Com as taxas de desemprego engordando a cada mês — no último levantamento do IBGE, o país já acumulava 11,8 milhões de desocupados —, o temor de perder a vaga com carteira assinada cresce e com ele, o de ficar sem plano de saúde. O que nem todos sabem é que o trabalhador demitido sem justa causa ou por exoneração tem o direito de manter os serviços por um determinado período, com a mesma cobertura.
A Resolução Normativa 279 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estabelece as regras para a manutenção dos serviços. A legislação em vigor prevê o benefício apenas nos casos em que o trabalhador contribuiu para o pagamento do plano. Quando a empresa custeia integralmente o valor ou há coparticipação — cada associado paga uma parte preestabelecida do valor da consulta ou do procedimento — não há direito de permanência no plano de saúde. As regras também não contemplam os empregados que pedem demissão.
“Entende-se que, se a pessoa nunca teve custo nenhum, pode ser um grande risco atribuir a ele um gasto que não estava acostumado pagar. Também não há obrigação por ser um benefício exclusivo para quem trabalha na empresa”, explica Fávio Ferraz, advogado trabalhista do escritório Ferraz Passos advogados. O especialista esclarece que a resolução trouxe inovações para casos de demissões e protege o direito à saúde do trabalhador e dos familiares. “Permite que o empregado mantenha os planos ou não cumpram os prazos de carência”, afirmou.
Além de perder o emprego, a ex-promotora de vendas, Monick Stephanie Nunes, de 26 anos, soube no ato de demissão, que teria de devolver as carteirinhas do plano de saúde. “Pediram a minha carteirinha e a do meu filho. Acabamos ficando no prejuízo, pois tínhamos consultas e exames marcados”, relembra. Como nunca havia contribuído com o pagamento do serviço, ela não tinha o direito de continuar como beneficiária. “Faz muita falta. Estou empurrando com a barriga. Tive que pagar o retorno do meu filho ao pediatra com dinheiro do meu bolso, mas não tenho condições de custear médicos particulares”, conta Monick.
Apesar de ter atrasado acompanhamentos médicos que estava fazendo, a maior preocupação dela é com o filho. Como ele ainda não completou dois anos, Monik não conseguiu encontrar um plano de saúde que aceite apenas atendê-lo, sem estar inclusa. “Por ser filha de policial, posso usar o convênio. Os planos só aceitam cobrir bebês se forem dependentes de alguém. O valor para nós dois é muito alto”, desabafa.
Rodrigo Araújo, advogado especialista em Direito à Saúde, aponta que muitas empresas acabam optando por pagar integralmente o plano de saúde ou que o empregado contribua com coparticipação dos serviços, para que os funcionários não tenham direito a permanência em casos de demissão. “A coparticipação acaba inibindo a utilização do plano de saúde, porque a pessoa terá que desembolsar dinheiro. Além disso, para a empresa não compensa que as pessoas continuem, eles não querem correr o risco de ter uma carteira com grande número de pessoas inativas. Quanto mais pessoas usarem os serviços, maior impacto terá nos reajustes anuais das mensalidades”, argumenta.
PARTICULARIDADES A funcionária pública Gabriela Furtado Bonfim, de 43, se surpreendeu quando recebeu a primeira parcela com os valores integrais do plano de saúde. Enquanto trabalhava, pagava R$ 500 para utilizar o plano, com mais dois dependentes. “Levei um susto quando recebi o boleto da primeira parcela: era R$ 1,3 mil. Quando vi o preço, cancelei na hora”, disse. Ela explicou que quando foi demitida sabia que poderia ter direito a continuar usando o plano, nas mesmas condições, mas não esperava que o custo fosse tão alto. “Foi uma situação complicada. Hoje em dia não dá pra ficar sem assistência do plano de saúde. A gente fica apreensiva, com medo de ter uma emergência”, afirma.
Em maio, a gestora pública, Jussielly Leal, de 22, foi demitida. Como tem uma filha alérgica, optou por manter o plano de saúde. Mas o processo para garantir o direito foi complicado. A empresa onde trabalhava colocou várias pedras no caminho para impedir que ela continuasse usando o plano. “Eu ligava e falavam que eu não podia continuar usando, que já haviam informado a empresa do plano de saúde. Então, mandei um e-mail para a empresa com a lei e confirmei que ainda estava no prazo. Após insistir, me responderam alegando que haviam trocado de operadora. Fiquei chateada pela falta de interesse da empresa em me ajudar”, explicou.
Os problemas não pararam por aí. Na época em que trabalhava, Jussielly pagava R$ 69 pelo próprio plano e R$ 192 por dependente. Quando foi demitida, tirou o marido do serviço, mas, mesmo assim, o custo passou para R$ 498 para ela e a filha. “Era muito caro, além disso a rede credenciada do novo plano de saúde era inferior, não cobria o médico que atendia minha filha”, reclamou.
Após o desligamento da empresa, a pessoa deve arcar com a mensalidade integral e tem prazo de 30 dias para entrar com o pedido para a manutenção do plano. “É importante frisar que a empresa deve informar todos os direitos referentes ao plano de saúde, desde o momento da contração do empregado. O funcionário também deve ser devidamente avisado de que, uma vez desligado da empresa, arcará com o valor integral da contribuição de acordo com a sua faixa etária, mesmo que, enquanto ativo, o valor seja único para todos os empregados.” É o que explica Rafael Vinhas, gerente-geral de Regulação da Estrutura dos Produtos da ANS.
A reguladora esclarece que o trabalhador deve ser informado no ato da comunicação do aviso-prévio, a ser cumprido ou indenizado, a possibilidade de continuar usando o serviço. O empregador deverá formalizar a oferta ao ex-funcionário mediante o preenchimento de uma declaração que fique firmada se houve aceitação ou recusa. Quando a empresa for comunicar a retirada do beneficiário do contrato para a operadora, deve comprovar mediante a apresentação da então declaração, que o ex-empregado tem ciência da oferta. A operadora não pode excluir o associado sem a comprovação anteriormente citada, sob pena de ficar sujeita as sanções cabíveis.
Benefício por tempo limitado
O demitido poderá permanecer no plano de saúde que tinha na empresa o equivalente a um terço do tempo em que contribuiu com o pagamento do serviço, sendo o mínimo de seis meses e o máximo de dois anos. O direito ao uso do plano é extensivo ao grupo familiar inscrito quando da vigência do contrato de trabalho e também é permitido incluir novos dependentes.
De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o ex-funcionário perde o direito de continuar a usufruir do serviço caso seja admitido em novo emprego que também ofereça o benefício de plano de saúde, quando terminam os prazos estabelecidos ou se a empresa cancelar o benefício de todos os empregados e ex-empregados. “A pessoa tem o direito de continuar usufruindo das mesmas condições anteriores, se optar a continuar usando o plano empresarial. Mas, ela também tem o direito de contratar o plano individual sem ter que cumprir o tempo de carência”, esclarece a advogada da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Lívia Coelho.
Por nota, a ANS esclarece que a pessoa pode optar exercer a portabilidade especial de carências para um plano de saúde individual ou familiar ou coletivo por adesão em até 60 dias antes do término dos prazos de permanência no plano como ex-empregado. A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) ressalta que é preciso deixar claro que o benefício de manter o plano de saúde não exclui vantagens obtidas pelos empregados decorrentes de negociações coletivas de trabalho. E que “quem for demitido por justa causa, só tem a possibilidade de contratar o plano individual da mesma operadora se a empresa trabalhar com essa modalidade, aproveitando as carências já cumpridas”.