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A crise vista de fora

Fonte: Luciano Máximo, de Londres - Revista Apólice Data: 30 maio 2016 Nenhum comentário

Aos olhos de seguradoras e resseguradoras baseadas no Reino Unido e na Europa, a combinação de elementos dos tempos turbulentos que o Brasil atravessa caracteriza uma verdadeira “tempestade perfeita”. E ela é preocupante, mas os agentes internacionais do setor estão atentos.

No front econômico, o mix de desaceleração da atividade, repique inflacionário, desvalorização cambial e indisciplina fiscal é de fazer arrepiar os mais tarimbados profissionais do mundo (res)segurador. E tem ainda o lado político para dar contornos ainda mais dramáticos à “tempestade perfeita”, com o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff tramitando em altíssima velocidade para os padrões do Congresso Nacional e, ainda, a operação Lava-jato atingindo em cheio a Petrobras, a maior consumidora empresarial de produtos de seguros do país.

A coluna Direto de Londres conversou com vários profissionais do mercado segurador e ressegurador para saber como representantes de grandes empresas estrangeiras enxergam o mercado brasileiro no momento. Todos demonstram preocupação com o péssimo desempenho da economia e a inflação elevada – isso fere de morte a indústria seguradora, pois significa menos prêmios faturados. Alguns criticam prudentemente o atual governo por seu caráter intervencionista e indisciplinado fiscalmente. No geral, evitam falar de guinada com a chegada de um eventual governo Michel Temer; preferem o discurso diplomático de confiança no Brasil e aposta em uma estratégia de negócios focada no longo prazo. Também apresentam saídas para a crise sob a ótica do setor.

Com a palavra, o mercado britânico e europeu:

Munido de números sobre a economia brasileira e com o desempenho do mercado segurador do país na ponta da língua, Kurt Karl, economista-chefe da Swiss Re, começa sua análise enfatizando que estabilidade macroeconômica é indispensável para criar um ambiente de crescimento sustentado das indústrias de seguros e resseguros. Ele ressalta que o segmento não-vida encolheu 3% no ano passado e deve ver os prêmios caírem anda mais em 2016, 4%. Segundo ele, os prêmios cedidos em resseguro no Brasil registraram retração de 3% em 2015, mas devem se recuperar este ano.

“Dentro desse contexto, o governo deve restaurar seu compromisso com disciplina fiscal e estabilidade de preços, dois pilares do sucesso econômico do país nas últimas décadas. Risco regulatório também é uma grande preocupação: as recentes medidas sobre transações de resseguros entre Estados, facilitando transferências internamente pelas empresas, trazem mais confiança aos operadores estrangeiros para atuar localmente. O Brasil precisa mesmo que seu sistema político foque na melhora da economia e no crescimento econômico potencial, além de se voltar seriamente para reformas estruturais e estabelecer disciplina fiscal e monetária”, avalia Karl.

O economista reitera que as empresas do setor de seguros devem enfatizar ganhos de eficiência com digitalização de processos e serviços digitais aos clientes como formas de enfrentar a crise. Ele lembra que a penetração de produtos de seguros no Brasil ainda é baixa, inferior ao mercado chileno, com gasto per capita de US$ 332. “Há enormes lacunas a serem preenchidas no mercado brasileiro, mesmo em tempos de crise. Há produtos no ramo vida e de infraestrutura que podem ser muito melhor trabalhados. No segmento automóveis e de saúde também há espaço para crescimento, são nichos que o Brasil ainda está bem atrás de mercados mais desenvolvidos. Para não falar que é possível promover uma transformação digital na comercialização de seguros no Brasil.”

Elizabeth Powell, underwriter do sindicato Sompo Canopius no Lloyd’s of London, conhece o mercado brasileiro por causa de sua passagem pelo IRB Brasil Re. Ela menciona a “tempestade perfeita”, destacando que o governo, seja Dilma ou Temer, deve atacar a inflação alta com todas as forças. “Aliada à desaceleração da economia e ao desemprego em alta, a inflação mina o lado comercial das operacões de seguros e resseguros. É o maior risco. Quanto à crise, é preocupante, mas muitos países passam por crises e elas tendem a ser superadas com o tempo, os negócios precisam se ajustar à dinâmica de crescimento mais lento”, ponderou Elizabeth, citando como exemplo a crise do início dos anos 2000 na Argentina e, mais tarde, o baixo desempenho da economia nos últimos anos de Cristina Kirchner. “O novo governo está dando um choque econômico e muita coisa está mudando na Argentina, muitas oportunidades estão surgindo para o setor de seguros e resseguros. Há um ano havia pouca esperança.”

Reservadaente, um alto executivo do próprio Lloyd’s conta que, por causa da desvalorização cambial, o mercado de resseguros brasileiro sofreu forte redução em 2015, quando o volume de prêmios medido em dólares teve uma redução de 23%. “No entanto, isso não muda nosso apoio ao país. O Lloyd’s está comprometido com o Brasil e continuará a apoiar o mercado brasileiro. Temos confiança de que no médio prazo a economia brasileira vai se recuperar e, consequentemente, o mercado de seguros e resseguros voltará a crescer. Entretanto, para que o setor de seguros e resseguros brasileiro possa se desenvolver e crescer de forma sustentável, é fundamental uma melhor integração com o mercado internacional, implementando um processo de liberalização e desburocratização no setor.”

Em meio à tramitação do processo de impeachment na Câmara, um documento publicado pela Europe Insurance, associação de seguradoras europeias, faz menção ao excesso de intervenção do governo no mercado ressegurador, limitando a oferta de capacidade por parte de resseguradoras estrangeiras. “O Brasil representa um mercado muito importante para a indústria seguradora europeia. Atuais relações podem ser ampliadas e melhoradas com a retirada de barreiras comerciais e aumentando a convergênca regulatórias”, assinala o paper.

Outro ponto de atenção é o segmento de óleo e gás, energia e grandes obras, todos atrelados com a Petrobras. Com a consolidação do preço do petróleo no mercado internacional em nível baixíssimo e o escândalo de corrupção apurado pelas investigações da operação Lava-jato, as seguradoras e resseguradoras tendem a faturar menos prêmios nesse nicho de mercado. A avaliação é de Deniese Imoukhuede, diretora da AM Best, agência de classificação de risco baseada em Londres especializada no mercado segurador.

“A geração de prêmios será menor que os resutados obtidos em anos anteriores, com o preço do petróleo em patamares mais elevados. Com a queda da commodity, naturalmente a tendência é de desaceleração das transações pelas seguradoras. Isso já está acontecendo em outros países emergentes, não só no Brasil. Seguradoras na Rússia e Nigéria já sofrem o impacto dessa nova precificação. O problema é que no Brasil tem esse escândalo de corrupção que esá paralisando tudo, inclusive afetará os segmentos de segurosda cadeia de negócios que envolve a Petrobras, como energia e construção. A receita aqui é partir para a diversificação de carteira”, aconselha A executiva da AM Best.

 

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