscopistas e cirurgiões de tórax. É preciso conscientizar todos para a necessidade de obter novos conhecimentos e avanços técnicos para evitar e/ou retirar a traqueostomia o mais precoce possível e oferecer qualidade de vida para essas crianças e famílias.
As cirurgias abertas, com retirada de traqueostomia no mesmo momento, já são uma realidade em muitos países. Já existe no Brasil, mas somente em um centro de referência em Porto Alegre e outro em São Paulo, com equipes organizadas para a realização desses procedimentos.
Saramira Bohadana - Doutora em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, estágios nos EUA, Cincinatti – Ohio, em Cirurgias de Via Aérea Pediátrica. É Coordenadora do Grupo de Via Aérea Pediátrica do Hospital Infantil Sabará